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Acordes em rede
Obra eletroacústica composta
por professor e aluno estreia na capital dinamarquesa
Quatro
agentes – dois músicos e dois computadores – promovem
no palco a interação de som, imagem e tecnologia. Isso é
TraMa, obra eletroacústica cuja estreia ocorrerá
dia 19 de maio, no “Re-new: Digital Arts Festival” de
Copenhague, na Dinamarca. A obra foi composta pelo professor
Jônatas Manzolli, do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação
Sonora (Nics), em parceria com o músico César Traldi, que
defendeu recentemente sua tese de doutorado no Instituto de
Artes (IA) da Unicamp.
Manzolli explica que TraMa
não é uma concepção musical feita para um conjunto de
imagens ou vice-versa, mas sim uma rede de informações em
que o gesto musical emitido por dois instrumentistas é captado
por dois computadores capazes de mesclar o som emitido com
as imagens produzidas em tempo real. “É o entrelaçamento
de informações audiovisuais por meio dos quatro agentes.
A proposta poética do trabalho é que temos o espaço cênico,
de performance e, neste espaço, dois intérpretes trocam
informações com o computador e entre si, formando uma rede.
A obra é a informação compartilhada por todos”, explica
Manzolli.
O
professor informa que em TraMa o gesto musical se renova
a cada execução e, assim, os sons e as imagens projetadas
nunca serão as mesmas. Ele acrescenta que a partitura, na
música eletroacústica, é transferida para o objeto sonoro
gravado, mas em vez de ir para o estúdio gravar a obra finalizada,
o compositor a deixa aberta para que os processos que seriam
usados no estúdio sejam transferidos ao palco no momento
da performance. “É como se o estúdio eletrônico fosse
transferido para o palco. É por isso que eu, como compositor,
participo da performance. É como se eu tivesse ampliando
este suporte”, acrescenta. TraMa é uma mostra de
que a música eletrônica caminha na direção de um outro
suporte dinâmico e não somente da gravação, para permitir
o entrelaçamento entre os agentes.
No palco, durante 30 minutos,
os agentes dialogam, planejando e trocando novos gestos e
sinais, provocando uma interação permitida só mesmo com
os avanços da tecnologia e da música eletroacústica, que,
para Manzolli, teve início com o tapete interativo, em 2003,
em que o toque dos pés de uma bailarina produzia sons e imagens.
O tapete continua fazendo parte dos concertos e tecnologias
inovadoras como o espaço-instrumento “Prisma”, criado
por Cesar Traldi, usado na obra TraMa como captador
de gestos musicais produzidos em vários instrumentos de percussão,
entre eles o tom-tom, os pratos, o tamborim, o pandeiro e
a gran cassa. Na peça, o tapete captura os gestos percussivos,
sem que o instrumentista precise tocar a pele ou a superfície
do instrumento de percussão. “Queremos levar a sonoridade
dos ritmos brasileiros na performance”, acrescenta Manzolli.
Neste espaço cibernético,
as sonoridades dos instrumentos de percussão não são somente
amplificadas, pois o computador é o agente responsável por
extrair as características da dinâmica (forte, fraco, rápido,
lento), cada movimento dá origem a novos sons e a novas imagens.
Som e imagem também se modificam quando o instrumentista toca
a parte metálica do instrumento ou se ele utiliza a baqueta
dura ou mole.
Na peça, além do ambiente
Prisma, Manzolli criou e utiliza o sistema computacional “GYorGY”
inspirado na obra “Poema Sinfônico para 100 metrônomos (aparelhos
utilizados para controlar o andamento da música)”, do compositor
Gyorgy Ligeti. Em uma breve explicação no Nics, ele demonstrou
como Ligeti imaginou uma nova concepção musical ao utilizar
os metrônomos como instrumentos musicais e descrever a partitura
por meio de um processo mecânico.
Sensores
A
brasilidade instrumental também é lembrada num sistema criado
pelo pesquisador José Fornari, do Nics, desenvolvido para
a interface do Wii Nintendo. As baquetas são substituídas
por sensores que, ao capturarem e controlarem a sonoridade
de instrumentos virtuais, mimetizam sonoridades com a do berimbau
e a dos chocalhos. Dando continuidade à demonstração, Manzolli
movimenta a interface do jogo no ritmo de um berimbau, obtendo
a sonoridade do instrumento.
As imagens foram concebidas
pelo próprio compositor, com a criação de outro programa de
computador inspirado no conceito da xilogravura (criação de
gravuras em relevo a partir de uma matriz), no qual gráficos
representam curvas e texturas criadas anteriormente. Durante
a performance, gravuras digitais aparecerão sequencialmente,
controladas em tempo real, mudando as cores e as formas. “Dependendo
de como o instrumentista toca, a figura pode aparecer redonda,
abaloada ou côncava”, explica.
Na sua complexidade, segundo
Manzolli, a obra concilia os trabalhos que são desenvolvidos
em conjunto no Nics. “Tem meu trabalho como compositor,
mas tem também o trabalho de Fornari, que faz a interface,
e os alunos”, realça. Os trabalhos são desenvolvidos com
a participação de estagiários e alunos que atuam no Núcleo,
entre eles Danilo Herrera, Paulo Sachs e Adriano Claro Monteiro,
que participaram do desenvolvimento tecnológico que possibilitou
a criação de TraMa.
Para
Manzolli, TraMa é uma mostra de que a música eletroacústica
amplia o espaço de atuação do músico. “Com este avanço
tecnológico, queremos trazer uma nova geração para apreciar
esse tipo de obra. E até mesmo abrir diferentes oportunidades”.
A obra será uma das atrações
musicais do “Re-new: Digital Arts Festival”, mas a preocupação
da organização do evento, segundo Manzolli, foi reunir o
que há de mais avançado na arte digital, independentemente
do gênero artístico. Alguns artistas selecionados para o
evento farão intervenções nas ruas de Copenhague com grandes
paineis virtuais, segundo o músico. “O festival reúne
todas as manifestações artísticas, e fomos convidados para
estrear TraMa na sessão musical do programa”, informa
Manzolli.
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