
 
                      Distrito de Jordão, Sobral, Ceará. Seu Victório, 72 anos, 
                      acorda com o sol, toma um café e se dispõe a traçar o caminho 
                      de quase uma hora até a roça. Nem um pouco cansado da rotina 
                      na lavoura, tampouco afetado por sinais de velhice, se diz 
                      orgulhoso por garantir seu sustento com as próprias mãos, 
                      cuidando da plantação. A satisfação de envelhecer no interior 
                      é resumida em poucas palavras: “A velhice da roça é bem 
                      melhor que a da praça (cidade).” Frase esta que inspirou 
                      o título da tese “Da velhice da praça à velhice da roça: 
                      revisitando mitos e certezas sobre velhos e famílias na 
                      cidade e no rural”, da antropóloga Adriana de Oliveira Alcântara. 
                      Orientada pela professora Guida Guin Debert, ela acompanhou 
                      o dia-a-dia de 17 pessoas de Jordão e 15 de Fortaleza, no 
                      Ceará, para comparar a velhice no espaço rural e na cidade 
                      e saber como é envelhecer na família, entre diferentes gerações. 
                      A antropóloga ouviu também os parentes das pessoas investigadas.
Depois de ter rompido paradigmas 
                      com a dissertação realizada com homens e mulheres em asilo 
                      (longe da família), a antropóloga joga por terra a impressão 
                      de que envelhecer na família, convivendo com outras gerações, 
                      é um fardo para os velhos, principalmente no espaço rural, 
                      onde ela intensificou sua investigação. O percurso para 
                      conhecer a inter-relação das multigerações familiares 
                      foi longo, mas proporcionou, segundo a antropóloga, satisfação. 
                      Aos poucos, rostos como os de seu Victório, foram abrindo 
                      a porta da casa, o sorriso, o bule de café e até a caixa 
                      de surpresas, repleta de informações relacionadas a economia, 
                      família, trabalho e controle da casa. A primeira impressão 
                      contestada é a de que o trabalho os cansa. “O trabalho 
                      na roça, tanto entre homens como mulheres, ainda é um 
                      valor de vida. Eles não querem parar. Dizem que foram criados 
                      assim e que ‘parar é morrer’. Embora as limitações 
                      físicas mostrem que têm de parar, a mente não quer”, 
                      revela Adriana. 
                     Os 
                      resultados da investigação permitem ver uma diferença 
                      entre os entrevistados da zona urbana e da rural no que 
                      se refere ao trabalho e ao sustento da família. O trabalho 
                      é uma questão muito presente na vida dos entrevistados 
                      do interior, sejam homens ou mulheres. Segundo a pesquisadora, 
                      mesmo recebendo a aposentadoria rural, eles continuam o 
                      trabalho na roça e enfatizam que não é o fator econômico 
                      que os prende à roça, mas o pertencimento da identidade. 
                      A produção do alimento para eles também é muito importante, 
                      de acordo com Adriana, pois eles fazem questão de sustentar 
                      seu grupo doméstico, sobretudo na roça. Já na cidade, 
                      a maioria dos entrevistados divide o sustento com os filhos, 
                      a partir de rateios das despesas. “Para além do sustento 
                      e do dinheiro, entra a produção do alimento; eles não 
                      compram feijão, nem milho e macaxeira. Produzem tudo e 
                      não vão comprar. E durante o ano, estocam”, acrescenta.
Os 
                      resultados da investigação permitem ver uma diferença 
                      entre os entrevistados da zona urbana e da rural no que 
                      se refere ao trabalho e ao sustento da família. O trabalho 
                      é uma questão muito presente na vida dos entrevistados 
                      do interior, sejam homens ou mulheres. Segundo a pesquisadora, 
                      mesmo recebendo a aposentadoria rural, eles continuam o 
                      trabalho na roça e enfatizam que não é o fator econômico 
                      que os prende à roça, mas o pertencimento da identidade. 
                      A produção do alimento para eles também é muito importante, 
                      de acordo com Adriana, pois eles fazem questão de sustentar 
                      seu grupo doméstico, sobretudo na roça. Já na cidade, 
                      a maioria dos entrevistados divide o sustento com os filhos, 
                      a partir de rateios das despesas. “Para além do sustento 
                      e do dinheiro, entra a produção do alimento; eles não 
                      compram feijão, nem milho e macaxeira. Produzem tudo e 
                      não vão comprar. E durante o ano, estocam”, acrescenta. 
                    
                    O cuidado com a família 
                      não se limita ao sustento, no interior, pois além da ajuda 
                      financeira, segundo os próprios entrevistados de Adriana, 
                      os velhos ajudam não só os filhos que moram em sua casa, 
                      mas também os outros filhos, já que no interior é comum 
                      a família ser mais próxima, segundo Adriana. Outra diferença 
                      entre citadinos e rurais é que os filhos do interior moram 
                      ao redor da casas de seus velhos, diferente do contexto 
                      da cidade.
                     “Melhor 
                      estar ajudando que ser dependente”. A independência econômica 
                      confere uma identidade que está arraigada no grupo familiar 
                      por meio de três categorias enfatizadas por Adriana: trabalho-família-terra. 
                      “Não dá para falar em família sem falar em trabalho. Isso 
                      para eles é questão moral”. Deixar de trabalhar é comparado 
                      a uma doença para os trabalhadores rurais. De acordo com 
                      Adriana, eles deflagram a velhice através das limitações 
                      físicas, quando sentem dor nas pernas e não podem fazer 
                      a caminhada até a roça. “É o valor do trabalho se misturando 
                      com o valor da vida”, acrescenta a antropóloga.
“Melhor 
                      estar ajudando que ser dependente”. A independência econômica 
                      confere uma identidade que está arraigada no grupo familiar 
                      por meio de três categorias enfatizadas por Adriana: trabalho-família-terra. 
                      “Não dá para falar em família sem falar em trabalho. Isso 
                      para eles é questão moral”. Deixar de trabalhar é comparado 
                      a uma doença para os trabalhadores rurais. De acordo com 
                      Adriana, eles deflagram a velhice através das limitações 
                      físicas, quando sentem dor nas pernas e não podem fazer 
                      a caminhada até a roça. “É o valor do trabalho se misturando 
                      com o valor da vida”, acrescenta a antropóloga. 
                    Quanto à renda, a primeira 
                      fonte é a aposentadoria. Em seguida, aparece a bolsa família. 
                      Essas duas fontes são imprescindíveis para sustento do grupo 
                      familiar. Os filhos, por outro lado, contribuem com o pagamento 
                      recebido por “bicos” e faxinas, já que o desemprego entre 
                      os jovens é maior que na cidade. Segundo Adriana, a aposentadoria 
                      é dos velhos, e a bolsa família fica para as crianças da 
                      casa.
                    Durante toda a pesquisa, 
                      Adriana procura mostrar que não existe um enquadramento 
                      do que é família e do que é ser velho. Amparada em conceitos 
                      do IBGE, Adriana observou também que não é só o fato de 
                      o velho ser detentor de um poder econômico que lhe garante 
                      autoridade automaticamente, poder de decisão, mas também 
                      o de ser proprietário de um imóvel onde o grupo doméstico 
                      mora. Ele exerce autoridade mesmo não possuindo renda, o 
                      que quebra alguns modelos. Na cidade, porém, a participação 
                      dos filhos no rateio pode tirar o poder de decisão dos velhos. 
                      “São os desarranjos, não tem como determinar o que é uma 
                      família e o que é ser velho. Existem abordagens que o tempo 
                      todo refutam a questão da homogeneidade, da velhice. Eu 
                      faço várias provocações para a necessidade de flexibilizar 
                      o entremeio entre os modelos”, acentua. 
                    A partir das histórias como 
                      a de seu Victório ou de um trabalhador rural que aos 82 
                      anos matava boi sozinho, Adriana constatou que ser velho 
                      não está restrito a ter certa idade, assim como ter determinada 
                      idade não significa que a pessoa é limitada, doente. “Vi 
                      velhos cuidando de filhos doentes. A idade não permite aplicar 
                      modelos de vida”, acrescenta. Segundo ela, esta é a importante 
                      contribuição da antropologia no sentido de flexibilizar, 
                      romper com todas essas convenções. Para ela, não existe 
                      modelo único para ser velho e tampouco modelo único para 
                      família. 
                    Políticas públicas
                      Apesar de ter feito uma análise comparativa, Adriana enfatiza 
                      que o grande desafio de sua pesquisa foi abordar a questão 
                      do espaço rural, por não existirem estudos pontuais sobre 
                      a velhice neste espaço. “O rural ainda hoje é visto como 
                      coisa menor em comparação à cidade. Como local do atraso, 
                      e a cidade, do desenvolvimento. Sob que ponto de vista?”, 
                      questiona.
                    De acordo com a autora, quem decide o que 
                      é urbano e rural no Brasil são as câmaras municipais, e 
                      o rural fica em desvantagem. Para ilustrar a ideia, ela 
                      menciona trecho de uma citação de José Eli da Veiga, professor 
                      da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade 
                      de São Paulo: “Os legisladores não observaram o fenômeno 
                      da população brasileira de 1949 a 1970. E a nova configuração 
                      territorial exigiria outras elaborações institucionais que 
                      se adequassem às cidades com demandas tão específicas, como 
                      o caso do rural.” Segundo a autora, Eli da Veiga critica 
                      o estatuto da cidade por não contemplar o assunto. “O próprio 
                      estatuto da cidade não define o que é cidade. Veja que controvérsia”, 
                      questiona Adriana.
                    A linha que separa o urbano do rural não 
                      representa a realidade de modo satisfatório, na opinião 
                      de Adriana. O IBGE segue o critério político-administratrivo 
                      proveniente de um decreto de 1938 (período do estado novo 
                      em que a população brasileira era predominantemente rural), 
                      que define que a área urbana é toda sede de município, cidade 
                      e de distrito. Adriana acredita que, dessa forma, a definição 
                      de perímetro urbano está subordinada a ideia que a linha 
                      que separa o urbano do rural. “Por isso insisto que não 
                      representa a realidade de um modo satisfatório, uma vez 
                      que os interesses políticos, econômicos e tributários podem 
                      prevalecer no momento de sua demarcação”, questiona.
                     
                    Avô vira ‘paizinho’