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Fronteiras redesenhadas

Estudo aborda questão dos limites territoriais em municípios e Estados

Estudo conduzido pela geógrafa Telma Batalioti Galli abordou os novos usos do território brasileiro, destacando o redesenho das fronteiras internas no Estado de São Paulo. A pesquisa teve como base a cidade de Holambra (SP), que passou de organização cooperativa a município em 1991, preparando-se agora para expandir seus limites. De acordo com a autora, essa proposta expressa a complexidade de relações no território brasileiro com a presença nos lugares de vetores da economia global, neste caso condicionado pela especialização produtiva do lugar em flores e plantas ornamentais.

Segundo Galli, à luz do atual período desenvolve-se uma economia globalizada que vem sendo comumente confundida como “sem fronteiras”. Entretanto, os redesenhos fronteiriços, presentes em todo território nacional, põem em xeque a tese do fim dos limites ou de sua obsolescência. Ela fez ainda um levantamento da quantidade de municípios paulistas que têm como proposta a alteração fronteiriça e as implicações econômicas e políticas deste tipo de ação. “No total são mais de 100 municípios e distritos no estado de São Paulo que intentam isto. Em geral, tais cidades localizam-se em regiões de grande adensamento técnico e demográfico, sendo elementos que impõem redesenhos através da política municipal. Assim, onde há grande concentração de ‘modernizações’ e também de pessoas, maiores são as necessidades de regulação”, explicou.

Para a geógrafa, o objetivo de sua pesquisa é justamente entender e mostrar que as políticas públicas, mais recentemente, vêm priorizando os interesses econômicos em detrimento dos sociais. “Essa é a principal conclusão. Elas são cunhadas e fundamentadas muito mais em interesses hegemônicos e corporativos. Nesse sentido, tem-se um território sendo usado muito mais como recurso para o capital e para as empresas do que como abrigo, como um espaço de todos”, assegurou.

A escolha por Holambra foi feita levando-se em conta algumas razões. A primeira delas deve-se ao fato de o município pertencer à Região Metropolitana de Campinas (RMC) e, por isso, usufruir de uma infraestrutura condizente com as demandas das empresas, além da proximidade com o mercado consumidor. A segunda baseia-se no fato de que o município, criado recentemente, já apresenta uma nova proposta fronteiriça. E a terceira, pela geógrafa participar do grupo de pesquisa “Federação e Território: usos corporativos e alternativos do território brasileiro” juntamente com seu orientador, professor Marcio Antonio Cataia, do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp.

Pressão

Quando a comunidade holambrense ainda estava organizada sob a cooperativa, aconteceu uma pressão muito grande por parte dos dirigentes e sócios da mesma para que se criasse o município. Holambra é caso emblemático de como os interesses corporativos de uso do território são transferidos para o Estado. A proposta de criação surge com o objetivo de a cooperativa transferir para o poder público os gastos com os equipamentos de usos coletivos – educação, saúde, transporte e segurança –, pois isso gerava um ônus que era repassado para todos os associados. Também o novo redesenho fronteiriço proposto pelo poder público de Holambra acompanha os interesses de expansão econômica como processo dinâmico de participação e competição no mercado da globalização. Porém, quando essa proposta foi lançada, os municípios vizinhos foram contrários ao projeto. “Evidentemente, eles perderiam poder ao abrir mão de parte do território”, evidenciou.

Galli contou que foi feito um acordo, o qual estabelecia que a emancipação da cooperativa para município de Holambra ficasse condicionada à manutenção de seu território condizente à Fazenda Ribeirão, onde foi instalada a cooperativa. Então, o município acabou ficando com um território de apenas 65 quilômetros quadrados, área considerada pequena quando comparada à maioria das cidades brasileiras. Após a aprovação, no entanto, o município entrou com um pedido de revisão de fronteiras. “Em 2003 eles estruturaram o processo e encaminharam para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp)”, contou. Essa expansão pretendida aumentaria em mais de 50% o atual território, envolvendo partes das cidades de Artur Nogueira, Jaguariúna e Santo Antônio de Posse, comentou a geógrafa.

A criação de novos municípios e/ou a revisão de antigas fronteiras obedecem em geral duas razões: uma exterior ao lugar, proveniente tanto do mundo da política (do Estado) como do universo da economia (das empresas), e outra interior ao lugar, resultado das características próprias e identidades que movem a vida de relações locais. As articulações entre as duas principais razões produzem distintas combinações locais para as emancipações municipais e pedidos de revisões.

Tendo como principal atividade econômica a produção e a comercialização de flores, o interesse de Holambra em ampliar sua fronteira vai desde agregar mais população e empresas – e com isso ampliar a arrecadação de impostos – como também alcançar a rodovia SP-340, que liga Campinas a Mogi Mirim. A ampliação do território incorporaria algumas empresas, que hoje pertencem a outros municípios. As áreas próximas à rodovia são as mais valorizadas e de maior interesse para as empresas por causa do escoamento da produção e divulgação da marca. Galli disse ainda que existe um lobby do município nesse sentido. “Atualmente, Holambra não pode construir, por exemplo, um portal simbolizando o município nessa rodovia principal, que é de grande acesso. Há também todo um lobby de marketing para fins turísticos”, observou.

Em Holambra, as estratégias políticas vão ao encontro do uso econômico de seu território. Enquanto a proposta de anexação de áreas permanece arquivada na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, outras medidas políticas que visam atender aos interesses econômicos do município estão sendo estimuladas. Aproveitando-se da especialização produtiva em flores e plantas ornamentais e das tradições culturais dos imigrantes holandeses, o poder público municipal procura qualificar Holambra também como cidade turística e, assim, ampliar seu potencial competitivo.

A pesquisadora ressaltou que a administração pública da cidade foi muito relacionada e condicionada pelos interesses de grupos econômicos. “O município já surge como uma cooperativa e as pessoas que começaram a administrá-la ligaram-se à política, tornando-se prefeitos e vereadores. Portanto, a ligação entre poder público e setor econômico é muito forte. Consequentemente, os interesses econômicos acabam se sobrepondo aos interesses comuns da sociedade”, disse.

Como exemplo, a geógrafa cita que por vezes políticas públicas como o asfaltamento de ruas e as melhorias em estradas rurais estão condicionadas à localização de empresas e de propriedades rurais produtoras de flores. Também no município foi instituído um calendário de eventos técnicos voltados à floricultura, além da criação de um roteiro turístico rural para as propriedades produtoras de flores e um roteiro gastronômico voltado para a comida típica holandesa. “São muitas as políticas públicas orientadas pelos interesses econômicos”, garantiu.

Levantamento

O que a pesquisa constatou e, segundo Galli, causou bastante surpresa foi a quantidade de processos que circulam pela Alesp. Com a promulgação da Constituição de 1988 tornou-se mais frequente os municípios pedirem a sua emancipação política. São distritos e cidades que querem ampliar seu território. Contudo, foi identificado que esse fenômeno não ocorria apenas no Estado de São Paulo e, sim, em todo território nacional. “Por exemplo, no Brasil existem 14 propostas de criação de novos territórios federais e novos estados em trâmite no Congresso Nacional” disse. Isso sem mencionar a criação de novos municípios nos estados cujos processos tramitam em suas respectivas Assembléias Legislativas.

No Estado de São Paulo, os processos estão arquivados na Alesp. De acordo com Galli, em 1996 foi aprovada a Emenda Constitucional número 15, no intuito de frear a criação de novos municípios. No entanto, devido sua não-regulamentação, o Plano de Viabilidade Municipal ainda não tem definido o seu conteúdo e, tampouco, quem o definirá, se a União ou os estados. Com isso, alguns estados da Federação continuam criando municípios e outros tomaram como medida arquivar estes processos e, dentre eles, o de São Paulo, que recebe os processos mas não os julga, pois aguarda a definição dos critérios para a efetivação da Emenda Constitucional.

Questionada sobre quais os motivos que levam os municípios a pedirem a revisão territorial, Galli explicou que de um lado se tem o dado das transformações do atual período, muito mais intensas e rápidas, sobretudo pelo incremento informacional que possibilita a aceleração de fluxos fornecendo à globalização econômica ampla agilidade e que corroboram em novos usos do território.

De outro lado, se tem o dado constitucional, ou seja, com a Constituição de 1988 os municípios foram elevados a entes federados, permitindo-lhes legislar com certa autonomia financeira e a promover projetos de desenvolvimento, acentuando a competição territorial por meio de isenção fiscal e territorial. “E por uma política fundamentada no planejamento estratégico que, em muitos casos, exige romper as fronteiras, seja redesenhando-as, seja criando novas compartimentações”, acrescentou.

A pesquisa, segundo a autora, dá as ferramentas para entender como é a dinâmica do território e como ele vem sendo usado e pensado pelas políticas públicas. Não existe o certo ou o errado quando se trata de redesenho das fronteiras internas, diz Galli. O que deve ser avaliado são os interesses que acompanham tais motivações, porque muitas vezes esse novo desenho das fronteiras é meramente condicionado para o capital. “Na região Centro-Oeste, por exemplo, existem municípios que foram criados a partir da década de 1980 com o intuito de responder às demandas do agronegócio. São necessários aportes infraestruturais como as rodovias, que só podem ser oferecidas pelo poder público. Os interesses são múltiplos. A dinâmica de compartimentação do território expressa o caráter seletivo das ações políticas e econômicas brasileiras que exacerbam as decisões de mercado, quando de fato as políticas de governo deveriam contemplar o território como abrigo, como espaço de todos”, concluiu a geógrafa.

Publicação

Tese de doutorado: “Uso do território e fronteiras internas: o caso da proposta de redesenho fronteiriço do município de Holambra-SP”
Autora: Telma Batalioti Galli
Orientador: Marcio Antonio Cataia
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Fonte de financiamento: Fapesp

 

 



 
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