A via de mão dupla
com a sociedade
As atividades de extensão universitária formam um vértice novo surgido em meados dos anos 80 nas instituições brasileiras, historicamente envolvidas com as grandes áreas de ensino e pesquisa, como todas no mundo. O movimento em defesa do papel social da universidade pública ocorre paralelamente à luta pela redemocratização do país. Foi em 1987 que se criou o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão. “Tratava-se de uma resposta à crítica velada de que as universidades de boa qualidade estavam voltadas para a formação de jovens de elite e que a investigação científica sempre foi feita para servir ao capital”, lembra o professor Mohamed Habib, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários (PREAC) da Unicamp.
Instituição com ênfase na formação de recursos humanos, na pesquisa e na aplicação científica e tecnológica de seus resultados, a Unicamp tem levado esse conhecimento de ponta à sociedade por meio de parcerias, prestação de serviços e consultorias. É um conhecimento que serve tanto ao setor produtivo como à elaboração de políticas públicas em áreas importantes como a saúde e a educação. “O Brasil possui universidades que são fortes na formação profissional, outras no campo social, artístico ou mesmo de patrimônio histórico. A Unicamp apresenta excelência em tudo, o que dá cor às suas atividades de extensão e a torna sempre procurada por empresas privadas, estatais ou por governos dos três níveis”, observa Habib.
Os cursos de qualificação de profissionais que já estão no mercado ainda constituem um conjunto forte dentro das atividades de extensão nas faculdades e institutos. Nos últimos anos, a Unicamp, vem investindo cada vez mais nas atividades de extensão comunitária, objetivando interagir com setores da sociedade que não têm acesso fácil à universidade. Entre as ações no âmbito da PREAC estão, por exemplo, o apoio a comunidades quilombolas do Estado de São Paulo, a Incubadora de Cooperativas Tecnológicas Populares, Alfabetização Solidária, SOS Mulher e o Centro Cultural de Inclusão e Integração Social da Unicamp (Estação Guanabara). São ainda inúmeros os projetos que professores e alunos executam na zona rural e periferias das cidades da região.
Área hospitalar
O exemplo mais visível dessa interação com a sociedade é a área hospitalar, referência no sistema público de saúde, cobrindo uma região com 90 municípios e mais de 5 milhões de habitantes. O complexo no campus de Campinas é formado pelo Hospital das Clínicas (HC), o Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), o Gastrocentro, o Hemocentro, o Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Gabriel Porto e o Centro de Investigação em Pediatria (Ciped). A Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) presta um serviço essencial à população daquela região, e o Hospital Estadual Sumaré, gerido pela Unicamp, recebeu este ano uma distinção que o coloca entre os três melhores hospitais públicos do país.
Em 2005, o Hospital das Clínicas realizou 14 mil internações, 350 mil consultas médicas, 14 mil intervenções cirúrgicas, quase 2 milhões de exames laboratoriais, 126 mil radiologias, 10 mil exames de medicina nuclear e 243 transplantes (medula óssea, rim, fígado, córnea e cardíaco). O Caism, que presta atendimento altamente especializado a mulheres com câncer e gravidez de risco, registrou no ano passado 4 mil cirurgias, 2.700 partos, 81 mil consultas ambulatoriais, 28 mil ecografias, 363 mil exames laboratoriais, quase 17 mil quimioterapias, 46 mil radiologias, quase 5.700 mamografias, mais de 13 mil radiologias e prestou perto de 30 mil serviços de apoio e fisioterapia. O Hospital Estadual Sumaré, de assistência prioritariamente secundária e que serve como campo de atividades de ensino, totalizou 62 mil consultas ambulatoriais em 2005, mais de 4 mil cirurgias eletivas e de urgências, e outras 3 mil cirurgias ambulatoriais.
Áreas de atuação
A Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários atua basicamente nas áreas cultural, social, tecnológica e educacional. Sua estrutura compreende a Administração, a Escola de Extensão, o Conselho de Extensão, o Centro de Desenvolvimento Cultural (CDC), a Rádio e TV Unicamp, o Espaço Cultural Casa do Lago, o Centro Cultural de Inclusão e Integração Social (Estação Guanabara) e a Coordenadoria de Assuntos Comunitários. A Escola de Extensão, graças a uma melhoria do atendimento ao público externo e interno e maior facilitação de acesso aos seus serviços, ofereceu no ano passado quase 1.200 cursos e disciplinas para mais de 11 mil alunos.
No campo das artes e da comunicação, a Coordenadoria de Desenvolvimento Cultural elabora políticas de desenvolvimento cultural na área de extensão e promove e difunde projetos dentro e fora da Universidade. A Radio e TV Unicamp oferece uma programação sobre as atividades acadêmicas de ensino e pesquisa, e de prestação de serviços à comunidade. Na Casa do Lago, fomenta-se um diálogo artístico e cultural com comunidade acadêmica e diversos segmentos da sociedade, visando a construção de instrumentos pedagógicos e educativos fundamentais para a formação dos estudantes. Aquele espaço é reservado ao debate sobre produções nas suas variadas formas de linguagem, com salas de cinema, multiuso e de exposições, além de café e revistaria.
Quadro de exclusão
O pró-reitor Mohamed Habib afirma que o acentuado quadro de exclusão social e de enfraquecimento das políticas públicas, vem motivando professores, alunos e funcionários da Unicamp, sensíveis a essas questões, a se interessarem cada vez mais por trabalhar na extensão universitária, ou extensão comunitária terminologia preferida no Fórum Nacional de Pró-Reitores. “A exclusão aumenta justamente a partir do fim das ditaduras militares no mundo e contra as quais os acadêmicos tanto lutaram. Creio que cometemos o equívoco de acreditar que a queda desses regimes, em especial no Brasil, era o bastante, sem apresentarmos um projeto alternativo para a sociedade”, admite.
Nas duas últimas décadas, lembra Habib, passou-se a seguir um modelo econômico único, sem a consideração das particularidades regionais do mapa mundi, com as privatizações e a abertura de mercado, diminuindo-se a presença do Estado nas políticas públicas. “Os programas sociais como os de educação, habitação, emprego e saneamento foram praticamente abandonados. Ficaria feliz se as atividades de extensão comunitária pela universidade não fossem mais necessárias, mas o quadro de exclusão no mundo contemporâneo tende a se acentuar”, lamenta. O pró-reitor ressalva, contudo, que a extensão universitária não é uma estrada de mão única, que apenas leva o conhecimento da academia para a sociedade. “Na verdade, ocorre uma troca, pois também aprendemos com a população. Nós não criamos ou inventamos da natureza e das interações que nela ocorrem; apenas identificamos e descrevemos. Por isso, o conhecimento popular e as informações presentes nas comuniddes nativas são fundamentais na construção da ciência e da tecnologia, e nunca devem ser ignorados”.