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Estudo revela necessidade de testes
respiratórios em portador de HIV
Fisioterapeuta avaliou a função
pulmonar de 79 pacientes no HC
ISABEL
GARDENAL
O estudo de mestrado da fisioterapeuta
Ana Isabela Morsch Passos, que avaliou a função pulmonar de
79 pacientes portadores do vírus da Aids, atendidos no Hospital
de Clínicas da Unicamp, mostrou a necessidade de se instituírem
ambulatorialmente os testes de manovacuometria (uma medida
de força muscular respiratória), e o de espirometria (uma
medida de fluxos e volumes pulmonares). “Isso porque atualmente
eles não são oferecidos de rotina como os exames de sangue,
de urina e de glicemia”, sugere a pesquisadora. No trabalho,
pouco mais da metade da amostra (cerca de 52%) de pacientes
teve força muscular reduzida (inspiratória e expiratória),
evidenciada por esses exames, ainda que a investigação, que
parte da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), indicasse 90%
dos portadores do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) fazendo
uso de antirretrovirais. O medicamento tenofovir foi apontado
como fator de risco por reduzir sobretudo a capacidade expiratória.
A coleta de dados foi feita no período de maio de 2009 a julho
de 2010.
Outro resultado significativo
da dissertação revelou a relação do tabagismo com quase todas
as variáveis de perda de função pulmonar, como a variável
‘relato de tabagismo’ e ‘maior tempo de tabagismo’ (em anos).
“Foram encontrados inclusive outros estudos em que esse fator
interferiu até na mortalidade de alguns avaliados”, menciona
Ana Isabela. “Isso é algo muito preocupante.” Uma das medidas
que poderiam amenizar a questão, cogitada por ela, seria interromper
o tabagismo ao aderir à terapia antirretroviral.
No estudo, a frequência de
uso do tabagismo foi maior para as mulheres (35%) do que para
os homens (14%). Ficou claro que os pacientes com maior tempo
de tabagismo, avalia a mestranda, tiveram maior risco de alteração
em seus parâmetros espirométricos (que envolvem volumes pulmonares,
ou seja, alguns parâmetros de capacidade vital forçada e volume
expiratório forçado). Além disso, aqueles com maior risco
cardiovascular também exibiram alteração no exame de espirometria.
Os antirretrovirais surgiram
na década de 1980 para impedir a multiplicação do vírus da
Aids no organismo. Apesar de ainda não debelá-lo, esses medicamentos
ajudam o sistema imunológico e aumentam o tempo e a qualidade
de vida de quem possui esta doença. Atualmente no Brasil,
onde são distribuídos gratuitamente, 200 mil pessoas fazem
uso deles.
De acordo com a pesquisadora
– orientada pela docente da FCM Maria Luiza Moretti e pela
fisioterapeuta Evelyn Regina Couto –, o paciente com o HIV
é acompanhado a cada três meses no Hospital de Clínicas (HC),
em conformidade com um protocolo hospitalar, e é por meio
dos exames que o médico verifica a necessidade de uso da terapia
medicamentosa. Ela explica que a perda da força muscular tem
duas consequências mais imediatas: a diminuição na capacidade
de tossir e a de realizar a higiene brônquica, para promover
a eliminação de secreções retidas nas vias aéreas.
Impactos
Foram selecionados para o
estudo 79 pacientes infectados pelo HIV em atendimento ambulatorial
nas disciplinas de Infectologia do HC. Destes, apenas 73 fizeram
o teste de manovacuometria, isso em decorrência de erro técnico
do aparelho. Cinquenta e quatro fizeram o teste de espirometria
e 48 ambos os testes. Eles foram avaliados no dia da consulta
ambulatorial e na mesma ocasião passaram pelo teste da manovacuometria.
Após essa avaliação, 54 pacientes foram encaminhados para
o Laboratório de Espirometria para fazer o teste, que somente
ocorreu depois de agendarem nova data. A maioria dos pacientes
atendidos foi do sexo masculino (48 homens contra 31 mulheres),
e o tempo médio da infecção pelo HIV foi de nove anos.
Conforme Ana Isabela, hoje
a sobrevida de um paciente com Aids é bem maior do que há
algumas décadas, desde que com acompanhamento adequado. Controlado
o estado imunológico com medicamentos, a ideia é passar por
exames trienalmente a fim de observar a taxa de linfócitos
e de carga viral. “Assim, ele fica menos suscetível a contrair
infecções oportunistas”, comenta. “E terá condições de levar
uma vida normal, embora com consequências, na mais das vezes
em razão dos próprios antirretrovirais, que causam náuseas,
diarreias e lipodistrofias”, descreve.
Se existem alguns efeitos
colaterais para o paciente que faz uso de medicamento, imagine
para aquele que não faz. O que acontece é que o vírus se multiplica,
e a carga viral vai ficando aumentada. Em geral, esse paciente
pode adquirir deficiência imunológica e se tornar sujeito
a várias infecções respiratórias e do sistema nervoso central
(SNC). Na pior das hipóteses, pode evoluir para um quadro
de insuficiência respiratória e precisar de entubação.
A proposta de avaliação da
mestranda foi sondar a função pulmonar desses pacientes em
acompanhamento ambulatorial pois, sabendo o seu estado, haveria
melhores oportunidades de direcionar o tratamento. “Se já
se sabe que o grupo em uso do antirretroviral tenofovir tem
menor força muscular expiratória, então é possível encaminhar
esse grupo para um programa de reabilitação pulmonar, um aliado
na prevenção e na cura”, esclarece a autora do trabalho.
Percorrendo a literatura
então, Ana Isabela percebeu que a função pulmonar do paciente
infectado pelo HIV era afetada por diversas condições clínicas
como o próprio HIV, o uso de antirretrovirais, as infecções
pulmonares oportunistas e do SNC, etc. Deste modo, o seu estudo
parecia relevante para ser detalhado. Ao conhecer a alteração
no pulmão desse paciente, isso permitiria proporcionar-lhe
boas condições de tratamento e de atuar num futuro desconforto
respiratório e nos sintomas respiratórios por meio de uma
intervenção mais precoce.
A pesquisadora expõe que são
escassos os trabalhos abordando o assunto no mundo. No país,
encontrou apenas um, feito com pacientes ambulatoriais e desenvolvido
na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Nele foram incluídos
somente 33 indivíduos do gênero masculino. O estudo da mestranda,
do tipo corte transversal, não somente foi mais amplo em sua
casuística mas também envolveu mais variáveis. Acaba de ser
aceito para publicação na Revista Respiratory Care, uma das
mais conceituadas da área de Pneumologia.
Fora do país, ela encontrou
apenas um estudo pontuando a manovacuometria e um número razoável
de pesquisas ligadas às variáveis de espirometria, particularmente
norte-americanas e europeias. Ana Isabela acredita que a sua
maior contribuição foi conceber a primeira investigação conclusiva
da população brasileira. “Agora, temos certeza de que os nossos
pacientes têm um défice de força e nas funções muscular e
pulmonar. Seria muito interessante que fossem encaminhados
a um serviço de reabilitação pulmonar, porque assim atuaria-se
mais na queda da função pulmonar, nesse desconforto respiratório
e na qualidade de vida”, justifica Isabela, que é graduada
pela Faculdade São Lucas, de Porto Velho, RO, e especialista
em Fisioterapia Respiratória e Cardiovascular, além de Fisioterapia
em UTI de Adultos. A pesquisadora concluiu o mestrado pelo
Departamento de Clínica Médica e acaba de ser contratada para
trabalhar na UTI de Adultos da Unicamp. A sua dissertação
faz parte do Programa de Pós-Graduação em Clínica Médica,
linha de pesquisa de Infectologia, e contou ainda com a colaboração
do médico Silvio Rezende, do Laboratório de Função Pulmonar
de Procedimentos Especializados.
No HC
A maioria das transmissões
do HIV atualmente acontecem pela relação heterossexual, sendo
os transmissores predominantemente do sexo masculino. No caso
das crianças, a transmissão vertical é seguida ao longo de
toda a gestação e no momento do parto de mães sabidamente
com o vírus da Aids. A atuação profissional de um fisioterapeuta
do HC vai desde o atendimento preventivo na rotina ambulatorial
desses pacientes – que podem ser encaminhados para um Ambulatório
de Fisioterapia Respiratória e também para a Enfermaria de
Moléstias Infecciosas, onde esses pacientes estão em uso de
ventilação não invasiva ou entubados em ventilação invasiva
– e até mesmo nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), onde
os pacientes infectados pelo HIV são recebidos normalmente
com doenças oportunistas. O atendimento a esse paciente é
feito diariamente na Unicamp.
Publicação
Tese: “Avaliação
de parâmetros funcionais respiratórios em pacientes adultos
infectados pelo HIV”
Autora: Ana Isabela Morsch Passos
Orientadora: Maria Luiza Moretti
Coorientadora: Evelyn Regina Couto
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
Financiamento: Faepex
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