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CARTA

IC e Imecc

Senhores Editores,

Por sugestão do prof. Jayme Vaz Jr., diretor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc), fomos entrevistados, em setembro de 2008, pelo jornalista Paulo Cesar Nascimento, que estava preparando um livro sobre os 40 anos do Imecc. A nossa conversa foi muito agradável e muito informal. Fizemos questão de contar de maneira a mais completa possível a história do Bacharelado em Ciência da Computação e do antigo Departamento de Ciência da Computação no contexto daquele Instituto, bem como da sua transformação no atual Instituto de Computação (IC). O último número do Jornal da Unicamp (434) traz na capa uma referência a este livro, com publicação de matéria a respeito na página 4. Começamos a ler o texto com muito interesse, pois a história do IC confunde-se em parte com a do Imecc. Entretanto, à medida que fomos lendo, o nosso interesse transformou-se em desgosto. O artigo contém erros, imprecisões e insinuações pejorativas sobre vários fatos históricos e é francamente preconceituoso em relação ao IC. Comentaremos abaixo alguns destes problemas.

O jornalista Paulo Cesar Nascimento fez um excelente trabalho, sem distorção dos fatos históricos. Apesar de algumas pequenas imprecisões naturais, o autor transmitiu de maneira bastante fiel e completa as informações que lhe foram passadas. Além disto, os outros fatos históricos relativos ao Imecc estão apresentados de maneira bastante imparcial, citando as opiniões diversas dos docentes daquele Instituto. Na realidade, o livro constitui uma leitura muito interessante e agradável para os antigos docentes ligados ao Imecc e para todos que se interessam pela história da Unicamp.

Infelizmente, a resenha não faz justiça ao conteúdo do livro. O autor da resenha pinçou algumas afirmações fora do contexto, embaralhou outras e insinuou a existência de conflitos que não aconteceram. Por outro lado, não há dúvida que um artigo no Jornal da Unicamp que, inclusive, é acessível pela Internet, será lido por muito mais gente do que o livro completo. Assim, a impressão transmitida pela resenha em questão tenderá a ser considerada a verdadeira história resumida do Imecc, o que seria lamentável. Gostaríamos de comentar algumas das afirmações da resenha, equivocadas ou fora do contexto.

A primeira é a avaliação do papel do prof. Rubens Murillo Marques, criador do Imecc. A resenha minimiza os seus méritos, claramente expostos nos capítulos iniciais do livro, mas pinça apenas algumas afirmações sobre a "A Grande Crise" (capítulo 7 do livro). A resenha informa que o prof. Murillo negou-se a atender as reivindicações de um grupo de docentes que visavam melhorar as condições para o desenvolvimento de pesquisa. Ainda segundo a resenha, esta divergência foi agravada por problemas particulares enfrentados pelo prof. Murillo. Uma leitura mais cuidadosa do livro revela que a crise foi bem mais complicada. É verdade que havia divergências quanto à condução do Instituto, mas aconteceu um outro fato muito importante que determinou a renúncia do prof. Murillo: o tal "problema particular" explicado na página 71 do livro. Em 1970, o Prof. Murillo foi preso por ter abrigado, na sua residência, a pedido do físico Ernst Hamburger da USP, um casal considerado "subversivo" pelo regime então vigente. Com esta acusação, o posterior processo instaurado contra o prof. Murillo e sua subsequente prisão, o então reitor da Unicamp, prof. Zeferino Vaz, não pôde mais dar sustentação ao prof. Murillo que acabou afastando-se da direção do Imecc. Na verdade, foi feito um acordo, o prof. Murillo pediria demissão da direção do Imecc, o inquérito seria arquivado, e o prof. Murillo seria libertado da prisão. O resumo apresentado pela resenha é uma afronta aos méritos do prof. Murillo.

Um outro fato é o erro que a resenha comete ao atribuir a criação do Bacharelado em Ciência da Computação ao prof. Ubiratan D'Ambrósio, sucessor do prof. Murillo na direção do Imecc. O bacharelado foi criado em 1969, quando o prof. D'Ambrósio sequer estava na Unicamp. Novamente, o livro conta de maneira detalhada o histórico deste fato e o papel fundamental do prof. Murillo. A impressão é que o autor da resenha não leu o livro com suficiente cuidado.

Gostaríamos de comentar, também, a parte da resenha relativa à criação do IC. A impressão que ela transmite é que houve uma separação conflituosa através de um "movimento separatista". Novamente, conforme descrito no livro (capítulo 11), a criação foi o resultado de um processo que levou vários anos para amadurecer. O codinome do projeto de transformação do então Departamento de Ciência da Computação num Instituto, enquanto ele circulava entre os seus docentes, era "Projeto Dom Pedro II", tentando realçar que a Computação atingiu a sua maioridade, mas que não era o caso de um "divórcio litigioso", ao contrário da impressão transmitida pela resenha. (Na realidade, aqui houve um deslize no livro: o "Projeto Dom Pedro II" não era secreto.)

Finalmente, até na questão das siglas e nomes das unidades, a resenha transmite uma imagem pejorativa sobre os docentes do IC chamando-os de "dissidentes". É verdade que houve uma discussão, talvez acalorada, em torno dos nomes e das siglas (capítulo 12 do livro), mas ela foi concluída de maneira tranquila, com cada uma das partes apresentando os seus argumentos. Até mesmo uma crônica muito hilária, de autoria dos professores Jorge Stolfi e João Carlos Setúbal, foi extremamente desvirtuada. A crônica indicava que todos queriam ter no nome a palavra Computação, das unidades da Unicamp às instituições municipais, culminando com a Câmara de Campinas mudando o nome da nossa cidade para Compinas. Nem mesmo essa excelente e leve peça de humor foi poupada.

Solicitamos que estas observações sejam publicadas na íntegra no próximo número do Jornal da Unicamp, com igual destaque dado à matéria original, a fim de esclarecer os seus leitores e, inclusive, estimulá-los a ler o livro.

Atenciosamente,

Tomasz Kowaltowski e Cláudio Leonardo Lucchesi,
professores aposentados-colaboradores do Instituto de Computação

Campinas, 6 de julho de 2009


 
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