JEVERSON
BARBIERI
O
Processo conduzido na Faculdade de Engenharia Química (FEQ)
da Unicamp culminou com o desenvolvimento inédito, em nível
nacional, de uma resina capaz de baratear o custo e reduzir
o tempo de produção de lentes oftálmicas, com excelentes
propriedades mecânicas, térmicas e ópticas. São necessários
menos de dez minutos para que as lentes fiquem prontas.
O método consiste em injeção de um líquido (resina), cuja
viscosidade é muito parecida com o mel, em um molde transparente
que, logo a seguir, é exposto a uma irradiação com raios
ultravioleta. Acontece, portanto, a polimerização, por meio
da qual a resina torna-se um sólido de alta transparência.
A pesquisa, realizada por Marco Henrique Zangiacomi e orientada
pelo professor Edison Bittencourt, promete ter grande impacto
social, principalmente se essa produção, por meio de unidades
móveis, conseguir atingir as cidades mais distantes e, consequentemente,
as populações mais carentes. “A ideia é que essa unidade
móvel seja constituída de um pequeno consultório onde o
paciente seja atendido por um oftalmologista. De lá, ele
já sai com a receita para a área de produção, de onde seguirá
para sua casa com os óculos prontos”, afirmou o docente.
Um estudo inicial mostrou
que o número de deficientes visuais sem acesso aos óculos
é estimado em 3,5 milhões no Brasil. O que poderia ser o
principal problema para a produção das lentes em unidades
móveis – o custo da resina importada – foi solucionado com
a aquisição de compostos no mercado nacional a um custo
significativamente mais baixo – cerca de cinco vezes menos.
A resina curada com ultravioleta, observa o docente, é a
única que pode ser usada nesse tipo de unidade.
Bittencourt explicou que
esse tipo de cura dá rapidez ao processo. Trata-se de uma
combinação de know-how na formulação e na cinética da polimerização.
No entanto, ressalta, o equipamento de cura utilizado em
seu laboratório nunca foi tão sofisticado quanto poderia
ser. “Se houvesse uma sofisticação do equipamento, poderíamos
tranquilamente estar em um nível de produção de larga escala
ou em grandes esquemas móveis como, por exemplo, na Amazônia,
com barco e médico a bordo”, esclareceu. O docente pensa
pelo viés da inclusão social, especialmente no que diz respeito
ao sistema de proteção da saúde da sociedade, principalmente
nos segmentos de menor poder aquisitivo. Por isso, ressalta
o alcance social do projeto.
A respeito da estimativa
de tempo para produzir efetivamente as lentes, Bittencourt
aponta que a maior dificuldade está em encontrar um parceiro
que construa a unidade móvel. Qualquer parceria nessa área,
na opinião do orientador, tem que ser extremamente rigorosa
e séria, por tratar-se de saúde pública. Quanto ao trabalho
de implantação, ele estima que um prazo razoável seria entre
24 a 36 meses para uma produção em escala industrial moderada.
E um ponto fundamental está na questão do financiamento
da lente para o consumidor de baixa renda. “Creio que esse
financiamento deveria ser feito pelo poder público em todos
os níveis”, salientou.
Ultravioleta
O interesse do docente pelos raios ultravioleta surgiu na
década de 1970, quando ainda trabalhava nos Estados Unidos.
Ao regressar para o Brasil, teve que interromper momentaneamente
os trabalhos na área porque aqui ainda não havia equipamento.
Em 1979, veio para a Unicamp e também atuava no projeto
de fibras ópticas desenvolvido pelo governo federal. Como
a cura com ultravioleta de resinas é o único processo que
atende aos requisitos de produção da fibra óptica, ou seja,
transforma-se em uma camada protetora da fibra, além de
permitir altas velocidades, Bittencourt tornou-se o responsável
pela unidade de puxamento, isso em uma época que ainda não
existia o Centro de Pesquisas da Telebras.
Ainda na empresa estatal, deu início ao
desenvolvimento de resinas para o recobrimento de fibras
ópticas. Na Unicamp, agora em tempo integral, juntamente
com um aluno de pós-graduação, produziu três tipos de resinas
que vieram a ser usadas na produção de fibra óptica, com
propriedades mecânicas diferenciadas.
Somente anos depois começou o trabalho de
cura de resinas para fabricação de lentes. Bittencourt lembra
que, até há cerca de 15 anos, a maioria das lentes era feita
de vidro. Atualmente, tudo é polímero. “Posso afirmar que
fomos os desenvolvedores dessa resina em nível nacional,
ainda que não seja a primeira vez que se faz isso no mundo”,
alegou.
Perspectivas
O docente atua também junto ao Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos (CGEE), uma organização social supervisionada
pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília, assessorando
em algumas áreas estratégicas. A sua principal área atualmente
é a de têxteis, com ênfase em uniformes. Essa área, de acordo
com Bittencourt, foi escolhida criteriosamente porque implica
num aumento de funcionalidades do tipo resistência às chamas,
atividade microbicida e que demanda mais tecnologia. “É
fundamental o desenvolvimento de tecnologias emergentes
como a nanotecnologia”, apontou. Outro exemplo citado pelo
orientador da pesquisa está na área esportiva, que cresce
a cada dia. “As competições de natação nos apresentaram
um novo tipo de maiô, baseado na pele do tubarão. Isto é
uma tendência relativamente recente – a da imitação da natureza,
chamada biomimética. Por isso é preciso agregar tecnologia
em nível nacional”, explicou.