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Acessibilidade em sistemas de informação
é avaliada por método desenvolvido no IC
Engenheiro de computação
cria alternativa mais barata, rápida e fácil de aprender
Um dos problemas mais recorrentes nos métodos tradicionais
de avaliação de acessibilidade na internet é que eles são
muito demorados. Em média, um processo de avaliação que
emprega checkpoints leva pelo menos cerca de uma hora,
isso para uma única página. Assim sendo, teoricamente
um site que possua 100 páginas despenderá a princípio 100
horas de trabalho do especialista para avaliá-lo em sua totalidade,
pois não havia – até agora – um método de avaliação
mais eficiente. Diz-se que não havia, pois em sua tese de
doutorado, defendida no Instituto e Computação (IC) e orientada
pela professora Heloísa Vieira da Rocha, o doutorando Eduardo
Tanaka conseguiu chegar a uma melhor alternativa para avaliação
de acessibilidade em sistemas de informação, baseada em
heurísticas, tendo como característica a possibilidade de
ser aplicado a qualquer momento da etapa de desenvolvimento.
Esse método tem-se mostrado
barato, rápido e fácil de aprender, devendo auxiliar particularmente
desenvolvedores de software que precisam avaliar acessibilidade
e pessoas com deficiências. Mas ainda não está disponível
na internet, já que o seu autor nutre a ideia, no momento,
de publicar um livro apresentando o tema para os leitores.
Alguns checkpoints
de acessibilidade, conforme Tanaka, são muito questionáveis.
É o caso daqueles que sugerem que um determinado site tenha
um mecanismo de busca ou mesmo um mapa. Ocorre que muitas
vezes isso não tem um ganho muito expressivo para a acessibilidade,
opina. Além disso, muitos desenvolvedores de software
e especialistas da área de computação se sentiam de certa
maneira intimidados com alguns destes checkpoints,
que eram sobremodo subjetivos, dando margem a interpretações
equivocadas do avaliador.
Seguramente, dos métodos
de avaliação de acessibilidade existentes, os mais adotados
hoje em dia são de longe os que adotam os checkpoints
(que se baseiam na verificação de conformidade com guias
de design acessíveis para a Web). Há também
os testes com usuários com deficiências, possíveis de serem
aplicados para avaliar sites ou softwares de maneira
geral, relata o autor da tese. Mas estes demandam, conforme
ele, também um processo muito demorado e caro, uma vez que
é preciso buscar pessoas para participar desse processo de
avaliação. “Para fazer um teste de usabilidade e analisar
se um software é fácil, ou não, de usar com usuários
sem deficiência, é recomendado de três a cinco usuários.
É fornecida, aos usuários, uma lista de tarefas para executarem
enquanto especialistas analisam se os usuários conseguem
cumprir estas tarefas”, conta.
Com usuários que têm alguma
deficiência, detalha ele, é necessário aumentar esse número.
“Se participarem dos testes um cego, um surdo e uma pessoa
com restrição motora, é muito provável que os dados não
serão suficientes. O ideal é analisar de três a cinco cegos,
de três a cinco surdos, de três a cinco pessoas com restrição
motora”, acentua Tanaka, que é engenheiro da computação.
Ainda no teste convencional,
“é preciso tentar extrair as principais tarefas que um
potencial usuário desempenharia num software”, afirma
Tanaka, “e fazer uma lista de prioridades, tentando começar
com aquelas que poderiam ser feitas em período de uma a duas
horas no máximo”. Às vezes, porém, com um só teste,
dependendo do tamanho do software, não é possível
ser avaliado por inteiro. “O problema é este. Imagine que
para cada usuário seja preciso uma hora para fazer um teste.
Para depurar os resultados de cada um, vou precisar de mais
uma hora. Se tenho 15 usuários, serão 15 horas para execução,
mais 15 horas para análise”, descreve. Este era um dos
motivos para que muitos desenvolvedores ignorassem literalmente
a avaliação da acessibilidade durante o ciclo de desenvolvimento
de software.
Tanaka comenta que, além da
quantidade de participantes, alguns materiais e métodos têm
que ser adaptados, o que os encarecem, e aumentam a complexidade
dos testes. Por exemplo, ao fazer um teste com um surdo, pode
ser necessária a presença de um intérprete de língua de sinais
e qualquer material impresso dos testes terá que ser em Braille
para os cegos.
“Com o novo método, diminuímos
o tempo e o custo de avaliação”, informa o engenheiro.
Realmente não existia no mundo um método como o desenvolvido
por Tanaka, pois era em geral voltado para a Web ou
muito atrelado aos checkpoints já existentes. Então
ainda prosseguia aquela lacuna, posto que não se conseguia
aplicá-los em outros contextos. O novo método permite avaliar
até um caixa automático de banco. O resultado da avaliação
pode ficar pronto entre uma e duas horas com o método proposto
por ele.
A base
O novo método segue basicamente cinco princípios, ou heurísticas
(ciência que se dedica à investigação e descoberta dos fatos
através da pesquisa de fontes e documentos), que ajudam especialistas
a descobrir problemas de acessibilidade. Para chegar a este
conjunto de princípios, o doutorando realizou vários testes
com usuários, sendo alguns com surdos no Centro de Estudos
e Pesquisas em Reabilitação (Cepre) “Prof. Dr. Gabriel Porto”.
Ainda procurou conversar com pessoas que frequentavam o Laboratório
de Acessibilidade da Biblioteca Central “Cesar Lattes” (BCCL),
para saber as suas principais dificuldades. Cerca de 40 deficientes
participaram dos testes.
A primeira heurística elaborada
na tese de Tanaka consiste em dar suporte a diferentes tipos
de entrada e saída – ter no seu recurso tecnológico como
utilizar o teclado e mouse sem o monitor e saber os dispositivos
de interação: um cego vai usar um leitor de telas, o deficiente
físico pode não utilizar o teclado e o mouse, e sim um teclado
virtual. A segunda é fornecer conteúdo para todos os usuários
– não adianta fazer algo muito inovador como um sistema
que você empregará somente o áudio (você fala com ele
e ouve a resposta, o que um usuário surdo não vai conseguir
utilizar). Outra coisa: hoje está muito em moda o uso de
podcasts (é uma rádio digital com programação personalizada),
que também oferece esse mesmo problema.
A terceira heurística defende
a independência de uso – não adianta colocar diversos recursos
de acessibilidade e o deficiente precisar de alguém para ligar
e configurar para ele. O próprio deficiente tem que conseguir
“ligar” e “lidar” com este tipo de recurso. A quarta heurística
diz respeito às preferências do usuário – se o usuário configurou
de uma forma o sistema para utilizá-lo com acessibilidade,
este sistema terá que seguir este mesmo rumo. Se ele configurou
o Windows para usar autocontraste de cores, por exemplo, o
sistema precisa seguir sua convenção.
Finalmente, a quinta heurística
aborda a eficiência e a interação alternativa – se o usuário
utilizar um teclado virtual ou um leitor de telas, a interação
dele tem que pensar em eficiência também. Muitas vezes estes
dispositivos alternativos não têm tanta qualidade assim. “Então
você tem que incluir no sistema algum tipo de atalho e uma
forma mais eficiente de uso”, contribui o engenheiro.
A primeira conclusão do estudo
de Tanaka, que atualmente é engenheiro de software
num instituto de pesquisas em Campinas, foi que os métodos
de avaliação atuais deixam muito a desejar. A segunda é
que o novo método pode ser utilizado para avaliar qualquer
recurso tecnológico, não ficando apenas restrito a um site
na Web ou a um software. “O ideal é que,
em qualquer lugar que haja interação entre uma pessoa com
deficiência e um recurso tecnológico, ele consiga ser aplicado”,
salienta.
A terceira conclusão envolve
a questão de custos. Comparado com outros métodos de avaliação
de acessibilidade, certamente um método que demora menos
tempo e que exige menos de aprendizado das pessoas será um
método mais barato, ainda que Tanaka não tenha dimensionado
a economia que ele traria. “Esperamos que este tipo de método
seja utilizado pela indústria e desenvolvedores de software”,
frisa Tanaka, que tem mestrado e doutorado obtidos na área
de Ciência da Computação da Unicamp.
Software
No mestrado, Tanaka trabalhou
no redesign de um software que começou a ser
concebido na sua iniciação científica e com o qual trabalha
desde 2000 – o HagáQuê, um editor de histórias em quadrinhos.
“Percebíamos nesse processo de redesign do HagáQuê
para acessibilidade que a avaliação era demasiadamente demorada.
Eu fazia uma mudança no software e não tinha como
utilizar os checkpoints, as guidelines, por
serem voltadas à Web. Aí precisava sempre recorrer
aos testes”, conta. A cada mudança era preciso chamar usuários.
Às vezes eles não eram encontrados ou diziam que podiam
atender somente em outro dia.
Por essa razão, o engenheiro
tomou uma decisão muito importante: desenvolver um método
para avaliar acessibilidade que não necessitasse dos usuários.
Já existiam iniciativas semelhantes a essa – os checklists
aplicados por especialistas – e também padrões para orientar
o design acessível, voltados principalmente para conteúdo
na Web. Mas “eles têm algumas restrições, são
demorados e caros. Não são aplicáveis a outros softwares
fora da Web, que era o caso do HagáQuê”, revela.
Para Tanaka, a acessibilidade
deve ser entendida dentro de um amplo contexto. Não adianta
ter um software acessível e na prática dar um teclado,
um mouse e um monitor para um usuário cego utilizar. “O
mouse ele provavelmente não vai conseguir empregar, assim
como o monitor”, esclarece.
Depois de lançada a primeira
versão do software HagáQuê, algumas escolas de educação
especial começaram a obtê-lo. Sabidamente alguns problemas
impediram os alunos deficientes de fazer uso efetivo dele.
Surgiu então a proposta de efetuar um redesign do
HagáQuê para melhorar sua acessibilidade, que se tornou
o estudo de mestrado do engenheiro.
Nesse projeto, o pós-graduando
esbarrou na avaliação de acessibilidade, que era muito custosa.
Havia muitos checkpoints que não eram aplicáveis
ao HagáQuê, outros complexos. Tanaka também comprovou isto
quando ministrava aulas sobre acessibilidade. Quando ensinava
sobre os checkpoints, os alunos manifestavam muitas
dificuldades.
Os checkpoints atentam,
entre outros assuntos, para o usuário empregar uma linguagem
mais simples e mais clara possível; optar pelas versões
mais recentes de codificação para a internet (que é o HTML);
e escolher sempre as tecnologias da W3C, o órgão que propôs
estes checklists. “Por que uma apresentação em
PDF não pode ser acessível, por exemplo? Por que não se
trata do padrão da W3C”, responde Tanaka. “São questões,
no entanto, muito sujeitas à contestação”, garante. O
Consórcio World Wide Web (W3C) é uma comunidade internacional
que desenvolve padrões com o objetivo de capacitar o crescimento
da Web.
Quanto tempo os desenvolvedores
estimavam que iriam gastar para avaliar uma página com os
checkpoints? “Algumas pessoas diziam que iriam precisar
de até seis horas. Eu preciso de uma hora porque sou especialista”,
aponta Tanaka. O fato de ter se envolvido com a causa dos
deficientes foi, para ele, um caminho natural. O redesign
do HagáQuê abriu estas portas. O doutorando esclarece que
sempre gostou de histórias em quadrinhos e que dificilmente
perdia a leitura dos festejados gibis principalmente da Turma
da Mônica e do avarento Tio Patinhas.
Publicação:
Tese de doutorado “Método baseado em heurísticas
para avaliação de acessibilidade em sistemas de informação”
Autor: Eduardo Tanaka
Orientadora: Heloísa Vieira da Rocha
Unidade: Instituto de Computação (IC)
Financiamentos: Capes, Fapesp e CNPq
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