Os docentes e pesquisadores da Unicamp vêm ocupando cargos em todas as esferas do poder público
A formulação de políticas públicas é uma das marcas consolidadas ao longo da história da Unicamp. As intervenções – e avaliações – concebidas na Universidade estão presentes em diferentes instâncias. Docentes e pesquisadores ocupam cargos em todas as esferas do poder público. Para ficar num exemplo recente, José Serra e Aloyzio Mercadante, os dois favoritos na corrida ao Palácio dos Bandeirantes, são docentes do Instituto de Economia. A própria gênese da unidade, nascida em 1968 com o nome de Depes (Departamento de Planejamento Econômico e Social), explica em parte o início dessa inserção da Unicamp na vida nacional. As abordagens multidisciplinares naquele que seria o embrião de outros institutos irradiaram-se para as demais unidades e se transformaram numa das características mais marcantes da Unicamp. Entre projetos, iniciativas e instituições que nasceram ou contaram com a participação da Unicamp, destacam-se o Plano Cruzado, o Sistema Único de Saúde (SUS), a Lei de Inovação e o Fome Zero.
“A Unicamp jamais se apequenou. Sempre se manteve aberta para as questões locais, nacionais e internacionais. Foi justamente esse compromisso com as questões mais amplas é que abriu a possibilidade de não apenas oferecer uma enorme capacidade de pesquisa e investigação da realidade, como também de exercer seu papel de protagonista na condução de projetos”, afirma Marcio Pochmann, ex-secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo e docente do Instituto de Economia, por onde passaram, entre outros nomes, João Manuel Cardoso de Mello, Luiz Gonzaga Belluzzo, Paulo Renato Costa Souza, Wilson Cano, José Graziano da Silva, Antonio Kandir, Maria da Conceição Tavares e Ricardo Carneiro, todos identificados com a formulação de políticas públicas ou com o debate de idéias.
O professor Carlos Américo Pacheco, também do IE, destaca o papel ocupado pela Unicamp, depois da redemocratização, no âmbito da política científica, lembrando que já na criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), em 1985, o cargo de secretário executivo foi ocupado pelo economista Luciano Coutinho, também docente do instituto. Um dos autores da Lei de Inovação, aprovada em 2004, e também ex-secretário executivo do MCT [1999-2002], Pacheco lembra que vários docentes da Universidade ocupam postos importantes em órgãos e agências de fomento, entre os quais Finep, CNPq e Fapesp. No caso da agência paulista, o penúltimo presidente e o atual, respectivamente o físico Carlos Henrique de Brito Cruz e o lingüista Carlos Vogt, são ex-reitores da Unicamp. Brito Cruz ocupa atualmente o cargo de diretor científico da Fapesp.
Na opinião de Pacheco, a inserção da Universidade no sistema de C&T deve-se à capacidade do conjunto de docentes e pesquisadores da Unicamp de ter uma visão mais ampla do que seja o sistema de inovação como um todo, formulando políticas públicas de uma forma mais equilibrada. “Essa análise passa pela teoria econômica, pela avaliação da política industrial e pela visão de conjunto. Esses fatores, entre outros, fazem entender qual a relação existente entre os diversos atores que atuam no sistema de CT&I”, afirma o docente, destacando o papel do Instituto de Economia e do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Instituto de Geociências (IG) na formação de mestres e doutores que atuam na área.
Essa visão integrada é uma das marcas do Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp (NEPP), unidade que desde 1982 atua na formulação e na análise de programas em todos os níveis de governo. Pioneiro no país, o NEPP nasceu sob o signo da multidisciplinaridade, numa época em que as abordagens sistêmicas eram novidade no país. “Havia uma forte tradição nos Estados Unidos, mas no Brasil as discussões ainda eram incipientes”, afirma o coordenador do núcleo, Pedro Luiz Barros e Silva, docente do Instituto de Economia. Silva participou, juntamente com a professora Sonia Draibe, fundadora do Nepp, de uma comissão que, entre 1985 e 1988, desenhou um modelo de previdência social mais avançado, cujas diretrizes seriam incorporadas pela Constituição de 1988.
O coordenador lembra o papel pioneiro do núcleo e da pesquisadora Sonia Draibe na primeira avaliação da situação social do país. O diagnóstico, publicado em livro entre 1985 e 89 com o título de “Relatório sobre a situação social do país”, introduz o conceito analítico que leva em conta inúmeras variantes numa época em que isso era inédito. “O NEPP surgiu como um lócus institucional onde foi introduzida a idéia de que as políticas públicas são um campo de intervenção importante, tanto influenciando diretamente em diferentes níveis de governo, como na produção e difusão de idéias”.
Nesse âmbito, diz Silva, o núcleo privilegia o tratamento integrado de método teórico e de análise da estrutura social para além da avaliação setorial, balizando as ações dos gestores. Paralelamente, são desenvolvidos projetos de pesquisa que, em última análise, servem de ferramenta para processos decisórios e monitoramento de programas. Ressaltando que a interação ensino-pesquisa é fundamental no escopo das atividades do núcleo, o coordenador pondera que esse perfil favorece o aperfeiçoamento dos cursos de graduação e pós-graduação. “De um lado, o NEPP é um centro de pesquisa aplicada; na outra ponta, um núcleo que desenvolve metodologias de avaliações. Temos a preocupação de fazer com que nossas pesquisas influenciem nossas atividades relacionadas ao ensino”, afirma o coordenador, lembrando que o trabalho integrado resulta em teses e dissertações na área de políticas públicas. “Assim, colaboramos para o desenvolvimento científico e interagimos com a comunidade”.
Saúde
Essa relação com a comunidade, mencionada pelo coordenador do NEPP, está na origem da Universidade. Um exemplo foram as ações desenvolvidas por docentes e pesquisadores do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), ainda no início dos anos 70, no bairro Jardim dos Oliveiras, em Campinas, e no Centro de Saúde de Paulínia. Liderados pelo sanitarista Sérgio Arouca, os profissionais implementaram trabalhos que seriam mais tarde as bases do Sistema Único de Saúde (SUS), implantado em 1988.
“Eles já davam, naquela época, um tipo de atenção às comunidades da periferia que era mais avançado do que a de muitos países ditos civilizados. Consistia no desenvolvimento de técnicas interdisciplinares e de postura de conhecimentos profissionais por intermédio dos quais eram localizados os riscos de as pessoas adoecerem, além da introdução do diagnóstico precoce”, testemunha o médico sanitarista Nelson Rodrigues dos Santos, professor aposentado da FCM. “Era a construção do que se chama hoje de base da pirâmide do sistema de saúde. Foi o primeiro grande filtro de como encarar as doenças, prevenindo-as ou curando-as precocemente”.
Santos, que ocupou cargos no primeiro escalão, sucedeu a Sérgio Arouca em 1978, dando continuidade ao trabalho, à época denominado atenção primária à saúde. “Os tempos eram ásperos. Qualquer iniciativa voltada para a comunidade era reprimida pelos militares. Além de Arouca e de outros profissionais, cabe ressaltar o papel de Zeferino Vaz [fundador e reitor] e de José Aristodemo Pinotti [diretor da FCM]. Ambos deram respaldo a esse papel inovador. Pinotti, inclusive, teve sensibilidade para antever que ali estava sendo esboçando o futuro do sistema de saúde do país”. Arouca foi demitido e Santos reergueu o centro de saúde de Paulínia, que ficou praticamente abandonado durante dois anos. Para a tarefa, recrutou os melhores residentes da Unicamp e contratou sanitaristas de outras cidades, entre os quais um jovem que, vindo de Minas Gerais, ocuparia depois o seu lugar: Gastão Wagner de Souza Campos.
Mais tarde, como secretário municipal na primeira gestão do prefeito José Roberto Magalhães Teixeira [1983-1987], Nelson Rodrigues dos Santos implantou centros de saúde no lugar dos antigos postos e projetos pioneiros que logo se tornariam modelares, a partir da articulação com hospitais e instituições de Campinas e de outros municípios. Um desses projetos, o Pró-Assistência, tinha diretrizes que passariam a ser adotadas pelo SUS.
O sanitarista Gastão Wagner, hoje chefe do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas, credita à própria história da Unicamp, composta de diferentes vertentes, o fato de a Universidade ter uma forte inserção nas políticas públicas formuladas em todo o país. “Tenho a impressão de que essa contribuição é maior aqui do que na maioria das universidades brasileiras”. Ex-secretário executivo do Ministério da Saúde e secretário municipal por duas vezes, Gastão vem atuando na organização de serviços de saúde e no controle de epidemias, entre outras frentes de trabalho, além de desenvolver pesquisas na área. Seus programas são implantados em diversos municípios espalhados pelo país. “Gastão não só assumiu o meu lugar, como avançou”, orgulha-se Nelson Rodrigues dos Santos. “E isso é muito bonito”.