Estudos abrangem todos os segmentos
do ensino, do fundamental ao superior
LUIZ
SUGIMOTO
Quão
motivados estão os alunos brasileiros para aprender?
A professora Evely Boruchovitch vem conduzindo estudos sistemáticos
para responder a esta questão desde que chegou ao
Departamento de Psicologia da Faculdade de Educação
(FE) da Unicamp, em 1995. "Uma das metas da educação
nos dias atuais é a autorregulação,
oferecendo estratégias ao aluno, desde o início
de sua escolarização, para que ele se responsabilize
pelo próprio processo de aprendizagem. Uma variável
chave nesse processo é a motivação.
Nosso grupo trabalha para mapear a motivação
dos alunos em todos os segmentos do ensino, desde o fundamental
até o superior".
A linha de pesquisa desenvolvida dentro do Grupo de Pesquisa
e Estudos em Psicopedagogia (Gepesp) vem resultando em dissertações,
teses, artigos e em livros já com várias edições.
Outro fruto importante é o financiamento obtido junto
à Capes - em edital nacional de intercâmbio
interinstitucional Procad de janeiro de 2007 - do projeto
"Motivação no contexto escolar: uma proposta
de investigação para a Educação
básica", atualmente sob coordenação
geral da docente da FE.
Evely Boruchovitch trabalha desde o início com os
professores José Aloyseo Bzuneck e Sueli Edi Rufini
Guimarães, ambos do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Educação da Universidade de
Londrina. "Com os recursos obtidos pela Capes, estamos
promovendo o intercâmbio de alunos e professores entre
as duas instituições, com pesquisas que começam
a transcender a coleta de dados regional, estendendo-a para
outros estados. Entre outros aspectos, o projeto está
possibilitando a aproximação e o fortalecimento
das pesquisas de cinco docentes da Faculdade de Educação".
Educadores consideram a motivação do aluno
como uma variável importante do processo ensino-aprendizagem,
sob a justificativa de que o rendimento acadêmico
não pode ser explicado apenas por conceitos como
inteligência, condição socioeconômica
e contexto familiar. "No momento, não existe
uma única teoria que seja compreensiva e que dê
conta da questão da motivação para
o aprendizado, e sim miniteorias".
A pesquisadora da Unicamp explica que uma das miniteorias
trata da motivação intrínseca e a extrínseca.
"O aluno intrinsecamente motivado realiza a tarefa
pelo simples prazer, porque se interessa por ela e se satisfaz
verdadeiramente com a atividade em si. Já o aluno
extrinsecamente motivado, a executa por causas externas,
como o medo de punições, o desejo de reconhecimento,
de obtenção de recompensas, ou ainda por julgá-la
necessária, embora não goste dela".
Se, no Brasil, ainda são poucos os trabalhos sobre
a motivação no contexto escolar, os esforços
envidados por Evely Boruchovitch vêm contribuindo
para a consolidação da investigação
deste tema na FE, relacionando-o com idade, gênero,
série escolar, afetividade, desempenho acadêmico,
entre outros aspectos relevantes para a aprendizagem autorregulada.
"Particularmente, agora estou preocupada com a formação
de professores. Se esse aluno, que será um futuro
professor, adota estratégias motivacionais disfuncionais
e não tem oportunidade de revê-las durante
a sua formação, isso vai, certamente, refletir
quando estiver na sua sala de aula".
Segundo a docente, a motivação para aprender
é mediada por crenças, que podem ser modificadas
tanto em alunos do ensino fundamental como em futuros professores.
"Diria que, infelizmente, temos muito a remediar na
área da educação e que vários
problemas motivacionais são confundidos com dificuldades
de aprendizagem. Professores com uma formação
teórica sólida e com boas estratégias
de automotivação poderiam promover a motivação
intrínseca ou adequada do aluno em sala de aula.
É por isso que estamos investindo nesta área,
tomando-a como promissora. Temos que ter um enfoque preventivo".
Modelo
Na opinião de Evely Boruchovitch, entre as várias
maneiras de promover uma boa motivação, a
principal é que o próprio professor se coloque
como modelo de pessoa que gosta do que faz. "Ele precisa
modelar essa paixão. Outro caminho é o tipo
de retorno que ele oferece, por exemplo, quando o aluno
lhe entrega um trabalho. O feedback deve ser corretivo e
informativo, apontando o problema detectado, mas também
contendo orientações claras sobre como fazer
para o aluno alcançar a meta".
A pesquisadora acrescenta que os professores precisam aprender
a monitorar o nível de dificuldade da tarefa, promovendo
a cultura da qualidade. "Se o professor faz o aluno
pensar que algo é impossível, certamente vai
desmotivá-lo; o impossível paralisa. A tarefa
fácil demais é igualmente desmotivante. O
aluno deve ser convencido de que o desafio proposto é
passível de ser realizado, mas que para isso é
necessário se engajar e despender esforço".
Outra estratégia importante, conforme a docente,
é pensar e atribuir tarefas que tenham um valor para
o aluno, em lugar de questões irrelevantes e destituídas
de sentido. "Muitas vezes, nem o professor sabe para
quê está ensinando aquilo. Quando o aluno acredita
na importância de um conteúdo, nem que seja
para conseguir um emprego no futuro, seu interesse vai aumentar.
Tudo pode ser ensinado de maneira que o estudante enxergue
um elo com a sua vida".
Evely Boruchovitch ressalta ainda a necessidade de transformar
a sala de aula em um ambiente acolhedor, despertando no
aluno o sentimento de pertencimento. "É fundamental
a capacidade do professor de criar um ambiente onde a criança
se sinta fazendo parte, legitimando e nunca desmerecendo
a sua dúvida, o seu pedido de ajuda, impedindo o
deboche entre uma e outra. No fundo, a motivação
não é apenas uma característica pessoal
do aluno, é também mediada pelo professor,
pela estrutura de sala de aula, pela cultura da escola".
Pesquisas
De acordo com a coordenadora da linha de pesquisa, um desdobramento
importante é a construção e a validação
de um conjunto de instrumentos nacionais - escalas, pranchas,
entrevistas - na área de avaliação
psicoeducacional, a fim de mensurar a motivação
para a aprendizagem. "Uma constatação
interessante é que a motivação intrínseca
prevalece entre os alunos em todos os níveis de escolarização.
Eles reconhecem o valor do estudo, contrariando o discurso
dos professores de que estão desmotivados. Creio
que, na verdade, não se tem sabido motivá-los
bem".
Outro fator de desmotivação dos alunos, na
visão dos professores, é a chamada progressão
continuada implantada pelo governo do Estado de São
Paulo a partir de 1997, que determina a aprovação
automática em seis das oito séries do ensino
fundamental. "O detalhe é que, entrevistadas,
as crianças das séries iniciais simplesmente
não sabiam o que era progressão continuada.
Então, como poderiam estar desmotivadas por causa
dela?"
É verdade, também, que os dados colhidos nas
pesquisas indicam um declínio da motivação
intrínseca à medida que se avança na
escolarização. "A criança pequena
é mais intrinsecamente motivada, naturalmente, já
que apresenta bem menos chance de se abalar com fracassos.
Um aluno mais velho vai despender mais ou menos esforço
dependendo da concorrência, de quanto seu ego está
ameaçado. Conforme vai se avançando na escolaridade,
vai se ressignificando os fracassos, que passam a ter peso
maior".
Como observa Evely Boruchovitch, as condições
ambientais tornam alunos adolescentes mais extrinsecamente
motivados, com mais ênfase nas notas e menos na aprendizagem.
"Há um conjunto de estímulos muito grande
competindo com a sala de aula. Isto exige maior criatividade
do professor, que deve propor situações que
não se limitem ao decoreba e explorem a energia e
a criatividade deles - adolescentes são bons solucionadores
de problemas. Não há quem suporte quatro horas
de aula expositiva, muito menos nessa idade".
Livros gerados na linha pesquisa
As pesquisas realizadas pelo Grupo de Estudos em Psicopedagogia
(Gepesp) sobre autorregulação da aprendizagem,
com ênfase na motivação, já resultou
em dois livros organizados pelos professores Evely Boruchovitch
e José Aloyseo Bzuneck, publicados pela Editora Vozes.
A mesma editora tem no prelo um terceiro título,
referente à motivação voltada para
aplicações educacionais, a ser lançado
em janeiro de 2010. A docente da Unicamp também organizou,
em coautoria, pela Editora Alínea, um livro sobre
as causas que os alunos atribuem para o sucesso e fracasso
nas tarefas escolares.
A
motivação do aluno (2009)
Na 4ª edição, o livro apresenta
as principais teorias sobre a motivação
(e desmotivação) escolar, além
de estudos relacionados com a autoeficácia
de professores, que é outra variável
motivacional. Mostra as linhas de pesquisa atuais
mais produtivas, duas delas sobre a realidade brasileira
neste campo. Indicado para orientadores educacionais,
supervisores e diretores de escolas, e interessados
em psicopedagogia.
|
Aprendizagem
- Processos psicológicos e o contexto social
na escola (2004)
Um livro que trabalha a questão da autorregulação
e de estratégias de aprendizagem. Dois capítulos
abordam a motivação dos alunos nos contextos
de cooperação e de competição.
É dirigido a profissionais da área de
Educação interessados em aprofundar
seu conhecimento acerca dos processos intraindividuais
e sociais da aprendizagem no contexto escolar.
|
Dificuldades
de aprendizagem no contexto psicopedagógico (2007)
Em sua quinta edição, o livro também
é organizado por Fermino Fernandes Sisto, Lucila
Diehl Tolaine Fini, Rosely Palermo Brenelli e Selma
de Cássia Martinelli. É uma coletânea
de estudos que procura dar conta da diversidade que
caracteriza a psicopedagogia em relação
ao trato de dificuldades de aprendizagem, no qual é
abordada a relação entre problemas motivacionais
e dificuldades de aprendizagem. Sugerido para estudantes
e profissionais da área.
|
A
Teoria da Atribuição da Casualidade
(2004)
O livro é um importante
referencial teórico que permite compreender as
causas atribuídas pelos alunos para o sucesso
e o fracasso em tarefas escolares, e suas consequências
em termos de motivação na aprendizagem,
emoções e desempenho acadêmico.
Os problemas educacionais brasileiros vêm gerando
um amplo conjunto de estudos, mas pouco tem sido feito
no sentido de compreender o fracasso escolar do ponto
de vista dos alunos.
|