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Para além da ancestralidade
Laboratório de Arqueologia Pública ‘Paulo Duarte’
estimula o diálogo entre a ciência e a comunidade

A arqueologia, ciência que estuda o passado humano por meio dos vestígios materiais deixados por nossos ancestrais, não é um tema restrito apenas a quem cursou a carreira na universidade. Qualquer pessoa, independentemente do grau de instrução ou condição social, pode contribuir para a construção do conhecimento arqueológico. No Laboratório de Arqueologia Pública “Paulo Duarte” (LAP), ligado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Unicamp, diversas atividades e programas estimulam a sociedade a participar do avanço desse saber. “A arqueologia pública está interessada em estudar como a sociedade percebe os objetos relacionados com a sua história. Isso pode envolver desde uma comunidade mais ampla, como os habitantes de uma cidade, até uma mais localizada, como os moradores de um bairro”, explica Aline Vieira de Carvalho, coordenadora do LAP.

De acordo com ela, o laboratório atua em duas vertentes. Uma delas compreende a reunião de um grupo de pesquisadores, professores e alunos para investigar os aspectos políticos da arqueologia. Eles estão interessados em compreender como as materialidades são utilizadas e como os variados grupos de interesse estão envolvidos com o passado e o presente. “Nós contamos com várias pessoas que pensam a arqueologia e em como ela pode levar a questionamentos políticos”, afirma Aline. A outra vertente está ligada ao trabalho com a comunidade. Uma das atividades nesse segmento é dirigida aos alunos das escolas públicas de Campinas, dentro do Programa de Iniciação Científica Júnior (PICJr), mantido pela Pró-Reitoria de Pesquisa (PRP) da Universidade.

Anualmente, o LAP recebe seis estudantes para desenvolver, durante um ano, ações que os fazem tomar contato com os métodos científicos. A intenção é fazer com que eles se interessem tanto pela ciência de modo geral, quanto pela arqueologia, de maneira particular. “Nós temos trabalhado com esses jovens a ideia de que o mundo material não é natural. Ou seja, as pessoas criam as coisas sempre com alguma intencionalidade. Não é por acaso, por exemplo, que na escola as carteiras dos alunos ficam dispostas em fileiras e a mesa do professor fica localizada à frente, algumas vezes em plano superior. Trata-se de uma representação da relação de poder existente naquele espaço. Ao trabalharmos essa percepção com esses jovens, nós também trabalhamos a ideia de que é possível alterar esse mundo, que é possível construir alternativas”, detalha a coordenadora do LAP.

Conforme Aline, quando se fala que a arqueologia também contempla questões políticas, o que se pretende é pensar os aspectos ligados ao poder e abrir as discussões para um público mais amplo. “A ideia não é transmitir o conhecimento ou divulgar a arqueologia simplesmente. O objetivo é construir junto com esses estudantes um conhecimento crítico; é estabelecer um diálogo acerca dos acontecimentos relacionados à sociedade em que eles vivem. Essa característica diferencia o LAP de outras instituições do gênero, que estão mais voltadas ao trabalho técnico. Aqui, nós também desenvolvemos trabalhos técnicos, mas o espaço é aberto ao público”, reforça a pesquisadora. O professor Pedro Paulo Funari, pesquisador sênior do laboratório e coordenador do Centro de Estudos Avançados (CEAv) da Unicamp, assinala que a primeira premissa do diálogo com a comunidade é que professores e pesquisadores não são detentores da verdade. “A universidade produz conhecimento, e ele tem imensa relevância social. Todavia, não podemos desconsiderar que as pessoas também possuem saber”, pondera. O docente informa, ainda, que o LAP mantém parcerias com empresas particulares, voltadas à realização de trabalhos com as comunidades. Nesse caso, os artefatos arqueológicos encontrados antes ou durante a execução de obras públicas ou privadas são encaminhadas à unidade, que se encarrega de fazer a limpeza, identificação e catalogação.

Em muitos casos, prossegue Funari, o acervo pode retornar às comunidades de origem, por meio de autorização especial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Em 2008, nós participamos de um projeto no Xingu nesse sentido. Depois de realizarmos os trabalhos técnicos, os objetos encontrados numa aldeia indígena voltaram ao local de origem, sob a gestão da comunidade. Esse trabalho mereceu um prêmio concedido pelo Iphan. Trata-se de um ótimo exemplo de arqueologia social”, considera. Atualmente, o LAP está analisando patrimônios arqueológicos retirados da área do Porto de Santos. A tendência, antecipa Funari, é que eles sejam igualmente devolvidos para o uso da comunidade. “Nós também estamos recebendo para análise peças retiradas da área onde está sendo construída a Linha Amarela do Metrô, em São Paulo”, completa Aline.

Além dessas ações, o LAP desenvolve um importante trabalho no plano acadêmico, seja por meio da condução de algumas linhas de pesquisa, seja por meio da oferta de cursos e palestras que contam com a participação de especialistas nacionais e internacionais. Atualmente, a unidade mantém um programa de pós-graduação sobre arqueologia pública, único do Brasil sobre o tema, ministrado no Nepam. Ademais, ao longo de 2010 a unidade recebeu os professores Lourdes S. Dominguez e Gabino La Rosa Corzo, ambos arqueólogos cubanos, além dos também docentes Lúcio Menezes (UFPel-RS), Cláudio Carlan (UNIFAL-MG), Margarida Maria de Carvalho (Unesp/Franca); Renata Garrafoni (UFPR) e Mary Beaudry (Universidade de Boston, EUA). Atualmente, Lourdes Dominguez está de volta ao laboratório. Ela oferecerá cursos e fará conferências relativas à arqueologia. Informações detalhadas poderão ser conferidas no site do LAP (www.nepam.unicamp.br/nepam/lap).

O LAP desenvolve, ainda, outras ações relevantes. A unidade publica a Revista de Arqueologia Pública, no formato digital, que é a única do gênero no Brasil e a segunda no mundo. O próximo número sairá em outubro. “Nós também temos diversos livros publicados. Brevemente, vamos lançar uma obra tratando dos patrimônios em museus na América Latina. A organização está sendo feita pela Aline, pelo professor Camilo Vasconcelos, da USP, e por mim. A previsão é que esteja pronta no segundo semestre de 2012. Além disso, também vamos lançar, provavelmente no primeiro semestre do ano que vem, um livro chamado ‘Arqueologia de Contato’, que foi organizado pela Aline, pela professora Lourdes Dominguez e por mim. A obra vai tratar do encontro dos europeus com os indígenas e africanos”, antecipa Funari.

Paulo Duarte

O LAP foi batizado com o nome de Paulo Duarte, em homenagem ao professor, político e intelectual brasileiro. Um dos fundadores da Universidade de São Paulo (USP), ele fez oposição aos regimes dos presidentes Washington Luiz e Getúlio Vargas. Com o Golpe de 37, foi exilado, período em que travou contato com humanistas franceses e norte-americanos, estes preocupados com a situação dos indígenas. “Ao retornar ao Brasil, com o fim da era Vargas, Paulo Duarte veio com a intenção de criar o Museu do Homem Americano, no caso o indígena. O projeto era baseado no Museu do Homem, de Paris, que tem por tema o ser humano. Na USP, ele criou uma comissão de pré-história, que mais tarde se transformaria no Instituto de Pré-História. Essa unidade foi responsável por trazer ao Brasil, a partir da década de 50, os primeiros arqueólogos acadêmicos, que eram franceses. Os seguidores destes também vieram ao país e deram início à arqueologia científica por aqui. Foram eles que treinaram os primeiros arqueólogos brasileiros, entre eles a Niéde Guidon, que é muito conhecida pelo público”, relata Funari.

O acervo particular de Paulo Duarte, composto por livros e uma série de documentos, foi doado à Unicamp e está abrigado no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL). “Nós criamos um projeto de pesquisa que envolve alunos de graduação e também do ensino médio que está baseado justamente nesse acervo. O foco do estudo é o patrimônio. Trata-se de uma relação importante do trabalho do laboratório com a obra do Paulo Duarte, visto que ele defendia a valorização das comunidades. O dado interessante desse trabalho é o fato de os alunos secundaristas se apaixonarem pelo Paulo Duarte. Eles se identificam muito com o perfil questionador dele”, diz Aline.



 
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