LUIZ
SUGIMOTO
O
Ministério da Saúde divulgou em março uma lista com 71 espécies
de plantas medicinais que servirão de base para o desenvolvimento
de remédios a serem oferecidos à população brasileira via
e úlceras, e outro do guaco, para tosses e gripes. A expectativa
é de se chegar a oito medicamentos até o final de 2009.
Entretanto, a fim de agregar ao sistema de saúde novos
remédios obtidos de matérias-primas vegetais, o governo
depende de pesquisas da academia que indiquem as plantas
potenciais, bem como a parte a ser utilizada (caule, folha,
semente, fruto) e os parâmetros de toxidade. “Da lista de
71 espécies, é certo que possuímos mais de 50 em nossa coleção,
muitas já estudadas ou em estudo”, afirma a engenheira agronômica
Glyn Mara Figueira, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas
Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.
Glyn Figueira é curadora da Coleção de Plantas Medicinais
e Aromáticas (CPMA) da unidade, que reúne aproximadamente
800 espécies (com mais de 2 mil indivíduos). “Quando se
fala em coleção, pensa-se em herbário, onde são depositadas
amostras secas. Na verdade, trata-se de um conjunto de coleções.
Temos plantas conservadas em condições ex situ (vivas, mas
fora do local de origem) e in vitro, além de bancos de sementes
e de DNA. Algumas espécies potenciais estão no banco ativo
de germoplasmas (BAG) com vistas a melhoramento genético”.
Para ficar apenas no topo da lista do ministério, já foram
ou são estudadas pelo CPQBA, quanto à produção de matéria-prima
para fitoterápicos, as espécies Alpinia spp (colônia), anti-hipertensivo;
Aloe spp (babosa), no combate à caspa, calvície e lendia
de piolhos, e como antisséptico e cicatrizante; Arrabidaea
chica (crajirú), para afecções da pele; Baccharis trimera
(carqueja), hepatoprotetor; e Cordia verbenacea, como anti-inflamatório.
Todas as informações sobre as 800 espécies estão compiladas
em um banco de dados que, como informa Glyn Figueira, acaba
de ser aprovado para inserção na rede virtual Interamericana
de Informações sobre Biodiversidade (Iabin), com direito
a recursos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para
a digitalização dos dados nos moldes internacionais. “Apresentei
projeto à Iabin para adequar a linguagem à rede, o que vai
permitir que nosso banco de dados seja acessado pelos demais
integrantes”.
Segundo a pesquisadora, a coleção do CPQBA está credenciada
no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Ministério
do Meio Ambiente). Também faz parte da rede Species Link,
criada no âmbito do Projeto Biota/Fapesp para integrar a
informação primária sobre biodiversidade que está em museus,
herbários e coleções microbiológicas, disponibilizando-a
na Internet. “Uma preocupação é com os custos para manter
as coleções. A entrada em redes facilita a obtenção de recursos
para isso”.
A curadora da CPMA explica que, além da conservação e ampliação
das espécies, é necessária a sua avaliação tanto morfológica
como genética. “Com isso, evitamos o custo de guardar dois
genótipos iguais, o que por vezes acontece, mesmo quando
coletadas em regiões diferentes. Da mesma forma, uma planta
in vivo e ex situ (viva e retirada da floresta) precisa
de cuidados para manter-se viva, bem como as sementes, que
preservamos e plantamos para verificar se são viáveis fora
do seu ambiente”.
Selvagens
O Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos
foi lançado pelo governo apenas em dezembro de 2008 e, como
atenta Glyn Figueira, a oferta de medicamentos pelo SUS
exige a implementação de toda uma cadeia: sementes disponíveis,
tecnologia de produção e produtores. “O programa vai criar
uma demanda e impulsionar o setor dos fitoterápicos, que
continuam inacessíveis à maioria da população. No entanto,
em termos de melhoramento, estamos em fase inicial, com
muitas plantas ainda no estágio selvagem e que precisam
ser domesticadas”.
A engenheira recorre ao exemplo da Cordia spp, a popular
erva baleeira, incluída na lista do ministério por suas
propriedades anti-inflamatórias. “No campo, a Cordia floresce
e solta sementes durante seis meses no ano, como forma de
garantir a espécie. Em outro extremo, temos o milho, cuja
semente não cai sozinha da espiga e que depende do homem
para gerar um descendente. É esta uma das diferenças entre
a planta selvagem e a domesticada”.
Mesmo os fitoterápicos derivados do guaco (Mikania spp),
em vias de ser fornecido via SUS, ainda pedem o aprimoramento
da matéria-prima para que os laboratórios oficiais comecem
a produzi-los. “Nessa semana, recebemos um pesquisador da
Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] convidando o CPQBA a participar
da definição das melhores áreas de plantio, visando à produção
de um xarope de guaco padronizado, a partir de planta certificada
e no teor correto”.
Tanto o guaco como a espinheira santa (Maytenus spp), de
acordo com a pesquisadora, estão no banco de germoplasmas
da CPMA e têm sido objeto de pesquisas para seu melhoramento.
“Esse trabalho é importante porque não queremos que a matéria-
prima para os fitoterápicos venha do extrativismo, que leva
à extinção de espécies e problemas ambientais. Além disso,
é difícil manter a padronização com plantas de origem não-cultivada,
já que não teremos certeza quanto a suas características”.
Carga genética
No viveiro de mudas do CPQBA, Glyn Figueira mostra alguns
dos 60 acessos de menta ali preservados, incluindo o poejo
(Mentha pulegium) e a hortelã (Mentha spp), listados para
o SUS. “As mentas possuem basicamente o óleo essencial,
que já é bastante estudado, estando presente em produtos
como pasta de dente, gomas de mascar e cosméticos. Quanto
ao uso medicinal, o poejo, por exemplo, tem atividade expectorante;
outras, contra a verminose”.
A engenheira explica que as plantas se cruzam com facilidade
e, por isso, são mantidas em vasos separados. “Se deixadas
no campo, elas se misturam, tornando difícil separar as
espécies. Mesmo em uma espécie, há variação genética, dependendo
do local de origem da planta. O que buscamos é justamente
eliminar a variação devida ao ambiente, mas não apenas isso,
pois registramos diferenças na espécie inclusive num mesmo
local. É como nós, que vivemos no mesmo ambiente, mas cada
qual com a carga genética recebida do pai e da mãe”.
Fórum na Unicamp
Neste momento de expectativa por um aumento da demanda por
matérias-primas ativas vegetais, a engenheira Glyn Figueira
informa sobre um fórum de agronegócio na Unicamp, no dia
27 de agosto, organizado pelo CPQBA, Instituto de Biologia
(IB) e Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética
(CBMEG). Tema: “O uso da biodiversidade e a repartição de
benefícios”. “Vamos discutir a legislação e tudo o que é
necessário para seguirmos nesses estudos”.
Segundo a curadora do CPMA, a Unicamp atualmente discute
o encaminhamento de uma solicitação institucional para realização
de pesquisas em biodiversidade junto ao Conselho de Gestão
do Patrimônio Genético, que rege todo o acesso ao patrimônio
genético. “Diversas unidades da Universidade atuam nessa
linha de pesquisa e precisamos estar atentos às que preveem
a repartição de benefícios quando o uso da biodiversidade
está associado a um conhecimento tradicional”.
O
que guarda a CPMA
A Coleção de Plantas Medicinais
e Aromáticas é constituída de um banco de germoplasma
vegetal (sementes, culturas in vitro, plantas
cultivadas in vivo, herbário e banco de DNA)
com finalidade de preservação, pesquisa, programas
educacionais e disseminação de coleções. Sua
equipe cuida da preservação, domesticação e
aclimatação das espécies e do desenvolvimento
de tecnologia de cultivos potenciais.
Banco
de sementes
As sementes das espécies de plantas medicinais
são previamente secas em estufas e armazenadas
a 5ºC. Bancos de germoplasmas são unidades conservadoras
de material genético de uso imediato ou com
potencial de uso futuro, onde não ocorre o descarte
de indivíduos (acessos) – diferentemente das
coleções de trabalho, em que se elimina o que
não interessa ao melhoramento genético. Há os
bancos de base – em que se conserva o germoplasma
em câmaras frias (-20°C)– e os bancos ativos,
que estão mais próximos ao pesquisador para
intercâmbios e plantios para sua caracterização.
Preservação in vitro
A
cultura de tecidos vegetais tem várias aplicações
práticas utilizadas amplamente na agricultura,
destacando-se a clonagem de plantas, o melhoramento
genético e a produção de mudas. A cultura de
tecidos in vitro consiste, basicamente, em cultivar
em tubos de ensaio segmentos de plantas como
gemas, fragmentos de folhas e raízes. A técnica
permite obter de centenas a milhares de plantas
idênticas, que depois são retiradas dos tubos,
aclimatadas e levadas ao campo para que se desenvolvam
normalmente.
Conservação
in vivo
A conservação in vivo serve para proteger desde
espécies silvestres e formas regressivas até
espécies cultivadas. Aplicada à espécie silvestre,
procura-se conservar a planta fora do seu centro
de origem diante das mudanças geradas no processo
evolutivo de domesticação. A condução de plantas
permite observações importantes, como época
de florescimento, crescimento vegetativo, produção
de sementes, viabilidade das sementes, visitação
de insetos, ocorrência de pragas e doenças,
influência de fatores ambientais e biologia
da reprodução.
Herbário
É
uma coleção composta por exemplares de plantas
secas com flores, frutos e sementes montados
em cartolina ou preservados em líquidos fixadores
e amostras de madeiras. Podem ser de herbáceas,
arbustos ou árvores. No herbário é possível
obter informações a respeito da morfologia,
sistemática, distribuição geográfica, habitat,
taxonomia e utilidade das plantas. Muitas das
espécies preservadas são provenientes de locais
onde a vegetação foi perturbada ou totalmente
devastada.
Banco de DNA
Em bancos de DNA são estocados materiais genéticos
para estudos posteriores, como de filogenia
molecular, variabilidade populacional e de técnicas
de identificação de espécimes. Oferece potencial
de longo prazo, por exemplo, para bioprospecção
de genes de interesse biotecnológico, médico
ou farmacêutico. Esses bancos ganham importância
também no fornecimento de subsídios para conservação
de espécies sem interesse econômico imediato.
|
|