“Não digo que seremos os maiores produtores mundiais de etanol, mas estaremos entre os maiores. Ser o maior ou não é uma questão mais futebolística que técnica”, afirma o professor Carlos Eduardo Vaz Rossell, pesquisador do Nipe que integra o grupo do Projeto Etanol, coordenado pelo professor e físico Rogério Cerqueira Leite.
Estima-se que em 2025 a demanda mundial de gasolina para veículos leves será de 1,7 trilhão de litros por ano, um crescimento de 48% em relação aos 1,15 trilhão de litros em 2005. Para substituir 10% desta demanda, o Brasil terá de produzir 205 bilhões de litros/ano de etanol, viabilizando tecnologias que elevem a produtividade e expandindo a área de cultivo da cana-de-açúcar para 85 milhões de hectares.
O Estado de São Paulo, nosso melhor parâmetro, possui uma área plantada de 3 milhões de hectares, fazendo com que o etanol responda por uma parcela de aproximadamente US$ 10 bilhões do PIB brasileiro; no cenário futuro, este acréscimo no PIB saltaria para algo entre US$ 250 bilhões e US$ 300 bilhões.
Alcançar esses números grandiosos, no entanto, vai depender muito da vontade política do governo, de planejamento por parte do setor sucroalcooleiro e da ciência. O professor Carlos Rossell, engenheiro químico, é considerado o principal especialista do país em tecnologia de hidrólise ácida para produção de etanol. Ele foi professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp até 1978, quando foi trabalhar no setor privado.
Aposentado, voltou para colaborar no Nipe e, mais recentemente, como pesquisador colaborador honorário da Faculdade de Engenharia Química (FEQ). “Um dos principais objetivos do Projeto Etanol é viabilizar o aproveitamento também do bagaço e da palha da cana para obtenção do combustível, além de otimizar seu aproveitamento (ainda insipiente) na geração de energia elétrica ou a vapor”, explica.
O bagaço e a palha. Quem imaginar que se trata de uma questão menor dentro das metas traçadas para alçar o país ao pódio da produção de etanol, vai perceber o engano no decorrer desta matéria. Uma única usina com uma produção de 1 milhão de litros/dia de etanol, tendo acoplada a tecnologia para hidrólise do bagaço da cana, obterá mais 150.000 litros/dia em 2015 e mais 400.000 litros/dia em 2025. Um aumento de 40% na produção de etanol, sem a necessidade de um hectare a mais de área plantada.
“O processo de hidrólise para gerar etanol e utilizar material lignucelulósico [à base dos vegetais] visando à produção de energia é uma tecnologia perseguida por cientistas do mundo todo, e obviamente do Brasil”, informa Rossell. Enquanto aqui o bagaço e a palha da cana são o objeto das pesquisas, os Estados Unidos e a Europa buscam energia na palha do trigo e nos resíduos da colheita do milho. “A hidrólise é um problema complexo. Se fosse simples, os países desenvolvidos, com tudo o que já investiram em recursos e em pessoal, já teriam resolvido o problema”.
Carlos Rossell, apesar de tudo, endossa a expectativa anunciada no relatório do Nipe de que o Brasil estará dominando esta tecnologia a partir de 2009. “Sou um otimista. Já temos uma tradição em biologia, com vários institutos reconhecidos em bioquímica e em biotecnologia. Nos últimos anos conseguimos nos capacitar na ciência e tecnologia biomolecular. O Brasil tem grandes possibilidades de se organizar e recuperar o atraso mesmo em relação a países como os Estados Unidos, que iniciaram os estudos há 20 anos e contam com uma quantidade de dinheiro que nunca poderíamos dispor”.
Complexidade O professor procura oferecer ao leigo uma idéia da dificuldade encontrada pelos pesquisadores. Explica que a matéria lignucelulósica é basicamente composta por celulose (um polímero dos açúcares, com seis carbonos), por hemicelulose (outro polímero, mais complexo, com açúcares de cinco carbonos) e por lignina, material estrutural da planta que pode ser fonte de outras matérias químicas ou de combustíveis. A celulose e a hemicelulose podem ser transformadas em açúcares de cuja fermentação se obtém o álcool.
“Acontece que a natureza nos impôs um grande desafio, fazendo com que os materiais ligniosos como do bagaço da cana sejam muito resistentes aos ataques de agentes físicos e biológicos. É uma estrutura muito difícil de ser quebrada”, afirma Rossell. O que se tenta, primeiramente, é promover um abrandamento da estrutura da matéria-prima através de processos físico-químicos, tornando-a mais acessível ao passo seguinte: a adição nos resíduos de ácido sulfúrico (hidrólise ácida) ou de enzimas (hidrólise enzimática) para quebrar os polímeros da celulose e da hemicelulose, transformando-os em açúcares fermentáveis.
Dois caminhos “O ataque com ácidos vem sendo experimentado há anos inclusive em escala industrial. Mas a transformação se dá muito rapidamente e, devido às condições agressivas, parte dos açúcares é destruída”, informa Carlos Rossel, que tem larga experiência também no setor privado e atua como consultor do projeto sobre hidrólise ácida do Grupo Dedini, fornecedor de equipamentos para a indústria sucroalcooleira.
Esta empresa paulista, que almeja resultados a curto prazo, está dando seqüência ao projeto com o apoio da Fapesp. “O que se procura é reformular o processo com ácido, realizando a reação num meio etanol-água, a fim de resolver os problemas de baixa eficiência e também do custo que ainda é alto”, acrescenta.
Em relação à hidrólise enzimática, Rossell lembra que as enzimas já estão presentes na própria natureza: “Se você deixar uma roupa de algodão em ambiente muito úmido, ela logo vai mofar por causa da ação de microorganismos que têm um sistema de enzimas chamadas de celulases”.
As celulases, segundo o professor, é que permitem quebrar a celulose em açúcares simples, que servem como fonte de carbono e energia para os microorganismos. “Ocorre que em escala industrial a enzima precisa promover a transformação em açúcares muito mais rapidamente. Também precisa permanecer por longo tempo estável e não devem ser inibidas pelos agentes formados com sua própria atividade. Grande parte da nossa pesquisa está centrada na produção de enzimas mais eficientes”, esclarece.
Na opinião de Carlos Rossell, tanto a hidrólise ácida como a hidrólise enzimática são caminhos interessantes para o Brasil, podendo inclusive se tornar complementares, com uma combinação das duas tecnologias no futuro. Inviável, adverte o professor, é importar possíveis processos desenvolvidos no Exterior, onde os resíduos são diferentes, e tentar aplicá-los no Brasil, onde a matéria-prima específica é o bagaço da cana. “É uma falácia defender que fiquemos parados, esperando que o exército de pesquisadores dos países desenvolvidos resolva o problema, para depois comprarmos sua tecnologia”.