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Levedura
“inteligente”
acelera produção de álcool
Testes
mostram que substância modificada
em laboratório acelera fermentação da cana
A biologia molecular dará
às destilarias do País que produzem
álcool carburante e cachaça uma invenção
capaz de acelerar o processo industrial de fermentação
do caldo da cana-de-açúcar. Uma levedura
inteligente, modificada em laboratório,
consegue identificar o momento exato em que ela deve
agir (trabalhar) ou descansar (sedimentar). A novidade
foi desenvolvida pelo pesquisador Anderson Ferreira
da Cunha, que coloca a invenção à
prova agora em escala piloto numa planta instalada
na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq-USP).
Esta será a última etapa antes de chegar
ao processo industrial em usina, em tanques com capacidade
para fermentação de até 400 mil
litros. O trabalho denominado de Construção
de Floculantes Condicionais de Soccharomyces cerevisiae
para Uso Industrial é desenvolvido no
Departamento de Genética e Evolução
do Laboratório de Genoma e Expressão
do Instituto de Biologia da Unicamp.
O invento já teve a
patente depositada no Brasil. Foi financiada pelo
Edistec. Durante toda a pesquisa, o financiamento
será custeado pelo Genesearch Fomento para
Pesquisa, investidora de projetos com potencial comercial.
É esta empresa que se encarregará de
viabilizar a transferência da tecnologia para
o setor industrial caso os resultados na fase piloto
repitam aqueles obtidos na etapa laboratorial. A tecnologia
poderá ter grande utilidade na indústria
de álcool carburante no Brasil, além
de servir para os fabricantes de aguardente. No Brasil,
existem mais de 300 destilarias de álcool carburante.
Com a perspectiva de crescimento
da demanda de álcool combustível como
aditivo de função ambiental à
gasolina (uma das formas de redução
das emissões de monóxido de carbono
dos carros exigidas no Protocolo de Kyoto), tecnologias
capazes de melhorar a performance de produção
do setor ganham importância fundamental na base
instalada no País. O setor sucroalcooleiro
brasileiro acredita que será um dos supridores
mundiais de álcool combustível e de
tecnologias modernas para montagem de destilarias
em outros países do mundo. Especialistas alertam
que ganhos de eficiência na produção
de commoditie são fatores preponderantes para
competitividade em mercados mundiais.
Processo abreviado
A invenção criada pelo pesquisador da
Unicamp permite exatamente agilizar o processo industrial
nas usinas de açúcar. O principal benefício
do emprego da levedura inteligente na
indústria de álcool é a eliminação
de uma das etapas do processo industrial: a centrifugação
do material após a fermentação
do material (transformação da glicose
em etanol). A centrifugação é
a forma mais rápida utilizada atualmente pelas
destilarias para a separação do mosto
e do material sólido, a levedura.
Em usinas de açúcar,
a centrífuga utilizada durante todo o período
de moagem da cana consome uma parte importante da
energia elétrica. Em plantas com co-geração
de energia (queima do bagaço da cana para produção
de eletricidade), o volume de energia economizada
pode aumentar a produção excedente,
que hoje é vendida para as concessionárias.
Outro problema das centrífugas é a necessidade
de manutenção constante. A pesquisa
não mensurou ainda os ganhos econômicos
com a eliminação do processo de centrifugação,
mas já conseguiu apurar uma economia de 5%
em tempo necessário para separação
da levedura e do mosto para destilação.
Na indústria de aguardentes, o ganho de tempo
é ainda mais expressivo.
Enquanto o processo de decantação
da levedura convencional usada para a fermentação
demora cerca de 8 horas numa dorna, a levedura criada
em laboratório consegue reduzir esse tempo
a um quarto, ou seja, para apenas 2 horas. Se,
durante um dia, a indústria consegue produzir
duas bateladas por dorna, com o novo processo a indústria
pode produzir três bateladas de aguardente no
mesmo período, explica Cunha. Isso ocorre
porque na indústria de cachaça não
é recomendável o uso de centrífugas.
Durante esse processo, a parede celular da levedura
é quebrada e uma substância chamada acetaldeído
entra na composição do produto fermentado.
Com quantidade de acetaldeído elevada, o lote
pode ser rejeitado. O acetaldeído é
a substância que provoca a dor de cabeça
em consumidores de aguardente de má qualidade.
Em algumas indústrias de cachaça, o
processo produtivo mescla as duas formas, a decantação
acelerada com a centrífuga (mas com a conseqüência
descrita acima) e a sedimentação natural
da levedura.
Ligar e desligar
O dispositivo incluído
na levedura funciona quase como um interruptor.
Para eliminar o processo de centrifugação
(após a fermentação), era
preciso dispor de um mecanismo que funcionasse
como floculante para a levedura ou a capacidade
de a substância se juntar sozinha e descer
ao fundo da dorna. Pesquisas anteriores sobre
levedura indicavam a existência de um
gene, o FL01, capaz de fazer a levedura se agregar
e sedimentar. Apesar de haver um gene expresso
com esta capacidade não havia como controlar
esta floculação. A chave capaz
de desencadear a separação da
levedura e do mosto que seguia para a etapa
final de produção a destilação
era fazer com que a substância
entendesse o momento exato de se agregar e descer
ao fundo do recipiente.
A alternativa foi encontrar
um gene que, expresso na levedura, tivesse capacidade
de deflagrar o processo de sedimentação
quando a fermentação fosse concluída,
em resumo, quando toda a glicose fosse convertida
em álcool. A pesquisa identificou então
um promotor chamado álcool desidrogenase
(ADH2), conhecido por ser regulado pela presença
da glicose. O gene é dividido em duas
partes, estrutural e promotora, esta responsável
por informar à parte estrutural a necessidade
de executar uma função.
Um dos principais trabalhos
na pesquisa, orientada pelo professor e pesquisador
Gonçalo Amarante Guimarães Pereira,
foi trocar a posição do promotor
ADH2 no gene para a levedura Saccharomyces cerevisiae,
a espécie mais utilizada em processos
industriais, como a produção de
álcool carburante, cachaça, vinho
e cerveja. A mudança de posição
do promotor é que permitiu o mecanismo
de ativação e desativação
do funcionamento da levedura. Em laboratório,
a levedura geneticamente modificada (não
transgênica), já com o promotor
que funciona com a ausência da glicose,
respondeu exatamente como previsto. Enquanto
havia presença de glicose, a levedura
permaneceu em suspensão promovendo a
conversão do açúcar em
álcool. Com o fim da glicose, o promotor
ADH2 lança ganchos para iniciar
a aglomeração das leveduras. Pesadas
vão ao fundo por gravidade.
O mosto fermentado sobre a
levedura pode ser retirado para a destilação.
Ao adicionar nova carga de caldo de cana, o
gene percebe a presença de glicose, o
promotor emite a informação e
recolhem os ganchos para reiniciar
o processo. A substância volta a ficar
em suspensão até o fim do processo,
quando sedimenta novamente. A reprodução
da levedura geneticamente modificada é
simples. Uma cepa de levedura tem a configuração
genética alterada com a inclusão
do promotor capaz de ligar e desligar. A partir
de então, as levaduras são colocadas
para reprodução durante a fermentação.
A glicose é o alimento da levedura e
o etanol é o produto excretado. Em ambiente
abundante em alimento, a reprodução
da levedura ocorre rapidamente. O promotor expresso
na nova levedura é, então, replicado.
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