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Pesquisas analisam trajetória
intelectual de Celso Furtado
Celso
Furtado era obstinado em entender o Brasil. Compreender
a sua obra tem sido a obstinação dos que refletem sobre
o seu legado intelectual. Estudos recentes desenvolvidos
na Unicamp destacam-se na produção acadêmica dedicada
ao pensador.
Em
dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Economia
(IE), Roberto Pereira Silva reconstitui o período formativo
de Furtado a partir da análise de duas dezenas de artigos
inéditos, dispersos em periódicos para os quais ele escreveu
ainda jovem, como jornalista, de 1941 a 1948. Nos textos
do versátil articulista, reportagens de eventos culturais
e críticas artísticas se revezam com temas áridos, como
a Segunda Guerra e a reforma administrativa de Getúlio
Vargas.
A
partir do ponto em que Roberto parou, a tese de doutorado
em Sociologia defendida por Wilson Vieira no Instituto
de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) analisa a trajetória
intelectual de Furtado acerca da temática da construção
da nação entre 1948 e 1964 – época de suas primeiras elaborações
teóricas sobre o subdesenvolvimento, quando também propõe
ações para a superação do atraso do Brasil e envida-se
em implementá-las por meio de intensa ação pública.
São,
portanto, trabalhos com enfoques distintos e que alcançam
diferentes momentos da vida do mais influente economista
latino-americano. No entanto se integram e, a despeito
dos inúmeros ensaios, monografias e livros publicados
acerca da rica produção furtadiana, contribuem para lançar
novas luzes sobre a brilhante e – como se verá a seguir
– ainda não completamente conhecida carreira de Celso
Furtado.
O índio voador,
as naus cabralinas,
a crítica de arte e o pós-guerra
(...)
Vista na moldura sombria que é Ouro Preto, subindo e descendo
as íngremes e escuras ladeiras da velha cidade, iluminada
aqui e acolá por lampiões improvisados e lâmpadas tristonhas,
seguindo o ritmo rude das lanças e dos guardas romanos
batendo nas pedras ásperas do calçamento irregular —
a Procissão ora mais estreita ora mais larga, pontilhada
de cruzes brilhantes e velas mortiças, é uma imagem viva
do sentimento religioso.
O excerto acima, com a descrição do ritual
da Semana Santa na histórica cidade mineira, foi pinçado
de uma extensa reportagem de doze páginas publicada na
edição de número 15, de 11 de abril de 1942, da Revista
da Semana, tradicional periódico de variedades em circulação
no Rio de Janeiro à época. Na elegância do estilo algo
romanceado, dificilmente se reconheceria a pena de Celso
Furtado, cuja vasta e densa produção científica e técnica
em áreas tão diversas como a História Econômica, a Teoria
do Desenvolvimento, a Política Econômica e o Planejamento
tem importância definitiva para a compreensão da economia
na América Latina. Mas a matéria “A Semana Santa comemorada
em Ouro Preto” integra um surpreendente conjunto de textos
jornalísticos produzidos pelo intelectual a partir dos
primeiros anos daquela década, quando se muda da Paraíba,
seu estado natal, para a então capital do país a fim de
cursar Direito, aos 19 anos, e passa a escrever regularmente
para algumas publicações.
Os artigos foram encontrados casualmente
por Roberto Pereira Silva quando pesquisava para a sua dissertação
de mestrado em Desenvolvimento Econômico, orientado pelo
professor José Jobson de Andrade Arruda. O projeto destinava-se,
a princípio, ao estudo da tese de doutorado defendida pelo
pensador na França. O ineditismo e o valor histórico dos
achados, no entanto, levaram Roberto a reestruturar e a
enriquecer sobremaneira o seu trabalho, com a abertura de
um capítulo exclusivamente dedicado a analisar os escritos
do então jornalista Celso Furtado.
“Estudos sobre a sua obra em geral buscam
a gênese do economista. O que eu mostro é que ele não
nasceu economista, examinando o seu período formativo por
meio de um recuo às suas primeiras publicações, datadas
de 1941, até textos produzidos em 1948. A análise desse
material nos descortinou uma série de assuntos e preocupações
de Furtado na década de 40. Temas como a Segunda Guerra
Mundial, a ascensão dos Estados Unidos e a política norte-americana
na América Latina, o mundo europeu e a política econômica
francesa e inglesa do pós-guerra, além de temas brasileiros,
como a história nacional, a discussão artística e a reforma
administrativa do Estado Novo, são contemplados nesses
artigos e nos permitem estabelecer as relações entre Celso
Furtado e período em que vive e escreve”, conta o autor
de O jovem Celso Furtado: História, política e economia
(1941-1948). “São temas e formas de abordagem que
se modificam rapidamente, à medida que sua experiência
pessoal e intelectual amadurece”.
A
produção
Roberto conseguiu reunir em torno de vinte artigos dispersos
em publicações como a Revista da Semana, Panfleto,
Observador Econômico e Financeiro, Revista do Serviço
Público e Revista do Instituto Brasil-Estados Unidos.
Os periódicos estavam na Biblioteca Nacional, no Rio, no
Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, e no Arquivo Edgard
Leuenroth (AEL), da Unicamp. São textos para os quais aparentemente
ninguém ainda havia atentado, embora a atividade jornalística
desenvolvida por Furtado na juventude fosse de conhecimento
público.
Aliás, o pesquisador observa em sua dissertação
que a menção a esse período é escassa e aparece de forma
alusiva, referindo-se a um período posterior. Em A Fantasia
organizada, ao narrar sua mudança para Paris, em 1946,
Furtado lembra que escrevia para três periódicos: a Revista
da Semana, (“minha velha casa”), o semanário Panfleto
(“que atingia grande parte do público jovem e motivado
politicamente”), e o Observador Econômico e Financeiro
(“com ampla circulação na comunidade de negócios e
no mundo oficial”).
“Ou seja, a menção é feita com o sentido
de uma atividade remunerada e como um meio de reflexão e
discussão de ideias. Ainda assim, salvo a citação, é preciso
considerar a vontade de seu autor de que esses artigos permanecessem
desligados de sua produção intelectual, uma vez que não
estão encadeados ao seu desenvolvimento posterior”, argumenta
Roberto. “Não há referências sequer em sua autobiografia,
como se Furtado desejasse apagá-los de sua trajetória.”
A temática variada e as diferentes formas
narrativas dão indícios não só das preocupações, mas das
abordagens utilizadas pelo jovem Celso Furtado nos artigos,
alterando-se entre a reportagem, a discussão histórica e
o texto bem-humorado, constatou o autor.
O primeiro artigo, de outubro de 1941, “Marcos
Barbosa e o primeiro índio brasileiro que voou”, narra a
construção de uma “máquina de voar” por um cidadão de Mamanguape
(PB) dotado, segundo Furtado, de “rica inteligência e sagaz
espírito inventivo”. Seu engenho teria fascinado um indígena,
levando-o a “entregar tudo quanto possuía para tê-lo”. Ao
tentar usá-lo, saltou do alto de um monte e morreu. A veracidade
do insólito episódio é apresentada por documentação na qual
o relato se encontra.
O interesse de Furtado pela história e pelo
passado nacional também aparece na reportagem “Onde fundeou
Cabral a sua armada?”. Trata-se de uma entrevista com o
coronel Luiz de Oliveira Bello, integrante de uma comissão
encarregada de investigar e pôr fim à controvérsia entre
historiadores brasileiros e portugueses a respeito “do sítio
exato em que fundearam as naus cabralinas”.
Os artigos de interesse para a história
nacional são acompanhados de matérias que procuram dar conta
de acontecimentos culturais no Brasil, como a reportagem
a respeito da Semana Santa em Ouro Preto, e de outras em
que se revela a faceta de um eloquente crítico de arte.
Uma, em particular, intitulada “Onde a voz do povo não é
a voz de Deus”, permite a Furtado explicitar de forma desbragada
sua opinião pessoal. Ao cobrir a final de um concurso que
tinha por finalidade levar aos Estados Unidos um pianista
jovem do Brasil, pôs a isenção de lado e, sem cerimônias,
exaltou a superioridade de um dos finalistas, Arnaldo Estrela,
em relação ao seu concorrente Adolfo Tabacow. Contrapondo
os dois candidatos, referiu-se a Arnaldo Estrela da seguinte
forma:
(...) jovem embora, há nesse pianista alguma coisa que
o coloca além do plano em que estão aqueles que podem
ser ‘julgados’. Estrela não terá atingido a plenitude.
Entretanto ele revelou uma esclarecida consciência artística,
o que dá às suas interpretações um alto valor. Quando
um artista atinge o plano que este jovem alcançou será
admirado, repudiado, exaltado... nunca julgado.
Celso Furtado também desmanchou-se em loas
ao espetáculo “As Garças”, do compositor e seu conterrâneo
José Siqueira, em comentário sobre o encerramento da temporada
de bailados no Rio de Janeiro, e, a pretexto da morte do
ator norte-americano de filmes de faroeste Charles Jones,
analisou a característica do cinema em relação às outras
artes no artigo “Nós e Buck Jones”. Distanciando-se das
pautas artísticas, ele transita ainda por temas mais densos
nas páginas do hebdomanário, elaborando análises de natureza
política e econômica ensejadas pela conjuntura de guerra
de então.
Tensão
A mudança dos textos jornalísticos para os técnicos ocorre
quando Furtado passa a escrever para a Revista do Serviço
Público. No cargo de técnico em administração no
Departamento Administrativo do Serviço Público (o DASP,
criado por Getúlio Vargas para modernizar a administração
pública e, ao mesmo tempo, profissionalizar a carreira
de servidor), seus artigos abordam de maneira analítica
e comparativa as experiências norte-americanas na área
da administração pública com vistas a implementação
de um serviço público equivalente no Brasil. A atividade
é interrompida com a convocação para a Força Expedicionária
Brasileira (FEB) em 1945. Na volta ao Brasil, após o fim
da Segunda Guerra, decide retornar à Europa, “fascinado
pelo inusitado da cena social e humana que aí se armara,
certamente sem precedentes, por sua amplitude e complexidade,
na história dos homens”, conforme contou em A fantasia
organizada.
Em Paris, matricula-se no doutorado em Economia,
mas o ingresso na vida acadêmica inicialmente não estava
nos planos do inquieto jovem (“a verdade é que, na época,
em nada me atraíam os títulos, particularmente os universitários.
Não via sentido em perder tempo estudando para preparar
exames, desviando a atenção do mar de coisas importantes
que estavam ocorrendo no mundo real diante de meus olhos”,
confessou também naquela obra).
Para Roberto, essa tensão entre a vida
acadêmica e o “desejo de conhecer o mundo” tem reflexos
importantes nos textos seguintes de Furtado: a preocupação
com a correlação de forças no comércio internacional
torna-se um instrumento analítico importante nos ensaios
dedicados à política econômica francesa e inglesa que
ele envia aos periódicos Revista da Semana, Observador
Econômico e Financeiro e Panfleto. Contudo, se por
um lado há uma produção ensaística e jornalística preocupada
em compreender o presente, ou seja, a Europa do pós-guerra,
a tese de doutorado irá abordar a economia colonial brasileira,
sobressaindo a reflexão histórica, argumenta o pesquisador.
“Mesmo respirando ‘os ares do mundo’, a
preocupação com o Brasil não o abandona. É o que percebemos
quando decide estudar seu país, sob a perspectiva do comércio
internacional”, constata.
A economia colonial brasileira no período
do açúcar – época em que ao Brasil coube papel eminente
no comércio internacional – é o tema da tese A Economia
Colonial no Brasil nos Séculos XVI e XVII defendida
por Furtado em 1948. Ao analisá-la, o propósito de Roberto
foi mostrar a vinculação do estudo aos debates intelectuais
brasileiros e franceses, tentando compreender a forma de
apropriação que Furtado fez de cada uma dessas tradições
intelectuais.
A ação pública
e as reflexões sobre
uma nação ainda em construção
Em
A Construção da Nação no Pensamento de Celso
Furtado, Wilson Vieira, orientado pela professora
Walquiria Gertrudes Domingues Leão Rêgo, se debruça
sobre o que ele classifica de primeiro ciclo das transformações
da reflexão do pensador a respeito da construção
da nação. Ao buscar compreender essa conceituação
e os elementos norteadores das observações de Furtado,
o autor optou por enfatizar o período 1948-1964 por
ser aquele no qual Furtado elabora a sua teoria acerca
do subdesenvolvimento e atua publicamente num contexto
em que o desenvolvimento era assunto da ordem do dia
no Terceiro Mundo (em especial na América Latina),
principalmente entre o final da Segunda Guerra Mundial
e meados da década de 1960.
A partir da análise
das obras e da atuação pública do economista, abarcando
desde a sua tese de doutorado em Paris (A Economia
Colonial no Brasil nos Séculos XVI e XVII), passando
pela sua atuação na Cepal e na Sudene até 1964,
o estudo revela como evolui o seu diagnóstico das
causas que impediam o desenvolvimento do país e a
elaboração de propostas de superação de tal situação.
Algumas delas, na medida do possível, foram colocadas
em prática. Segundo Wilson, o processo de metamorfose
das interpretações e das inquietações de Furtado
a respeito do desenvolvimento do país se manifesta
inicialmente (e de maneira predominante) no terreno
da ciência econômica stricto sensu, de caráter
mais técnico e, posteriormente, se evidencia num
campo mais interdisciplinar e mais político. Com
o golpe militar, Furtado teve seus direitos políticos
cassados e partiu para o exílio, primeiramente para
o Chile e posteriormente para os EUA e a França,
onde se voltou para a carreira acadêmica.
Furtado não só reflete
sobre a construção da nação de maneira original em
relação a outros pensadores que se dedicaram a essa
temática – ele considerava o subdesenvolvimento brasileiro
um obstáculo à consecução daquele objetivo, e não
uma etapa para o desenvolvimento – como propõe, também
de maneira mais elaborada em relação à reflexão nacional-desenvolvimentista
das décadas de 1950 e 1960, o que se denomina planejamento
democrático como caminho para a superação da situação
subordinada do país.
“Seu modelo de desenvolvimento
socioeconômico e político é a socialdemocracia
europeia”, constata o autor da tese. Ainda de acordo
com ele, Furtado também é fortemente influenciado
pelas ideias do sociólogo alemão Karl Mannheim,
teórico da sociologia do conhecimento e autor do
livro Ideologia e Utopia, cujo método de análise
foi empregado por Wilson em seu trabalho.
“Na concepção
de Mannheim existe a idéia da intelligentsia,
ou da intelectualidade, que se insere no Estado para
planejar o desenvolvimento. Trata-se de um planejamento
eminentemente técnico, que não se imiscui nas disputas
político-partidárias, pois se encontra acima delas,
e no qual o planejador está sob a vigilância da
sociedade, daí a natureza de seu controle democrático”,
esclarece Wilson.
A proposta, contudo,
encerra uma contradição com a qual Furtado é obrigado
a transigir: “Mannheim preconiza a predominância do
técnico sobre o político, na visão do planejamento
como elemento de superação do subdesenvolvimento e
construção da nação. Existe, portanto, a percepção
de que o planejador não deve se imiscuir nas discussões
partidárias. Porém, contraditoriamente, para poder
exercer o planejamento e construir a nação, ele precisa
de um ambiente institucional minimamente favorável.
Isso é muito claro na Sudene, onde o técnico Furtado
teve de fazer muita política para ter mínima liberdade
de atuação técnica”, observa o autor da tese.
Antagonismo
A concepção de planejamento de Furtado, além de ter
sido fortemente influenciada por Mannheim, também
perpassou em muitos pontos as propostas da Cepal (Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe), instituição
da ONU criada em 1948, aponta a pesquisa. Furtado
integrou o primeiro grupo de pesquisadores e planejadores
do órgão responsável por estabelecer e disseminar
a interpretação do subdesenvolvimento como obstáculo
à construção da nação na América Latina. Na qualidade
de defensor da sua concepção de planejamento, Furtado
se insere no acalorado debate de então sobre a superação
do subdesenvolvimento, marcado pelo confronto de dois
campos antagônicos: o liberalismo econômico e o desenvolvimentismo.
O embate remontava
à década de 1940, com a célebre controvérsia entre
o economista conservador Eugênio Gudin e o empresário
e também economista Roberto Simonsen. A polêmica intensificou-se
na década de 1950 com a entrada em cena de vários
intelectuais e instituições especializadas, com destaque
para Celso Furtado e Cepal. Eles não somente deram
consistência às ideias desenvolvimentistas apenas
esboçadas, como também contribuíram, mesmo indiretamente,
para a elaboração dos planos de governo que seriam
implementados na segunda metade dessa década, ainda
que, na prática, o planejamento defendido por ambos
num contexto democrático se mostrasse muito difícil
de ocorrer, conforme constatou Furtado ao tentar implantar
o seu plano de nação ao aceitar o convite do então
presidente Juscelino Kubitschek para assumir um posto
de direção no BNDE (atual BNDES).
Furtado estava na
Universidade de Cambridge, pesquisando e redigindo
Formação Econômica do Brasil – o clássico
em que faz um profundo mergulho na história econômica
brasileira como resultado de sua obstinação em diagnosticar
o subdesenvolvimento brasileiro –, e sua volta se
constituiu num resultado de suas reflexões na Inglaterra,
nas quais percebe a importância de participar e colaborar
no processo de deter as crescentes disparidades regionais
brasileiras, as quais faziam o Nordeste ser a maior
vítima. Liderada por Furtado, é criada a Operação
Nordeste (Openo), e elaborado um estudo que compreendia
o diagnóstico e o plano de ação denominado “Uma
Política de Desenvolvimento Econômico para o Nordeste”.
São ainda propostas a criação do Conselho de Desenvolvimento
do Nordeste (Codeno) e da Superintendência para o
Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), ambos os órgãos
comandados por Celso Furtado.
“Na Operação Nordeste,
percebemos a atuação política do técnico para
se dedicar à sua parte na tarefa de construir a nação,
não somente na articulação com os políticos, mas
também com a opinião pública em geral, denotando
em Furtado o reflexo da contradição do sociólogo
alemão (Karl Mannheim), posto que ele precisou desde
o início fazer política para poder implementar políticas
de superação do subdesenvolvimento nordestino”,
pontua Wilson, acrescentando que Furtado coloca essas
questões mais claramente em A Pré-Revolução
Brasileira e em Dialética do Desenvolvimento.
Massa camponesa
Ainda assim, no período em que atuou na Sudene, Furtado
enfrentou dificuldades para levar à frente seus projetos
devido à oposição tanto da direita, que temia uma
revolução no semiárido brasileiro, quanto da esquerda,
que o acusava de ser agente dos interesses dos EUA
por causa do programa Aliança para o Progresso, um
convênio da superintendência para a adoção de políticas
preconizadas por cientistas do MIT, relata a tese.
No governo Goulart,
Furtado, à época superintendente da agência estatal,
foi empossado ministro do Planejamento com a missão
de elaborar o Plano Trienal, com proposta de ações
anti-inflacionárias ortodoxas (contenção de gastos
públicos e de liquidez) e de estímulo à retomada do
processo de desenvolvimento econômico, então estagnado,
juntamente com medidas de desconcentração da renda.
Em termos concretos, o plano mal saiu do papel porque
Furtado retornou à Sudene devido à sua exoneração
do cargo de ministro (juntamente com todo o ministério)
por pressões políticas sofridas por Goulart, numa
conjuntura de grande instabilidade social e política.
“Percebemos em Furtado
uma análise sobre o subdesenvolvimento que inicialmente
é feita dentro do marco da ciência econômica (principalmente
no período cepalino). No período da Sudene, as questões
sociais e políticas são incluídas de maneira mais
evidente”, afirma Wilson.
Desse modo, as propostas
de superação do subdesenvolvimento elaboradas pelo
pensador continuam defendendo o planejamento democrático,
mas incluem cada vez mais a participação da sociedade
nesse processo, conforme Furtado salienta na passagem
a seguir extraída de Dialética do Desenvolvimento
e reproduzida na tese:
O objetivo político
a alcançar nos países subdesenvolvidos – isto
é, o objetivo cuja consecução assegurará um mais
rápido desenvolvimento econômico em uma sociedade
democrática pluralista – consiste em criar condições
para que os assalariados urbanos e a massa camponesa
tenham uma efetiva participação no processo de formação
do poder. As atuais classes dirigentes, no caso brasileiro,
não representam mais que uma parcela da população
com atividade política. Em épocas passadas, essa
parcela se confundia com a nação, na medida em que
estava formada pela pequena minoria da população
para quem a atividade política tinha qualquer significação,
ou cujo comportamento podia ser de alguma relevância
para os destinos do país. Hoje em dia, o comportamento
da massa trabalhadora urbana e rural é de importância
fundamental para o desenvolvimento econômico e social
do país, o que significa que esse comportamento deve
incorporar-se ao processo político.
Furtado, portanto,
via na classe dirigente uma inaptidão para captar
a realidade em si mesma, sinal de que a solução dos
problemas transcenderia, de alguma forma, da capacidade
operacional dessa classe, devendo emergir da interação
de forças mais amplas.
Em obras posteriores
(como Subdesenvolvimento e Estagnação na América
Latina, Um Projeto para o Brasil, O Mito do Desenvolvimento
Econômico e Brasil: A Construção Interrompida),
Furtado alterna diferentes diagnósticos a respeito
das temáticas que até então polarizavam suas reflexões
e, em O Longo Amanhecer, publicada em 1999,
reforça o caráter do Brasil como nação ainda em
construção.
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