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MANUEL
ALVES FILHO
A transformação do vidro, processo que encanta as pessoas
desde a descoberta do material, foi o ponto central da dissertação
de mestrado da artista plástica Fernanda Casari, apresentada
ao Instituto de Artes (IA) da Unicamp. Paralelamente ao tema,
a pesquisadora também investigou aspectos da alquimia, prática
que remonta ao ano de 4.500 a.C. e teve seu auge na Idade
Média, empregada para tentar obter a pedra filosofal, com
a qual, acreditava-se, seria possível transmutar um metal
menos nobre em ouro ou produzir o elixir da juventude. O trabalho
científico culminou com uma exposição dos objetos concebidos
por Fernanda na Galeria de Arte da Unicamp. A orientadora
da pesquisa foi a professora Lygia Eluf.
A autora da dissertação explica
que a transformação do vidro é um assunto que sempre lhe despertou
interesse, e que a acompanha de maneira mais intensa desde
a graduação. De acordo com ela, o material pode ser alterado
de várias formas. Uma técnica conhecida e que costuma encantar
as pessoas é a que utiliza o sopro para dar forma à massa
vítrea. “No caso da minha pesquisa, optei pelo uso do forno.
Também decidi fazer inclusões de metais entre placas de vidro
circulares, para ver como os materiais se relacionavam”, conta.
Dito de maneira simplificada, Fernanda criava “sanduíches”,
tendo o pão representado pelas placas de vidro comum e transparente,
e o recheio pela tela de aço inox modelada, papel alumínio,
arame, cascalho de cristal, entre outros. Tal técnica é denominada
de vitrofusão.
A pesquisadora também usou
esmaltes para dar cor às peças. “Trabalhei com até quatro
placas de vidro. A temperatura do forno ficou em torno de
800 graus. O interessante é que é possível imaginar o que
vai acontecer com os materiais, mas não se pode ter controle
total sobre o processo e, consequentemente, sobre o resultado.
O trabalho exige um pensamento construtivo, mas o acaso sempre
aparece. De certa forma, é bastante instigante trabalhar com
o imprevisível”, explica. E o inesperado realmente aconteceu,
como relata Fernanda. Segundo ela, alguns vidros explodiram,
outros se deslocaram e houve materiais, como o arame, que
não se fundiram ao vidro como desejado.
Todavia, diz a autora da
dissertação, mesmo o que poderia ser considerada uma falha
abriu perspectivas para novas criações. “Ainda que desse errado,
a transformação me ajudava a imaginar outras possibilidades
de uso das camadas de vidro”, esclarece. A maioria das peças
produzidas, conforme Fernanda, teve como recheios o papel
alumínio, que oxidava o esmalte e proporcionava diferentes
texturas, e a tela de aço inox. Ao final da queima, que durava
perto de duas horas, estes últimos ficavam encapsulados entre
as placas de vidro, gerando objetos com formatos, cores e
texturas distintos. Uma construção poética, como define a
própria artista plástica. “O acaso está presente, mas a pesquisa
foi exatamente para controlar a técnica e alcançar resultados
estéticos e poéticos desejados. Acredito que consegui isso,
mesmo tendo ‘conversado’ algumas vezes com o acaso.”
Juntamente
com o trabalho de transformação do vidro, Fernanda também
investigou questões ligadas à alquimia, assunto com o qual
teve contato por ocasião da sua graduação em História. “Eu
procurei desviar minha pesquisa das abordagens esotéricas.
Assim, fui buscar informações principalmente em historiadores
e em tratados alquímicos, que remontam aos séculos XIV ao
XVII. O interessante é que cheguei a depoimentos dos próprios
alquimistas. Descobri, inclusive, que existem alquimistas
contemporâneos, principalmente franceses, que fizeram publicações
sobre seus trabalhos”.
Para a alquimia, destaca
Fernanda, as transformações partem normalmente de minerais
metálicos. Os alquimistas antigos acreditavam que, a partir
da transmutação desses materiais, seria possível chegar à
pedra filosofal. Ademais, prossegue a pesquisadora, os conhecedores
dessa prática tratavam em seus escritos, de forma metafórica,
das fases da obra. Ou seja, descreviam como a matéria se transformava.
“Eu fiz o meu tratado pessoal a partir do vidro e das imagens
que surgiram da vitrofusão. Para mim, o aspecto fundamental
foi a relação dos planetas com as pedras. Para os alquimistas,
os planetas possuem metais correspondentes. As pedras são
as matérias-primas para os metais, e possivelmente é o que
os alquimistas realmente viam”, afirma.
Fernanda revela ter um gosto
especial por imagens tecnológicas, que podem ser de astros
do universo ou de elementos nanométricos. “A partir do acesso
a essas tecnologias, passamos a ampliar o nosso conhecimento.
A observação das fases da obra, da transformação da matéria,
é algo pequeno e contido, mas ativa igualmente a imaginação.
Em outras palavras, é algo que nos permite criar um universo
simbólico, que por sua vez é traduzido pelas imagens alquímicas.
Com isso, criamos entendimentos sobre a formação da matéria,
do universo e da nossa relação com tudo que nos cerca”, considera
a autora da dissertação.
Exposição
Como parte da dissertação,
Fernanda expôs os objetos que criou e os elementos com os
quais trabalhou na Galeria de Arte. Ela conta que o principal
objetivo da exposição era demonstrar os processos de pesquisa
e de criação artística. Na entrada do espaço, ela ofertou
aos visitantes o seu diário de laboratório, no qual registrou
os desenhos e materiais que empregou para a produção das peças.
“Também exibi objetos pequenos que representavam o início
da pesquisa, com os quais revelava os testes feitos com esmaltes
e com os formatos dos suportes. Além disso, outros nove trabalhos,
todos circulares, representaram uma construção mais pessoal”.
Ela também exibiu duas séries
principais, compostas por sete trabalhos cada uma. Estes estavam
focados em temáticas alquímicas, na relação da matéria prima
com os planetas correspondentes. “Para os alquimistas, cada
planeta tem um metal correspondente. Eu relacionei o planeta,
seu metal correspondente alquímico e o mineral de extração
deste metal para a criação dos objetos da série ‘Planetas
Minerais’. A partir de imagens de planetas, feitas por sondas
espaciais, e de minerais de onde viriam esses metais, eu fiz
minhas interpretações”, relata.
A segunda série foi intitulada
‘Fases da Obra’. Para compô-la, Fernanda fez uso dos relatos
dos alquimistas, que tratam sobre as fases da obra. Ela trabalhou
com dois alquimistas principalmente: Nicolas Flamel, que viveu
no século XVI e XV, e Fulcanelli, que morreu no início do
século XX. Dos trabalhos deles, selecionou as descrições que
fizeram da matéria em transformação durante a execução da
pedra filosofal. Eles relataram, por exemplo, como eram as
cores, que serviam como marcos importantes para verificar
se a transformação estava dando certo.
“Essas descrições normalmente
eram feitas por meio de metáforas. Por hipótese: amarelo como
a flor do pessegueiro na primavera. Quanto à matéria-prima
para a execução da pedra, cada alquimista tinha a sua. A pedra
filosofal é o resultado do equilíbrio e harmonização das forças
dos quatro elementos presentes na matéria-prima. Entretanto,
isso nos remonta à Grécia antiga. Na época, os gregos sugeriram,
um após outro, várias formas de composição da matéria. Aristóteles
em IV a. C. une estes séculos de pensamentos. Ele propõe que
tudo é feito por quatro elementos (terra, água, ar e fogo)
que possuem propriedades específicas. Para ele, estes elementos
compõem as coisas da Terra. O que muda é a proporção dos quatro
elementos que cada material tem”, detalha a autora da dissertação.
Publicação
Dissertação:
“Alquimia e vidro. Espaços e limites entre matéria e imaginação”
Autora: Fernanda Casari
Orientadora: Lygia Eluf.
Unidade: Instituto de Artes (IA)
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