Jornal da Unicamp – Quais são as principais
diretrizes do 17º Cole?
Norma de Almeida Ferreira – O Cole vem, insistentemente,
a cada ano, apesar das diferenças, lutando pela discussão
das questões referentes à leitura no Brasil, tanto do ponto
de vista das políticas públicas –colaborando e criticando
– como também dos projetos e experiências fora e dentro
da escola. Nosso interesse é contribuir para a qualidade
do ensino da leitura e a formação de leitor no país. Portanto,
o objetivo principal é divulgar a produção sobre leitura
e sobre a formação de leitor no país, socializando e divulgando
o que tem sido produzido.
JU – Essa linha de atuação já estava presente
no 1º Cole?
Norma de Almeida Ferreira – Sim, já estava na primeira edição
do evento, realizada em 1978. Desde então, insistentemente,
temos colocado com muita ênfase a importância da formação
de um tipo de leitor que passa pela discussão da leitura
como produção de conhecimento. Leitura não é apenas lazer
e entretenimento. Ela é uma prática fundamental para o conhecimento
do homem, de si mesmo e de suas relações com a sociedade,
promovendo determinadas atitudes e formas de comportamentos,
valores e significados que se configuram como constitutivos
daquele que lê.
JU – Em que medida o Cole colaborou com a formulação
de políticas públicas na área da leitura?
Norma de Almeida Ferreira – Temos tidos a
preocupação de trazer, para o Cole, não só pesquisadores
e educadores, mas representantes de órgãos públicos que
são colocados em contato com o público e com os congressistas.
Esses representantes são, invariavelmente, pensadores e
executores de políticas públicas. Temos, também, tradicionalmente,
as moções que são encaminhadas às entidades como resultados
dos debates e das discussões que ocorrem no âmbito de cada
eixo temático. É um modo de participar da formulação de
políticas públicas.
Por outro lado, a ALB vem sendo sistematicamente convidada
a participar como representante na discussão de projetos
na área da leitura e do livro. Recentemente, por exemplo,
estive representando a ALB no Colegiado Setorial do Livro
e Leitura, do MEC, que organiza a questão da produção e
recepção dos livros no país. Somos também convidados para
participar de cursos de formação, publicamos livros e revistas
sobre assuntos ligados à área de leitura, dos livros em
sua interface com a educação e cultura, etc.
JU – Levando-se em conta esses 30 anos de Cole,
como a senhora vê a evolução das discussões acerca da leitura
no país?
Norma de Almeida Ferreira – As primeiras
edições foram marcadas pela preocupação em se criar um espaço
para reflexão sobre a leitura. Era tudo muito disperso,
e praticamente inexistiam associações e fóruns de discussão
dedicadas ao tema. Eram poucas também as pesquisas e publicações
na área. A época era de muita efervescência e anseio por
ares mais democráticos e por uma sociedade mais justa. Não
podemos perder de vista que tudo isso era abafado pela ditadura.
O índice de analfabetos batia na casa dos 30%, sem dizer
da evasão escolar e da repetência. O livro era – embora
ainda continue – um objeto estranho e caro para a grande
maioria da população. O primeiro Cole pregava que o livro
precisava chegar aos leitores, que nós, brasileiros, precisávamos
ler para colaborarmos na transformação do país que queríamos.
Ao longo do tempo, o Cole continuou insistindo nessa bandeira,
uma vez que o desafio ainda está aí, mas o evento ampliou
sobremaneira essa discussão. No início, o senso comum apontava
que o brasileiro não lia. Aos poucos, sobretudo na década
de 90, houve uma outra perspectiva que foi acrescentada
a essa percepção. Ela mostrava que o brasileiro podia ler,
mas “não lê o quê?”. Podia até ser que ele lesse, mas não
o livro de literatura ou uma obra mais complexa. Nós sabemos
que o brasileiro lê, mas continua não tendo acesso a alguns
tipos de livros. Estamos insistindo na formação desse leitor,
sobretudo nas últimas edições.
JU – De que maneira?
Norma Ferreira de Almeida – A prática de leitura não é universal,
tampouco abstrata, como também não é um ato individual.
Eu não leio qualquer coisa, de qualquer jeito; eu não produzo
significado e sentidos apenas na relação direta com aquilo
que leio. Produzo significados, valores no interior das
próprias práticas culturais da leitura,com as quais me deparo
no dia-a-dia. Discutimos agora também sobre a democratização
das práticas de leitura. Investimos na formação de um leitor
que aposte na diversidade, que leia obras de diferentes
matrizes e para diferentes finalidades, desenvolva habilidades
diversas, modos de ler.
Sabemos, por meio de pesquisas, que as habilidades cognitivas
de leitura mudam conforme o ambiente e a plataforma, que
os significados atribuídos à leitura são construídos na
prática da leitura que contempla as condições de produção:
o que leio, onde, por que etc. Quando lemos na tela, por
exemplo, desenvolvemos determinadas habilidades e sentidos,
e com o livro, outros.
É importante enfatizar que a gente aprende essas práticas,
não nasce sabendo. Apostamos no ensino e na aprendizagem
para a formação de um leitor cuja amplitude e domínio de
práticas sejam cada vez maiores. São muitas as comunidades
de leitores e nos tornamos leitores do jeito que somos à
medida que pertencemos, fazemos parte delas
JU – E quanto ao livro didático?
Norma
de Almeida Ferreira – Na década de 1970, quando o Cole foi
criado, criticava-se muito o material didático produzido.
Depois, a partir da década de 90, até por interferência
do Cole e de outras instâncias de discussão acadêmica, o
mercado editorial dos livros mudou muito, produzindo um
material buscando atender a outras necessidades.
JU – E no campo da formação do educador, quais
foram os maiores avanços?
Norma de Almeida Ferreira – O Cole, ao longo de sua história,
sempre esteve muito aberto ao educador. Sempre discutiu
o cotidiano escolar, dialogando com os professores. Trata-se
de uma diferença muito importante no que diz respeito a
outros congressos com maior exigência acadêmica, no sentido
de acolher apenas pesquisas já desenvolvidas e finalizadas,
por exemplo. Para efeito de comparação, vamos ter 2.182
trabalhos apresentados, que serão divididos e debatidos
em pequenos grupos em sessões de comunicações espalhadas
por diversas unidades da Unicamp. Temos 113 pareceristas
e todos os resumos foram lidos e avaliados, no mínimo, por
dois especialistas. O número de inscritos, no último dia
7, já havia chegado em 5,2 mil.
JU – Que avaliação a senhora faz da prática
da leitura no país?
Norma de Almeida Ferreira – Eu acho que ainda falta um mutirão
e um projeto mais coletivo e coerentemente organizado voltado
para a educação do leitor. As dificuldades com a leitura
que enfrentamos não podem ser atribuídas como individuais,
culpa do professor, do aluno, do brasileiro que não lê.
É preciso olhar para a produção das políticas públicas pautadas
nas práticas culturais em que circulam e promovem a leitura.
Falta um maior investimento por parte do governo para que
as escolas possam discutir, criar, pensar projetos coletivamente
com seus próprios profissionais; falta por parte dos governos
em diferentes instâncias, além de investimento na formação,
de fato, dos professores, que são os mediadores desse processo.
Carecemos também de mais bibliotecas públicas e escolares
– e aí a formação dos bibliotecários também tem um grande
peso.
As políticas públicas têm contemplado o envio de livros,
mas estes têm permanecido fechados nas escolas, seja por
falta de funcionários nas bibliotecas, seja por medo que
os professores têm no que diz respeito ao sumiço das obras.
Falta um projeto comum que reúna governos e escolas.
Quando pensamos na instituição escolar, avalio que as práticas
de leitura ainda deixam muito a desejar. Já quando penso
na prática de leitura do brasileiro de um modo geral, acho
que provavelmente o brasileiro lê mais do que as estatísticas
mostram, percepção esta compartilhada pela direção da ALB.
Em resumo: tenho a ressaltar que as práticas de leitura,
infelizmente, ainda estão pouco disseminadas – e o preço
do livro colabora para esse estado de coisas. É preciso
tornar o livro mais acessível – é uma guerra que precisa
ser travada com as editoras. Seguindo essa linha de raciocínio,
os aparelhos culturais também precisam estar mais próximos
do público, tanto nos custos como geograficamente. O livro
e os espaços culturais são objetos distantes do leitor.
Para saber mais: www.alb.com.br/17cole
Continua
nas página 6, 7 e 8