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Químico desenvolve material utilizado
em eletrodos de células a combustível
Trata-se da primeira
iniciativa do IQ em programa de doutorado de co-tutela
Criar
um novo material sólido para ser utilizado em eletrodos
de células a combustível foi uma das proposições da pesquisa
do doutorando Jean Marcel Ribeiro Gallo, defendida recentemente
no Instituto de Química (IQ). Trata-se de um condutor de
eletricidade baseado na estrutura de uma “peneira molecular”,
que por sua vez é um importante material de suporte com
uma grande área superficial a qual garante maior espaço
para ocorrerem reações de interesse da pesquisa. Além do
valor do invento, que busca a substituição das fontes de
energia tradicionais por uma alternativa e sustentável,
o trabalho revela-se a primeira experiência do Instituto
num programa de doutorado de co-tutela. A parceria, neste
caso com a Università del Piemonte Orientale, Itália, possibilitará
a Gallo receber dois diplomas com o título de doutor em
ciências. Na Itália, o certificado será expedido em poucas
semanas.
Gallo relata que aproveitou
ao máximo a permanência na Itália e que sua escolha recaiu
sobre este país por uma conjunção de fatores, sendo talvez
o mais forte o fato de ter ascendência italiana. Ele chegou
em Alessandria, cidade que abriga aquela universidade, com
algumas incertezas em relação à língua, pois havia feito
apenas um curso básico no Brasil. Mas estava convicto quanto
à escolha do tema que iria desenvolver, o que facilitou
optar por uma pesquisa de envergadura, tendo como foco as
células a combustível. Ganhou dois orientadores: a professora
Heloise de Oliveira Pastore, atual diretora do IQ, e o professor
italiano Leonardo Marchese, do Departamento de Ciência e
Tecnologia Avançada da Università del Piemonte Orientale.
No estudo de Gallo, o novo
material é descrito como um sólido cerâmico poroso. Ele
possui poros de tamanhos muito precisos, capazes de selecionar
moléculas, característica que herdou das peneiras moleculares.
Mas também contém partículas condutoras de grafite que permitem
o seu emprego como eletrodos na célula a combustível. Sobre
esse material são depositados os metais que são os catalisadores,
já devidamente descritos na literatura. “O fato de se usar
especificamente estes catalisadores não foi descoberto por
nós. O que é de nossa autoria é o material com o qual se
fazem os eletrodos. Ele exibiu um desempenho maior (20%
a 40%) do que o material comercial”, ressalta Pastore.
As células a combustível,
informa o pesquisador, correspondem a baterias que, ao invés
de serem carregadas na corrente elétrica, como aquelas dos
celulares e dos notebooks, passam a ser alimentadas com
combustível. Em sua pesquisa, o combustível adotado foi
o metanol, cuja uso foi detalhado ao longo dos quatro anos
de doutorado, “entretanto o etanol será o objetivo futuro
do nosso trabalho”, esclarece. O etanol, o mesmo álcool
presente nas bebidas alcoólicas e nos combustíveis dos postos
de gasolina, se distingue do metanol por duas razões principais:
é menos tóxico, apresentando menor risco de contaminação;
e é produzido abundantemente no Brasil a partir da cana-de-açúcar.
Pastore aponta que a reação
da célula produz gás carbônico (CO2). Por esse motivo,
salienta que algumas pessoas têm questionado a sustentabilidade
de tal sistema, já que emite um gás estufa, mas também
ressalta que neste caso é um bioálcool. “Portanto, de
uma certa forma é tão sustentável e renovável quanto
o etanol usado nos veículos.”
Gallo chegou à avaliação da nova família de materiais
cerâmicos, denominada por ele e seus orientadores “carbonos
cerâmicos mesoporosos”, com medidas eletroquímicas baseadas
na variação da voltagem, em função do quanto a célula
deve produzir de corrente elétrica. A tecnologia das células
a combustível não é recente, adianta. O primeiro boom
sobre o assunto ocorreu na década de 70.
Existe inclusive o uso dessas
células comercialmente, expõe o químico. “Não tanto deste
tipo que trabalhamos. Embora já haja sistemas comerciais
que estão sendo vendidos e instalados. Um muito difundido
é o gerador de eletricidade de emergência da Universidade
da Califórnia, relata o pesquisador. “Por outro lado, ainda
será preciso avançar para substituir completamente os sistemas
em uso atualmente.”
As intervenções na tese,
segundo Gallo, partiam de ambos os orientadores e não raro
discutiam a três o passo a passo do trabalho. Ele enviava
alguns rascunhos efetuados na Itália para Pastore fazer
suas próprias anotações, e vice-versa. Apesar de mais trabalhosa,
a pesquisa valeu a pena na sua opinião e resultou em um
“material duplamente qualificado”.
O químico garante que é
inédita na Unicamp a investigação de células a combustível
baseadas em etanol ou metanol. “Temos no Instituto de Física
um grupo de pesquisa dedicado a estas células, porém alimentadas
diretamente com hidrogênio. O nosso estudo envolve uma célula
a combustível baseada em metanol como modelo para uso na
direção do etanol.”
O custo final de uma célula
a combustível desse tipo ainda não foi estimado, pois a
produção ocorreu apenas em escala laboratorial. Os testes
iniciais, feitos com metanol, indicam que a célula construída
com o novo sólido para os eletrodos tem um melhor desempenho,
particularmente em um dos eletrodos da célula a combustível.
O uso no outro eletrodo precisará passar por um processo
de otimização. “Após isso ainda será necessário determinar
como fazer a célula funcionar com o etanol, o que é tecnicamente
mais difícil, para então começar a pensar em comercialização.
Uma coisa é certa: estudaremos o uso do etanol”, afirma.
Intercâmbio
terá continuidade
O
contrato de co-tutela com a Itália começou a ser viabilizado
um pouco antes do início do trabalho de Gallo, que fez
graduação e mestrado na Unicamp. Todas as condições de
trabalho ficaram devidamente acordadas pelas duas universidades
signatárias em 2005. A defesa de tese de Gallo seguiu
o protocolo dos doutorados co-tutela, com uma banca examinadora
constituída pelos professores italianos Salvatore Coluccia,
do Departamento de Química da Università Degli Studi di
Torino, e Nerino Penazzi, do Departamento das Ciências
de Materiais de Engenharia Química do Politecnico di Torino,
além dos professores brasileiros Fernando Aparecido Sígoli
e Regina Buffon, ambos do IQ.
A intenção agora, segundo Pastore, é dar continuidade
ao programa enviando novos alunos para intercâmbio naquele
país e recebendo bolsistas italianos. De acordo com ela,
o programa de co-tutela é muito enriquecedor ao garantir
a experiência de alunos trabalhando não somente em lugares
diferentes. “São condições diferentes das nossas: nem
melhores nem piores. Os alunos ficam expostos a variadas
situações de trabalhos experimentais, de convivência e
de troca científica.” Isso deve representar para eles,
acredita, um maior grau de envolvimento com a pesquisa
e igualmente de maturidade.
Para o orientador italiano, a co-tutela envolve um intercâmbio
internacional que direciona também o aprimoramento cultural
do aluno. Como a Università del Piemonte Orientale é uma
instituição nova e pequena, diz, os intercambistas passam
a trabalhar guiados por outros modelos de ensino e de
trabalho científico que não os do seu país de origem.
Coluccia acrescenta que uma tese em co-tutela é efetivamente
muito mais do que uma simples cooperação para esses jovens,
já que eles adquirem títulos com o mesmo valor nos dois
países e portanto têm diante de si um novo horizonte de
reconhecimento na Europa. Do ponto de vista científico,
expõe, este doutorado se insere num acordo programático
das duas instituições, “e os melhores momentos para que
o programa possa se efetivar é mesmo o intercâmbio de
estudantes”.
Membro da banca examinadora de Gallo, Penazzi pensa que
esta é a forma mais rica para estabelecer uma colaboração
com outra universidade, tanto do ponto de vista científico
como humano, “porque traz benefícios aos jovens e igualmente
aos responsáveis pela iniciativa”.
Ao falar da convivência com Gallo, Marchese acentua que
a experiência foi muito positiva. Deu seu testemunho pessoal
de que os estudantes provindos de países latinos têm uma
melhor adaptação em relação aos de outros países, com
um modo de viver parecido com os italianos, opina, o que
ajuda muito a estreitar ligações. Já em particular, o
orientador constatou que o brasileiro tem uma atitude
mais aberta para desenvolver um trabalho em equipe. “Foi
deste modo que Jean conseguiu criar um grupo de trabalho
e de amizades”, conta.
Carreira
Gallo passou dois anos na Itália e dois anos no Brasil
até a conclusão da tese. A experiência no exterior para
ele foi inestimável, porém atribui muito à escolha deste
programa. “Percebi que nele existe colaboração mais pontual.
Tem as vantagens dos dois diplomas e o reconhecimento
que dificilmente haveria na Europa, além de culminar com
oportunidade de trabalho em ambos os países. Também a
essa escolha ele atribui o fato de ter encontrado uma
convivência amistosa com pessoas especiais, que muito
ajudaram a aperfeiçoar o seu conhecimento. “Acho que o
melhor que as pessoas devem fazer é aprender a língua
e criar identidade. Isso facilita a integração no trabalho
e fora dele.”
O objetivo de um doutorado em pesquisa, relata Marchese,
é formar pessoas com capacidade crítica que possam resolver
problemas científicos. Neste caso específico, esses problemas
também tiveram ressonância na aplicação. “Este foi um
aspecto relevante porque não somente se formou um pesquisador
com grande capacidade de pesquisa. Ele tem uma melhor
compreensão dos conceitos científicos para o desenvolvimento
das aplicações de interesse comercial”, testemunha.
Quanto à importância da pesquisa de Gallo, Penazzi considerou-a
fundamental por tentar valorizar o uso de materiais inovadores,
nanométricos, para a produção de uma célula a combustível
cujo desenvolvimento é um pouco dificultoso em decorrência
da falta de materiais necessários.
Já Coluccia enfatiza que esta área de utilização de novos
materiais aguarda desenvolvimentos importantes e rápidos.
Ele conclui que o problema é complexo, pois envolve novas
fontes de energia, novos modos de produzi-la e novas maneiras
de conservá-la. No caso da tese de Gallo, afirma, ela
tocou todos estes pontos. “Modificou a fonte ou moléculas
que se utilizam para produzir a energia, usou-as de modo
diverso daqueles tradicionais e produziu um objeto, um
dispositivo, de fato utilizável”, descreve. Ainda salienta
que o trabalho reúne pesquisa básica sobre síntese de
novos materiais, nanotecnologia, pesquisa pesada sobre
a catálise envolvida nesse processo, tudo isso envolvido
com a preparação de novos dispositivos para produção de
energia renovável.
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