Decisão
inédita do Ministério da Justiça, do início de março de
2010, que determinou à Fiat a realização de um recall para
troca do cubo de rodas traseiras do veículo modelo Stilo,
fabricado a partir de 2004, além de uma multa no valor de
R$ 3 milhões, foi baseada em laudo técnico emitido pelo
professor Itamar Ferreira, da Faculdade de Engenharia Mecânica
(FEM) da Unicamp. A determinação acontece na sequência de
expressivos recalls feitos por grandes montadoras, entre
as quais a Toyota e a Honda. Contratado pela empresa Cesvi
(Centro de Experimentação e Segurança Viária), Ferreira
analisou três peças sinistradas e seis equipamentos novos
produzidos tanto com ferro fundido nodular quanto com aço
forjado. Foram feitos estudos comparativos de propriedades
mecânicas e, principalmente, de micromecanismos de fratura
dos dois materiais. O laudo apontou que o risco de falha
com o ferro fundido é muito grande, simplesmente porque
ele tem menor resistência à fratura. “Isso foi mostrado
quantitativamente. É óbvio que se as dimensões do cubo fossem
diferentes e se houvesse controle sobre outras variáveis
de projeto, o risco de fratura diminuiria”, afirmou o docente.
Contrariando laudos e relatórios
emitidos pela própria Fiat e por institutos e laboratórios
como Inmetro, IPT e PowerBurst, que não apontavam falha
nos cubos de rodas, Ferreira considera que deu dois passos
significativos a mais para chegar à sua conclusão. O primeiro
deles é uma crítica à parte da literatura da área que faz
uma confusão em termos de micromecanismos de fratura. “Na
verdade, fazem uma confusão de fratura como um todo”, disse.
O que existe de fato são aspectos macro e microscópicos
de fratura e os laudos das instituições acabaram baseando-se
numa mistura deles. Segundo Ferreira, o Departamento Nacional
de Trânsito (Denatran), responsável pela contratação do
Cesvi, considerou esse fato “bastante interessante” porque
toda a argumentação da Fiat, assim como das outras instituições,
apontava na mesma direção, ou seja, do aspecto da fratura.
“Conseguimos mostrar que havia uma confusão para, depois,
desfazê-la”, garantiu.
O segundo passo foi apontar
que os laudos não tinham considerado a questão da mecânica
propriamente dita. A montadora, de acordo com Ferreira,
muito provavelmente utilizou o mesmo processo de fabricação
e as mesmas técnicas do cubo de aço forjado para o de ferro
fundido. Para o docente, isso aumenta muito o risco de fratura
do material. “Eles não consideraram também a montagem do
rolamento, que gera um campo de tensões normais de tração
que se soma algebricamente com os esforços devido ao uso.
Isto é, logicamente, importante”, atestou.
Desde 2008, segundo Ferreira,
quando surgiu pela primeira vez um processo na justiça movido
por uma das vítimas de acidente com o Stilo, a Fiat negou
terminantemente, por 13 vezes, fazer o recall. Pelos cálculos
da montadora, a peça estava correta e, mais do que isso,
ela se apoiou numa série de laudos de instituições que tem
uma história considerável de trabalhos técnicos na área
de análise de falha. E com base nesses laudos, não havia
como a justiça atuar, uma vez que não estava apontada com
clareza a necessidade de um recall. A partir daí, o Ministério
Público (MP) formou uma comissão de especialistas que, após
análise do processo, apontou que eventualmente poderia haver
um problema, no entanto, não conseguiu resolvê-lo. Foi nesse
momento que o MP solicitou ao Denatran a resolução do caso.
“Chegando até nós, conseguimos mostrar tecnicamente, com
embasamento sólido, que havia a necessidade do recall”,
assegurou o professor da FEM.
Para ele, sem sombra de
dúvidas, esse laudo vira uma importante página da indústria
automobilística no Brasil. Como houve uma decisão judicial
impondo o recall, Ferreira considera que a partir de agora
a maioria das montadoras vão se cercar cada vez mais de
cuidados para que esse tipo de problema não volte a ocorrer.
Responsável pela confecção de mais de 200 laudos técnicos,
vários deles incluindo recalls, Ferreira revela que a maioria
das montadoras no Brasil é responsável. Sempre que um problema
é detectado, imediatamente há uma iniciativa da montadora
no sentido de chamar os proprietários para fazer a substituição
da peça.
Fatos como esse servem,
principalmente, para reunir elementos e depois introduzir
melhorias nos cursos de graduação e pós-graduação, reflete
Ferreira. “Nas minhas disciplinas, não perco a oportunidade
de utilizar dados como esses, colhidos no dia-a-dia da engenharia
dos laudos, para divulgá-los aos alunos, sempre que possível”,
disse. A questão da responsabilidade técnica na engenharia,
na opinião do docente, é da maior importância. Ele garante
que procura usar as melhores técnicas disponíveis, cercando-se
de cuidados, porque isso tem consequências jurídicas sérias.
Procurado frequentemente
para esse tipo de serviço, Ferreira revela que não tem condições
nem espaço na agenda para fazer todos eles. Além disso,
lembra ele, não é este o papel da Universidade. “Não podemos
ignorar, porém, que ela depende do tripé ensino, pesquisa
e extensão. No caso da Engenharia, a extensão refere-se
a trabalhos como este que, de certa forma, levou o Denatran
a apontar a necessidade do recall”, concluiu.