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Biblioteca abrigará acervo de
obras raras e coleções especiais
Projeto aprovado pela
Finep prevê construção
de prédio com área física de 3,5 mil m2
Um
salto expressivo no fomento à pesquisa na área de Humanidades
é o objetivo da Unicamp diante da aprovação pela Finep, na
íntegra, do projeto da Biblioteca de Obras Raras e Coleções
Especiais (Bora). A aprovação implica na liberação de R$ 8,3
milhões para a construção de um prédio com quatro pavimentos
e um total de 3,5 mil metros quadrados de área física. É o
maior valor que a agência já concedeu à Universidade para
um único projeto, dentro do CT-Infra, programa voltado a obras
de infraestrutura para ensino e pesquisa. Caberá à Reitoria
complementar o custo total de R$ 11,5 milhões do prédio, que
será erguido no terreno à direita da Biblioteca Central
Cesar Lattes, num prazo estimado
em dois anos.
Estima-se, também, que existam pelo menos cem mil volumes
importantes de obras raras e coleções especiais dispersos
em diferentes unidades da Universidade. A Bora foi projetada
para reunir todo este acervo, contando com técnicas avançadas
de conservação para protegê-lo de danos causados por umidade,
incidência de luz solar, oscilações de temperatura e agentes
biológicos, bem como de roubos e incêndio.
O professor Edgar De Decca,
coordenador-geral da Universidade, ressalta o ineditismo da
aprovação do projeto em sua íntegra, entre 450 concorrentes
do país inteiro, e também o seu impacto acadêmico e arquitetônico.
“É um projeto de grande porte, que representa um novo conceito
no que concerne à preservação e conservação do inestimável
acervo bibliográfico e documental que já possuímos – e pretendemos
ampliar quando o prédio estiver pronto. Além disso, vai redirecionar
o olhar em torno do Ciclo Básico, formando uma área nobre.
Uma biblioteca de obras raras possui características especiais,
não é apenas uma biblioteca a mais”.
Alcir
Pécora, diretor do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL),
foi quem coordenou o grupo de trabalho constituído para elaborar
e acompanhar a execução do projeto. A proposta do grupo foi
mesmo de um prédio diferenciado dos demais, identificando
a Biblioteca de Obras Raras como uma instituição central,
a exemplo de sua equivalente de Yale, cujo prédio se tornou
um marco da arquitetura moderna.
Na opinião do docente do IEL,
a Bora muda um paradigma de trabalho dentro da área de Humanidades.
“Até hoje, o que há na Unicamp – mas não exclusivamente nela
– é um bem desenvolvido Sistema de Bibliotecas, que regula
sobretudo a circulação de obras. Agora pretendemos ter um
Sistema Unificado de Pesquisa, que descreva tecnicamente cada
um dos itens dos acervos de obras raras, das coleções especiais
e os arquivos de documentação. É como se criássemos finalmente
uma Biblioteca de Pós-Graduação, como as existentes nos Estados
Unidos”.
Pécora observa que uma biblioteca
de obras raras é bastante diferenciada das tradicionais, estando
voltada para pesquisadores, especialistas e estudiosos experientes.
“Uma das implicações decisivas deste projeto será a integração
entre os livros e os arquivos documentais. Coleções como as
de Sérgio Buarque de Holanda e de Paulo Duarte têm também
uma documentação relacionada a elas, mas em sistemas operacionais
que não se comunicam. A Bora vai permitir que obras e papéis
sejam integrados inclusive fisicamente”.
O segundo ponto fundamental
estabelecido pelo grupo de trabalho, acrescenta Alcir Pécora,
é a ampla divulgação on-line deste acervo raro a partir de
um laboratório de digitalização profissional, que contará
com o apoio de pesquisadores da Unicamp para o desenvolvimento
de recursos de disseminação e uso de informações em formato
digital. “Falar em obras raras, coleções especiais, documentações
restritas pode dar a ideia de restrição de acesso ou de elitismo.
Mas, se é fato que existem muitas obras caríssimas e em estado
precário de conservação, que requerem manuseio delicado e
especializado, o propósito fundamental do projeto foi sempre
de fazer com que todo esse material seja digitalizado, paralelamente
à construção do prédio, para sua disponibilização on-line.
É um projeto também de democratização do acervo”.
Edgar
De Decca lembra, a respeito, que a USP está construindo uma
grande biblioteca para abrigar mais de 20 mil títulos doados
pelo bibliófilo José Mindlin e que deram início a um projeto
visando sua digitalização e disponibilização na rede. “A Biblioteca
Nacional francesa também oferece séries documentais enormes.
Outra ideia é viabilizar a qualificação de alguns pós-doutorados
através de estágio na própria biblioteca de Paris e em outras
como do Congresso dos EUA e de Yale, por meio de linhas de
financiamento da Fapesp ou do CNPq. Com isso, poderá ser formado
um grupo de especialistas para atender aos objetivos e metas
de uma biblioteca de pesquisa”.
O coordenador da Universidade
alimenta a expectativa de que a vitória no edital da Finep
permita a entrada da Unicamp em dois outros editais dirigidos
à conservação e preservação de acervos, do BNDES e da Petrobrás.
“A aprovação do projeto da Bora vai permitir que concorramos
a esses novos processos, que visam à aquisição de equipamentos,
sistemas de segurança e outros recursos técnicos”.
Aquisições e doações
Em relação à especificação
e ampliação do acervo, Alcir Pécora aponta a necessidade de
qualificá-lo adotando parâmetros internacionais e verificando
o valor das obras no mercado. “Esta qualificação implica na
entrada da Unicamp em um sistema de obras com grande valor
de mercado e significação cultural, abrindo-se para outro
jogo, que é o de leilões, doações e relação com museus. Nós
adquirimos, por exemplo, o arquivo do arquiteto Flávio de
Carvalho, mas existe muito material de importantes artistas
e escritores que se perde por que a família não tem condições
ou não sabe como preservá-lo”.
Pécora cita o caso triste
do artista plástico Helio Oiticica, cujo acervo foi consumido
por um incêndio em sua residência, e do caso pitoresco de
Selma Sarti, a catadora que encontrou no lixo fotos e documentos
da escritora e militante política Patrícia Galvão, a Pagu.
“É um desleixo intolerável, infelizmente comum no Brasil.
Com a Bora, podemos preparar melhor um setor inteiro para
identificação, recolha e compra de obras de interesse cultural.
A Universidade tem de estar nesta luta pela preservação cultural”.
Na verdade, o trabalho de
localizar e obter obras raras já teve início. De Decca e Pécora
ainda não revelam detalhes, mas está quase fechado o acordo
para uma doação de peso – “praticamente análoga à de Mindlin
para a USP” – e de grande interesse para a história do modernismo
paulista. Ainda para atrair conjuntos documentais conservados
por particulares, estão previstos programas de difusão e disseminação
do projeto da Bora. O primeiro deles será um fórum em 6 e
7 de outubro, para o qual estão sendo convidados os colecionadores
Pedro Correa do Lago, Jorge Caldeira e Ruy Souza e Silva,
entre outros especialistas.
Projeto arquitetônico
reúne
arrojo e sobriedade
O arquiteto Cláudio Mafra
Mosqueira, contratado para projetar o prédio da Bora,
é o mesmo que concebeu a Biblioteca Central Cesar Lattes,
sendo especializado em planejamento físico e projetos
de universidades e bibliotecas. “Tinha menos de um ano
de formado quando caiu no meu colo o projeto da Biblioteca
Central da UFMG. Sempre gostei de bibliotecas e esse foi
um grande desafio, até pela falta de experiência. Durante
quase quatro anos, coordenei um Projeto MEC/BID em que
fiz amplo levantamento da situação das bibliotecas universitárias
no Brasil. Fui adquirindo gosto”.
Foi por indicação do MEC
que a Unicamp convidou Mafra – já acumulando intensa atividade
na área – para pensar a BC. “A ideia era criar um espaço
que fosse referência e ponto de encontro da comunidade,
possibilitando uma vivência prazerosa numa época em que
biblioteca ainda era sinônimo de ‘depósito de livros’.
Ele deveria ser generoso e ter amplos pilotis, com transparência
visual e balanços que dessem leveza e elegância – tudo
isso era importante para evitar que uma edificação deste
porte e tão ‘esticada’ se transformasse em uma muralha
ou algo parecido”.
Agora, no processo de
concepção da Bora, Cláudio Mafra contou com a colaboração
dos filhos e sócios da empresa, Daniel e David. “O programa
sugeria um projeto mais arrojado e, ao mesmo tempo, sóbrio
o suficiente para não descaracterizar a imagem que se
tem de uma biblioteca de obras raras. Existia a preocupação
de evitar uma possível ‘briga’ com a BC e buscamos um
diálogo entre os dois edifícios. O nivelamento dos pilotis,
por exemplo, facilitou essa aproximação ao propiciar a
continuidade visual dos espaços ‘vazios’”.
Outra providência interessante,
na opinião do arquiteto, foi evitar uma aproximação descuidada
da Bora com a BC ao gerar a percepção de edifícios justapostos
voltados para a rua, como em geral ocorre na estrutura
urbana. “Não é uma situação desejável para dois edifícios
representativos e com personalidade própria. A solução
foi promover certa ‘desmaterialização’ da Bora, com a
criação de uma praça com pergolado de concreto no nível
do pilotis e a supressão parcial de volume nos dois pavimentos
superiores, evitando a obstrução visual da BC”.
Mafra afirma que o fato
de abrigar obras raras exigiu cuidados especiais com a
Bora: controle contra fogo e contato de insetos, fungos
e poeira; elementos de controle de umidade, calor e infiltração
de água; sistema de ar-condicionado que evite umidade
e formação de fungos; e luminárias com baixa emissão de
ultravioleta. “O edifício foi tratado como um arquivo
histórico. Os cuidados se estendem à concepção de uma
‘pele’ para a edificação, utilizando brises de proteção
solar mesmo onde não há janela, a fim de reduzir a transmissão
de calor e o impacto direto da chuva nas fachadas de alvenaria”.
Dizendo-se honrado e feliz
por ser lembrado para projetar este segundo prédio, Cláudio
Mafra já se considera participante da história da Universidade.
“Eu me lembro bem da capa do Jornal da Unicamp estampando
a manchete: “Muda o coração do campus”, ao lado da perspectiva
da BC que desenhei na época. Também me vejo no barracão
da obra, já de noite, todo suado e sem camisa, buscando
soluções e concebendo detalhes. São histórias que me identificam
profundamente com a instituição”.
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