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Crianças descobrem nuances
da ‘música’ que vem das ruas

CARMO GALLO NETTO

De acordo com a pesquisadora Fátima Carneiro dos Santos, a criança, ao sair para escutar e gravar a "música das ruas" descobre mais que um ambiente sonoro poluído (Foto: Neldo Cantanti)A gravação, a escuta e a utilização de sons da rua visando à ampliação das idéias de música, num exercício que envolveu dez crianças na faixa etária de 8 a 11 anos, é a proposta apresentada por Fátima Carneiro dos Santos em tese de doutorado no Instituto de Artes (IA) da Unicamp. A autora, que é docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL), contou com a orientação da professora Denise Hortência Lopes Garcia. A pesquisa possui duas partes desenvolvidas paralelamente: um estudo teórico crítico-conceitual e as atividades diversas de escuta e criação sonora com o grupo de crianças.

Escuta se transforma em ato de 'encantamento'

“A proposta vai além da busca de uma consciência, de uma reorganização ou readequação da paisagem sonora urbana. Trata-se de um exercício para perceber o ambiente sonoro, e não apenas os sons no sentido funcional”, afirma Fátima dos Santos. Ela observa que a criança, ao sair para escutar e gravar a “música das ruas”, e depois selecionar, recortar e manipular os sons no computador, descobre mais do que um ambiente sonoro poluído. “A criança vive a experiência de outras escutas, atualizando idéias de música e questionando a própria noção de música”.

A chamada composição de paisagem sonora (soundscape composition), segundo a pesquisadora, coloca o ouvinte-compositor em relação íntima com o ambiente sonoro e sugere uma atividade composicional que opera basicamente através da escuta, respeitando a dinâmica sonora do material. Para ela, a rua, pensada como um espaço que não emana apenas buzinas, apitos e gritos, possibilita fazer da escuta um jogo para distinguir, realçar e inventar objetos sonoros no limite entre o audível e o inaudível – ou além do audível.

O exercício proposto às crianças teve o objetivo de provocar, inicialmente, uma “despoluição” da escuta de clichês sonoros, levando-as à denominada “escuta nômade”. “Procuramos abrir uma brecha para a escuta como um ‘ato de encantamento’, antes de se tornar uma escuta cognitiva e crítica – aquela pautada pela razão, pelo julgamento e pela interpretação. O exercício foi orientado por uma indisciplina fundamental, questionando a hierarquia e contrariando a formação de uma ‘escuta do hábito’”, informa Fátima dos Santos.

A pesquisadora explica que a “escuta do hábito” é estratificada, caracterizando estrategicamente os sons, enquanto a “escuta nômade” se deixa arrastar por um “fluxo turbilhonar”, engajando-se na variação contínua ao invés de extrair constantes. “Não se propõe ouvir a música dos sons de rua nem como de rua, nem como música no sentido tradicional, mas como forças sonoras que se cruzam, entrecruzam e se dissipam”, acrescenta.

Segundo Fátima dos Santos, as crianças podem trilhar assim o seu próprio caminho de escuta, ao tempo em que ouvem, captam e manipulam o material sonoro em estúdio. “Verificamos quais idéias de música se revelavam no decorrer das atividades. Desde o início, as crianças se envolveram em embates sobre paisagem sonora e soundscape composition, questionando se aquilo que escutavam nas ruas era música ou poderia tornar-se música”. (C.G.N.)


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