ISABEL
GARDENAL
Fazer
a granulação de materiais como a celulose microcristalina
permite hoje aumentar em laboratório o tamanho das suas
partículas. A celulose, que é um polímero, revela-se interessante
para a indústria farmacêutica, pois serve como matéria-prima
para a confecção de comprimidos e, para a indústria alimentícia,
a fim de reduzir o teor calórico dos alimentos. Ao estudar
o assunto em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade
de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, o químico industrial
Roberto Luís Gomes da Cunha fez alguns achados. Tendo começado
a trabalhar com a celulose no seu mestrado, observou a formação
de vários aglomerados, em geral desprezados nas indústrias,
mas que no seu doutorado ganharam destaque. O próximo passo
foi aglomerar o material em patamares cada vez mais desejáveis
empregando pioneiramente o equipamento de leito fluidizado
para a granulação. O resultado foi certeiro. “Conseguimos
fazer a granulação no leito e, para isso, empregamos uma
solução a 35% de maltodextrina, que foi adicionado como
ligante”, revela Cunha. “Descobrimos uma nova aplicação.”
O químico industrial, que
nesta pesquisa foi orientado pela professora da FEQ Sandra
Cristina dos Santos Rocha, conta que testou várias alternativas
para granular o material em leito fluidizado. Primeiramente
testou uma solução contendo 1% de amido. Em seguida, aumentou
a concentração para 5%. Em nenhum dos casos foi obtido o
resultado esperado: a formação dos grânulos. Em uma nova
etapa, foi testada uma solução contendo 5% de carboximetilcelulose.
Essa solução apresentou uma alta viscosidade, porém novamente
não produziu os grânulos. Com base na literatura, foi realizada
uma outra tentativa ainda, desta vez empregando uma solução
com maltodextrina testada com 35% em massa, por meio da
qual então o experimento foi bem-sucedido.
Posteriormente, diante da
dificuldade encontrada para confeccionar pastilhas, a partir
do material granulado no leito, o pesquisador buscou até
recursos em materiais de uso cotidiano, como a adaptação
de uma peça usada pelas costureiras para forrar botões,
que serviu de base para a compactação dos grânulos e
para a formação dessas pastilhas.
O especialista não poupou esforços para melhorar o aspecto,
o manuseio, a compactação e o transporte do produto, conseguindo
chegar finalmente à granulação no leito fluidizado. Esta
foi a novidade, relata Cunha, pois esses leitos são em
geral usados na indústria para os processos de secagem
– do cloreto de sódio e carbonato de sódio –, tratamento
de resíduos industriais, queima de enxofre na produção
de ácido sulfúrico, queima de biomassa e carvão mineral,
e gaseificação de carvão.
Normalmente, leito fluidizado
refere-se a um leito de sólidos finamente divididos através
dos quais passa ou um gás ou um líquido. A formação do leito
fluidizado acontece quando um fluxo adequado de gás inicia
o percurso por entre um leito de partículas, acarretando
a fluidização. Primeiro, bolhas deste gás passam por entre
o leito de material, criando uma turbulência.
Esses
leitos, conta Cunha, possuem aparência similar à de um
líquido em fervura vigorosa. O fenômeno coloca as partículas
em contato mútuo, assegurando uma mistura completa. Com
isso, fornece condições uniformes que proporcionam altas
taxas de transferência de calor e massa.
Processo
Depois de pôr em execução, por repetidas vezes, esse minucioso
processo, o pesquisador ainda perseguia a viabilidade da
granulação ao mesmo tempo que procurava diminuir o tempo
de processamento e tratar as partículas finas. Cunha recorda
que o processo de granulação surgiu por volta da década
de 50. À época, ele foi iniciado com areia em granuladores
cilíndricos. Desde então, outros equipamentos foram utilizados
como granuladores: os tambores rotatórios, os esferonizadores
e as extrusoras, etc.
Com a aplicação no leito fluidizado, objeto
desta investigação, tem sido possível reduzir o tempo de
granulação em até uma hora em relação aos equipamentos convencionais,
que podem demandar até duas horas. “A granulação facilita
a compactação deste material, sobretudo para a confecção
das drágeas e dos comprimidos, servindo também para a feitura
de novas formulações de sopas, bolos e mesmo para alguns
produtos instantâneos”. Em adição, como diluente, a celulose
microcristalina também pode ser empregada como agente lubrificante
e desintegrante, propriedades indispensáveis numa formulação,
e como base para produtos cosméticos.
A granulação, informa o especialista, é
obtida da seguinte forma: a celulose é colocada dentro do
equipamento de leito fluidizado, onde é aspergida uma solução
de maltodextrina através de um bico atomizador. A celulose
é suspensa por uma corrente de ar ascendente e a aspersão,
que vem no sentido contracorrente, é feita em cima do material.
Esta solução aglutina partícula por partícula, formando
um grânulo maior. O equipamento é regulado numa temperatura
adequada, para facilitar a secagem, enquanto o material
está sendo umedecido. “Uma coisa interessante ocorre: ele
é umedecido e secado ao mesmo tempo”, salienta.
Cunha notou que o material analisado é granulável
e que o tubo interno utilizado na pesquisa foi uma das modificações
que ajudou a incrementar a fluidização deste material, que
consiste na movimentação das partículas dentro do leito.
Subsequentemente à etapa de confecção das drágeas ou dos
comprimidos, ele apontou que esses grânulos foram bastante
compressíveis e que somente assim adquiriram facilmente
a forma de pastilha.
Outras aplicações
O pesquisador aproveita para esclarecer que o equipamento
de leito fluidizado se mostrou perfeitamente viável para
aplicação nas indústrias farmacêutica e alimentícia, isso
mais no sentido de aprimorar o processo de granulação e
de diminuir custos, contribuições presentes claramente em
sua tese. Além disso, Cunha declarou-se favorável à pesquisa
de outros materiais, não somente da celulose. “É possível
empregar, por exemplo, complexos vitamínicos adicionados
a algum outro tipo de alimento sólido e agregar os princípios
ativos através da técnica de leito fluidizado, nos comprimidos,
nas drágeas ou no pó.”
Há muitos estudos sendo efetuados em torno
dessa nova técnica, relata Cunha, mas muitas indústrias
ainda não utilizam os equipamentos de leito fluidizado em
suas unidades de trabalho. Apesar disso, algumas já começam
a se decidir pela sua aquisição, com a finalidade de fazer
a secagem de material. O químico industrial acredita que,
com o investimento no leito para a granulação, o produto
final poderá tornar o processamento mais barato, com redução
de custos em torno de 50%, “isso porque o equipamento já
é capaz de trabalhar na granulação com a metade do tempo
de um equipamento tradicional”. Há algumas décadas o leito
já foi adotado pelas indústrias de petróleo e, recentemente,
em outros segmentos: de minérios, agrícola, detergentes,
alimentos, químico e, especialmente, farmacêutico. O novo
experimento deve entrar em escala industrial em breve.
Na indústria agrícola, esclarece ele, existe
um grande problema com certos tipos de sementes, em sua
semeadura, pois o equipamento utilizado para tal tarefa
promove muitas perdas. “Então, granulando este material,
que na indústria agrícola recebe o nome de ‘peletização’,
o aumento do tamanho destas sementes seria fundamental para
que o equipamento ideal conduzisse a plantação e conseguisse
implantar uma sementinha em cada ponto”, afirma.
Na indústria de cerâmica, o mesmo leito
seria utilizado na granulação do pó fino (argila), que também
pode apresentar perdas em seu manuseio. “Neste caso, a granulação,
além de eliminar a perda, diminuiria a emissão de pó”, comenta
Cunha. “Com esta técnica, o material é granulado, armazenado,
transportado e, a posteriori, processado.” Na opinião do
pesquisador, o equipamento demonstra grande potencial para
outras explorações em trabalhos futuros.