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Inéditos sobre Carlos Gomes.
Para ouvir, aprender e praticar
Tese de trompetista resulta
em gravação,
bibliografia e edição de partituras
Pesquisa
concentrada no naipe de trompete e cornet existente nos prelúdios
e nas sinfonias das óperas do compositor campineiro Antônio
Carlos Gomes (1836-1896), realizada pelo trompetista Paulo
Adriano Ronqui, teve quatro resultados concretos – e inéditos.
O primeiro é uma bibliografia em língua portuguesa que aponta
a evolução na construção dos trompetes de válvulas na Europa.
O segundo, a reedição das partituras do naipe nas obras envolvidas
na pesquisa. O terceiro, a realização de um caderno de trechos
orquestrais com as partes mais relevantes dessas obras e,
por fim, a gravação desses trechos como referencial auditivo.
Ronqui, que é músico da Orquestra
Sinfônica Municipal de Campinas (OSMC), ressalta que seu trabalho
tem como meta suprir uma lacuna sobre os estudos a respeito
de Carlos Gomes. A primeira contribuição, segundo o trompetista,
é afirmar a importância do compositor dentro da história da
música mundial. Já a segunda, diz, é relativa à prática interpretativa
– área de atuação de Ronqui. “São pouquíssimas as teses que
envolvem o naipe de trompete e, também, a interpretação da
música brasileira. Trata-se de uma ferramenta de trabalho
para a prática e a performance no Brasil nessa área”, afirmou
o instrumentista. A pesquisa foi orientada pelo professor
Roberto César Pires, do Departamento de Música do Instituto
de Artes (IA) da Unicamp.
O interesse do músico sobre
esse trabalho teve início durante o desenvolvimento do mestrado,
que foi direcionado para obras de trompete solo de compositores
paulistas. Parte acompanhante da dissertação, um CD continha
um importante levantamento de obras de compositores paulistas
e sugestões interpretativas, tendo como elemento de análise
os conceitos da Escola de Trompete de Boston, que é a mais
difundida no Brasil. Concluído esse trabalho, Ronqui optou
por dar continuidade nesse segmento de práticas interpretativas,
que é um ramo da pesquisa musical no Brasil, só que com um
compositor de Campinas.
Atuante desde 1998 na Orquestra
Sinfônica Municipal de Campinas, o trompetista conhecia obviamente
a importância de Carlos Gomes para a cidade e também para
o Brasil, porém não tinha noção de quanto o compositor foi
importante para a música mundial. “Sempre quis pesquisar sobre
Carlos Gomes. Como trabalho em uma orquestra e sou músico
dentro do naipe de trompete, sempre nos chamou a atenção os
erros de edições que existem nas partituras do compositor,
além do descaso com a pesquisa, que é um problema recorrente
no Brasil”, disse Ronqui.
Logo após a Semana de Arte
Moderna de 1922, realizada em São Paulo, debateu-se a seguinte
questão: Carlos Gomes era um compositor brasileiro ou “italiano”?
Nas últimas duas décadas, porém, os estudos desenvolvidos
no Brasil dirimiram a “dúvida”. “A configuração de elementos
gomesianos mostraram-se importantíssimos tanto para o desenvolvimento
da música brasileira quanto para a lírica italiana”, afirma
o pesquisador.
O interesse do autor foi direcionado para um trabalho de performance
dentro da música de Carlos Gomes. Para a pesquisa do doutorado
foi necessário fazer um recorte e, para tanto, primeiramente
foram selecionadas as óperas. Após a verificação de que o
número de peças (oito) era muito grande, ele resolveu focar
suas aberturas, que são os prelúdios e sinfonias – nomes empregados
pelo compositor para essas obras.
Naipe
Trata-se de um trabalho que
constitui toda reedição das partituras do naipe de trompete
a partir dos manuscritos do compositor. Ronqui teve acesso
a uma cópia desses manuscritos publicada em tese de doutorado
defendida na Universidade de São Paulo (USP) pelo professor
Marcos Pupo Nogueira, realizou todas as edições dessas partituras,
selecionou os trechos mais importantes para o naipe de trompete
dessas aberturas e, na sequência, fez as sugestões interpretativas
baseadas nos conceitos da escola de trompete de Boston.
Nessa
trajetória, o autor descobriu elementos no âmbito da instrumentação
de Carlos Gomes que não se aplicavam nem no Brasil nem na
Itália, entre os quais o uso do cornet. A novidade pode ser
encontrada na primeira ópera escrita no Brasil, chamada A
Noite do Castelo, em 1861. Nas três óperas que a antecederam,
não há registro do uso desse instrumento por parte dos outros
compositores. Trata-se de uma característica diferenciada
e representa todo um contexto de evolução do instrumento.
No âmbito da tese, o trompetista faz um estudo da evolução
inteira dos instrumentos de válvula, a partir de 1815 até
agora. Quando, em 1840, começou-se a usar trompetes de chaves
com válvulas nas orquestras da Europa, em 1855 Carlos Gomes
e seu pai, Manoel José Gomes, já estavam usando esse instrumento
no Brasil.
Isso aponta para uma consonância
com o que havia de novidade além-mar. A professora Lenita
Nogueira, do Departamento de Música do IA, tem uma pesquisa
sobre o pai de Carlos Gomes, na qual descobriu que ele comercializava
instrumentos musicais em Campinas. “Talvez, por isso, a vinda
dessas novidades tenha possibilitado a escrita para esses
novos instrumentos. Manuel José Gomes foi o primeiro professor
de música e mestre de capela da cidade. Toda iniciação musical
de Carlos Gomes foi com seu pai. Existem novidades incríveis
dentro desse universo de instrumentação que jamais tinham
sido tocados”, disse o trompetista.
Uma das novidades apresentadas
por Carlos Gomes, já na Itália, foi o uso de dois trompetes
e dois cornets no naipe – prática proveniente da cultura francesa.
A Itália, naquela época, era muito fechada a qualquer influência
estrangeira. Com audácia e originalidade, Gomes empregou essa
formação de naipe na ópera O Guarani. Uma outra conotação
de naipe diferente e original é o uso de três trompetes. Historicamente,
na Itália, os trompetes eram usados em pares. Em Salvador
Rosa, que é a terceira ópera escrita por Carlos Gomes na Itália,
ele colocou três. “Tratava-se de um componente da cultura
alemã, e Vagner estava fazendo isso, não colocando a quebra
na sequência de pares e sim no naipe ímpar, com três instrumentos.
Depois desse uso em Salvador Rosa, conseguimos enxergar o
emprego desses instrumentos em óperas de compositores italianos
pós-Carlos Gomes, denominados Veristas, como Puccini”.
São várias as teses encontradas
na literatura em que se explora a contribuição de Carlos Gomes
para o Verismo. Há uma lacuna entre Verdi e os Veristas, que
é conhecida como Período de Transição. Nesse interregno, explica
o pesquisador, Carlos Gomes chegou à Itália colocando vários
outros elementos, entre os quais o naipe de trompete, que
ainda não foi devidamente pesquisado.
Erros
Muitos manuscritos de partituras
foram negociados pelo próprio Carlos Gomes e, na hora da edição,
os responsáveis tiveram pouca preocupação com a fidelidade
da partitura original. Ronqui apontou o fato de que o cornet
representava um papel muito importante ao longo do século
XIX, no entanto, no início do século XX houve um relativo
desuso desse instrumento. Ele perdeu o lugar para o trompete,
que tem um som mais incisivo e brilhante, além do que o uso
de surdinas possibilita novas modalidades de timbres. Com
isto, os editores e copistas substituíam o instrumento – ao
invés de dois cornets e dois trompetes, colocavam quatro trompetes.
“Isso acaba com toda a orquestração, que levou quase 70 anos
para se consolidar. Esse é um dos erros mais graves de edição”,
ressaltou o trompetista.
Sobre o caderno de trechos
orquestrais, Ronqui observou que os compositores de relevância
na história da música mundial associados a trechos mais importantes
para naipe ou instrumentos – caso seja solo –, são selecionados
por editores. “Isso é pedido em concursos. Quando fiz uma
busca para ver quantos excertos de Carlos Gomes existiam,
verifiquei que não havia nenhum. Ou seja, esse é o primeiro
caderno das aberturas. Ainda falta fazer o mesmo procedimento
com todas as óperas. Foram extraídos 38 trechos orquestrais
das aberturas. Ainda há muito trabalho a ser realizado”, concluiu.
Artigo
RONQUI, P. A.; PIRES, R. C. . O Naipe de Trompete na obra
de Carlos Gomes. ISME/GLOMIS Electronic Journal, v. 1, p.
52-53, 2009
Publicação
Tese de doutorado: “O naipe de trompetes e cornets nas sinfonias
e prelúdios das óperas de Carlos Gomes”
Autor: Paulo Adriano Ronqui
Orientador: Roberto César Pires
Unidade: Instituto de Artes (IA)
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