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Veterinária testa aceitação
de carne de suíno imunocastrado
Consumidores aprovam
em testes feitos
em supermercado aroma e sabor do produto
A
castração era o único recurso que permitia a eliminação do
odor sexual da carne suína de machos, considerado inaceitável
pelos consumidores. Mas, em nome do bem-estar animal, tal
prática passou a ser questionada, uma vez que a falta de anestesia,
no procedimento cirúrgico, poderia causar sofrimento aos leitões.
Foi por conta disso que há quatro anos passou a ser adotada
uma nova tecnologia, a imunocastração – vacina que, além de
eliminar o odor desagradável dos compostos androstenona e
escatol dos machos inteiros (não-castrados), pode melhorar
a produtividade no Brasil, o quarto maior exportador dessa
carne no mundo, após os Estados Unidos, a União Europeia (UE)
e a China.
Pesquisa de mestrado da veterinária
Carolina Lugnani Gomes – defendida na Faculdade de Engenharia
de Alimentos (FEA) e orientada pelo professor Pedro de Felício
e pelo pesquisador do Instituto de Tecnologia de Alimentos
(Ital) Expedito Tadeu Facco Silveira – abordou a qualidade
dos dois métodos para compreender se haveria interferência
no aroma, no sabor e na aceitação da carne. A preferência,
julgada por 135 provadores em um supermercado de Campinas,
deu ligeira vantagem à costela suína de animais que foram
imunocastrados (70) em relação aos que passaram por castração
cirúrgica (65). A diferença, porém, não foi significante.
“Ambas as carnes mostraram boa qualidade segundo os consumidores
e, em relação à intenção de compra, eles ficaram entre ‘provavelmente
comprariam’ e ‘certamente comprariam’”, expõe Carolina.
Responderam a um questionário
aqueles que aceitaram participar da pesquisa, após assinatura
de um termo de consentimento. Carolina explicou o que seria
analisado, com questões que abordaram a frequência do consumo
de carne suína, a faixa etária e o grau de escolaridade. O
preparo da carne foi efetuado no Laboratório de Carnes do
Departamento de Tecnologia de Alimentos (DTA). A costela suína
foi salgada superficialmente com 2% de sal refinado, envolvida
em papel celofane e assada no forno por cerca de uma hora,
até que atingisse a temperatura de 71º.
Após o cozimento, Carolina
envolveu a carne em papel alumínio, colocando-a em caixas
térmicas para mantê-la aquecida durante o transporte até o
supermercado. Lá cortou a carne em cubos, retirando o excesso
de gordura. Para o consumidor, fornecia-se uma porção de carne
de suíno castrado cirurgicamente e outra de imunocastrado.
O consumidor avaliou a carne usando uma ficha sensorial. Foram
observados o aroma, o sabor e a aceitação global, bem como
a intenção de compra: se o consumidor compraria esta carne
e qual amostra foi de sua preferência. Os resultados mostraram
que não houve diferença significativa entre as carnes analisadas.
No
laboratório também foram conduzidas análises sensoriais com
consumidores não treinados e com uma equipe de dez provadores
(capazes de detectar diferenças quase que imperceptíveis de
odor). Durante o treinamento, a veterinária lhes apresentou
os compostos puros de androstenona e escatol. “A Carolina
os treinou tão bem com várias concentrações que se notou uma
pequena diferença nesta análise, com as médias das notas ligeiramente
favoráveis para a carne de imunocastrados”, comenta Felício.
Castração cirúrgica
Há muito tempo o Brasil adota
a castração cirúrgica de rotina, que é procedida nos leitões
de três a cinco dias de vida. Neste tipo de castração é mais
fácil manejar o animal. Por outro lado, ela pode causar acúmulo
de gordura na carcaça em relação à carne magra, não atendendo
ainda aos quesitos de bem-estar animal. Soma-se a isso que
os machos castrados deste modo crescem mais lentamente, consomem
mais ração, têm maior índice de mortalidade e trazem menor
lucratividade à granja.
Segundo Carolina, poucas fêmeas
podem apresentar um odor característico na gordura, como consequência
de algum acúmulo de escatol, cuja absorção se dá pelo intestino,
mas a grande maioria elimina o composto via metabolismo hepático,
de tal modo que o problema de palatabilidade se restringe
aos machos não-castrados.
A castração de suínos é uma
prática necessária para controlar o seu odor. No país, esta
é uma medida obrigatória, em que os testículos são extraídos
sem a intermediação de anestesia. Decorrente deste procedimento,
para muitos inaceitável, a UE criou o Regulamento CE nº 889/2008,
visando banir este tipo de castração na produção orgânica
a partir de 2011. Na produção não-orgânica a UE espera que
a substituição de métodos ocorra gradualmente por razões econômicas
e de bem-estar animal.
Técnica
A imunocastração consiste
na aplicação de duas doses da vacina. O leitão de seis meses
recebe a primeira na oitava semana e a segunda quatro a cinco
semanas antes do abate. Isto fará com que o sistema imune
do animal crie anticorpos contra o GnRF (fator de liberação
das gonadotrofinas). Em consequência, não haverá liberação
do LH (hormônio luteinizante) e do FSH (hormônio folículo
estimulante), e a produção de androstenona pelos testículos.
Assim, não haverá acúmulo de androstenona no tecido adiposo
do suíno.
São feitas duas doses da vacina,
esclarece Carolina, em razão de a primeira servir apenas para
sensibilizar o sistema imune. A segunda visa promover a produção
de anticorpos contra o fator liberador de gonadotrofinas pelo
hipotálamo, agindo na hipófise e liberando dois hormônios:
LH e FSH, os responsáveis pela função dos testículos e pela
produção de esteroides como a testosterona e a androstenona,
este último ligado ao odor sexual.
Uma desvantagem da vacina,
relata Felício, está no custo por animal, em cada dose. O
preço hoje equivale a cerca de 30% de 1 kg de costela suína
comprada no supermercado. Mesmo assim, é difícil dimensionar
se este valor é elevado, porque as vantagens da vacina suplantam
esta barreira, opina. “O animal vacinado desenvolve-se melhor,
em alguns casos podendo ser abatido com cinco meses, e terá
um maior teor de proteína corporal e menor de lipídeos, ou
seja, uma carcaça menos gordurosa para atender o interesse
do mercado consumidor.”
Mas
o fato de ter mais ou menos gordura hoje é muito controverso
e, a despeito da demanda ser maior por carne mais magra, Felício
alerta para o risco que se corre de ter uma carne muito magra
e de não ser aceita. “É preciso ter um ponto de equilíbrio,
pois já se verifica menos aceitação do lombo suíno justamente
por ser magro demais.”
A castração, como a feita
num leitão de três dias, é muito fácil e rápida. Trata-se
de uma mão de obra braçal, uma vez que a pessoa que segura
o animal também é a mesma a realizar a incisão na bolsa escrotal,
para eliminar os testículos. Conforme Felício, o animal castrado
se torna mais dócil e se alimenta melhor. Contudo, há cerca
de 20 anos, muitos países foram deixando de lado essa prática
cirúrgica, como a Inglaterra, a Austrália e vários países
europeus. Sem essa medida, vez ou outra é detectada alguma
carne com odor sexual, ou odor de cachaço (que nomeia o macho
reprodutor). “Faz parte da estratégia desse animal para atrair
a fêmea. A reprodução, aliás, tem estreita relação com a emanação
ou exalação desses hormônios. São os feromônios”, diz.
A procriação dos porcos começa
a acontecer por volta de seis a oito meses, recorda Gomes.
No passado, no Brasil, os suinocultores eram obrigados a castrar
cirurgicamente por determinação governamental. Com a imunocastração
aprovada pelo Ministério da Agricultura, em 2006, a maioria
das empresas vem cumprindo o regulamento lançando mão da vacina.
Estigma
Havia no passado um forte
estigma de que a carne de porco não era saudável. Entretanto,
está claro para Felício que o consumidor brasileiro não tem
mais medo de consumi-la. Muitas vezes o que interfere na sua
preferência é o calor, pois o clima tropical favorece mais
o consumo de presunto, linguiça e salame, embora ele sinta
vontade de comer um pernil, uma feijoada e uma porção de lombo,
de vez em quando, mas em geral associado ao frio e ao inverno.
“A carne suína é a mais consumida
no mundo todo, devido à participação populacional majoritária
da China e da UE. Na Europa, consome-se muita carne suína,
mais que o frango e a carne bovina. No Brasil ocorre o inverso.
Consome-se mais carne de frango, seguida pelas carnes bovina
e, por último, suína”, compara o orientador. As maiores criações
de porcos no país estão localizadas na região Sul.
Felício é um incentivador
do consumo da carne suína porque, de acordo com ele, é um
importante alimento, sendo recomendável a ingestão de uma
porção de 134 g (uma xícara das de chá) de cubos dessa carne
cozida pelo menos uma vez por semana. Tal porção conterá 40
g de proteína, 13 g de gordura, minerais como ferro e zinco
e vitaminas do complexo B, com destaque para 1 grama de tiamina.
O trabalho de Carolina recomenda
a imunocastração e adverte quanto a alguns cuidados. Enquanto
fazia pesquisa, ela verificou que alguns suínos não apresentavam
uma regressão dos testículos, como deveria acontecer. A pesquisadora
acredita que caberá ao operário que lida com porcos acompanhá-los
após a segunda vacina, a fim de averiguar se eles estão tendo
essa regressão e se não apresentam comportamento agressivo.
Se eles prosseguirem com estes comportamentos, é aconselhável
fazer uma terceira dose, para que não tenha o acúmulo desses
compostos na gordura e para que esta carne não chegue ao consumidor.
O ideal é que os porcos agressivos
sejam separados dos demais, comenta Carolina. A proposta é
que duas semanas depois da segunda dose aconteça esta avaliação.
“A regressão às vezes não é acompanhada pelos responsáveis.
Quando um suíno escapa, isso vai se mostrar na etapa do frigorífico”,
afirma. Lá é fundamental, salienta Felício, que a inspeção
também separe estes animais com base no tamanho dos testículos,
cujo comprimento não deve exceder 11 cm. “Neste caso devem
ganhar outro destino: a industrialização, para serem transformados
em produtos cárneos.”
Publicação
Dissertação de mestrado: “Influência
da imunocastração de machos nas características sensoriais
de costela suína”
Autora: Carolina Lugnani Gomes
Orientadores: Pedro Eduardo de Felício e Expedito Tadeu Facco
Silveira
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)
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