Pesquisa mostra contribuição
da educadora
para teorias formuladas por Paulo Freire
Elza
Freire, mulher de Paulo Freire, foi mais do que a companheira
de todas as horas do educador brasileiro. Como professora,
ela despertou no marido a vocação para o trabalho
com educação. Para além dessa contribuição,
também colaborou de forma decisiva para a estruturação
e sistematização da teoria do conhecimento
formulada por Freire, cujos conceitos são conhecidos
praticamente em todo o mundo. Estes e outros dados sobre
a vida e a obra de Elza Freire estão na dissertação
de mestrado intitulada "Pedagogia da Convivência
- Elza Freire: uma vida que faz Educação",
de autoria da educadora Nima Imaculada Spigolon. Segundo
ela, "é impossível discutir a história
da educação no Brasil, em particular a história
da educação de adultos, sem analisar a atuação
de Elza". O trabalho, apresentado na Faculdade de Educação
(FE) da Unicamp, foi orientado pela professora Sônia
Giubilei.
A pesquisa desenvolvida por Nima Spigolon foi classificada
como original pelos membros da banca examinadora. Dois aspectos
contribuem para esse entendimento. Primeiro, por trazer
pela primeira vez para a academia a personagem Elza Freire,
juntamente com a apresentação das fontes de
pesquisa, com destaque aos seus manuscritos e iconografias.
Até então, ela era apenas citada nos estudos
em torno da obra de Paulo Freire, em fragmentos. "O
meu interesse por Elza inicia-se na apropriação
'particular' que faço da obra de Paulo Freire, tendo
em vista fundamentar a minha teoria e prática junto
à educação de adultos, acompanhada
de outros escritos em torno do pensamento freireano. Ao
olhar mais atentamente para esses textos, percebi que Elza
era presença constante, ou seja, estava intrínseca
na obra de Paulo, ao participar de todo o processo político-pedagógico",
explica a autora da dissertação.
Outro
aspecto inédito do estudo é a apresentação
de uma teoria formulada por Nima Spigolon, batizada por
ela de Pedagogia da Convivência, que foi referendada
pela banca examinadora. Esta, de acordo com a educadora,
teria fundado as bases para o método desenvolvido
por Paulo Freire. Conforme a autora da dissertação,
"conseguimos encontrar na formação intelectual
e na atuação profissional de Elza informações
que permitiram a identificação da educadora
e de sua prática político-pedagógica,
as quais se imbricaram ao pensamento freireano, marcado
a partir do casamento. Isso denota que ao se estabelecer
a pedagogia da convivência entre Elza e Paulo Freire,
dá-se a consolidação das experiências
com educação de adultos, o que nos remete
à gênese dessa educação no Brasil".
A Pedagogia da Convivência, conforme a autora da
dissertação, foi fundamentada nas categorias
freireanas, às quais se agregaram às categorias
surgidas com a pesquisa, denominadas de elzanianas. "Essa
pedagogia tem como referência o pensar, o fazer, o
falar e o sentir. Ela parte do princípio de que a
convivência pelo encontro em si é uma relação
que, por sua natureza, requer respeito e coerência.
O que nós fizemos foi trazer essa reflexão
para o contexto pedagógico, com critério acadêmico.
Ou seja, é através dessa convivência
e dos 'saberes diferentes' que o conhecimento é compartilhado,
mediante o ensinar-aprender, pautado na amorosidade, criticidade
e principalmente na conscientização",
detalha Nima Spigolon.
O
período considerado na dissertação
vai de 1916, ano de nascimento de Elza, a 1965, data em
que ela se submete a exílio voluntário ao
lado do marido. "Pretendo dar continuidade ao estudo
em torno da vida e obra de Elza, abordando as fases em que
ela permaneceu no exterior e de seu retorno ao Brasil. Para
tanto, pretendo ampliar a discussão e a divulgação
das fontes de pesquisa, de modo a promover uma profunda
reflexão sobre o legado que ela deixou para a educação
brasileira. Elza é o meu projeto de vida no âmbito
acadêmico", adianta Nima Spigolon. Embora o trabalho
de mestrado não tenha esmiuçado a questão
da importância de Elza Freire para a educação
nacional, a autora acredita que, a partir dele, é
possível apontar contribuições da educadora
para esta área, bem como fomentar o interesse de
outros pesquisadores.
Segundo Nima Spigolon, Elza Freire foi uma das responsáveis,
por exemplo, pela inserção da arte-educação
na escola pública de Recife. Também foi uma
das precursoras na formação de professores,
trabalho que executou em Recife, Angicos, Brasília
(Plano Nacional de Alfabetização) e São
Paulo (Vila Helena Maria), ao demonstrar inovações
de práticas de ensino. "Elza dedicou sua vida
à educação. Defendia que a pessoa humana
era algo concreto e não uma abstração.
Assim, por amor e por acreditar na educação,
Elza fez de sua experiência o trabalho libertador
que se desdobrou em prol da humanidade", esclarece
a autora da dissertação.
Em razão do comprometimento e da ação
de Elza Freire no campo da educação, Nima
Spigolon assevera que é possível, sim, pesquisar
esta personagem histórica. Nesse sentido, a dissertação
demonstra como Elza influenciou e contribuiu para a teoria
do conhecimento formulada por Paulo Freire. "Assim,
para melhor compreender a obra freireana e a própria
história da educação no Brasil é
necessário se levar em conta as contribuições
de Elza". O próprio Paulo Freire, prossegue
Nima Spigolon, sempre fez questão de registrar em
seus trabalhos e escritos, ora na forma de dedicatórias,
ora nas citações, as contribuições
da esposa para o seu pensamento e a sua prática político-pedagógica.
Nessas referências, o educador reconhecia os atributos
intelectuais e humanitários da companheira. Os próprios
manuscritos de Elza, aos quais a pesquisadora teve acesso,
são reveladores da ampla e sólida formação
da personagem. "Nesse aspecto, cabe um agradecimento
especial aos filhos de Elza e Paulo Freire, que me franquearam
o acesso ao acervo da família. Eles foram muito generosos,
estenderam a mão e abriram o coração.
Mais do que disponibilizar documentos, eles compartilharam
memórias", entende a autora da dissertação.
Biografia
Elza
Freire nasceu em junho de 1916, em Recife, capital de Pernambuco.
De acordo com Nima Spigolon, ela teve uma formação
bastante sólida. Após o ensino básico,
completado em sua cidade natal, transferiu seus estudos
para Olinda, matriculando-se na Academia Santa Gertrudes,
escola confessional. Novamente em Recife, cursou a Escola
Normal, tornando-se professora em 1935. Em seguida, buscando
o aprimoramento profissional, inscreveu-se no Instituto
Pedagógico, passando de aluna a professora. Aprovada
em concurso público para a rede estadual, em 1943
exerceu o cargo de professora e diretora de escola, até
licenciar-se sem remuneração para acompanhar
Paulo Freire, com quem se casou na primavera de 1944, e
os filhos no exílio voluntário. "Elza
frequentou escolas de excelência", explica a
pesquisadora, acrescentando que ao longo da sua formação
a educadora conviveu com importantes intelectuais da época,
o que a influenciou nas práticas pedagógicas,
consolidando seu espírito crítico-solidário
por intermédio de seu compromisso com as causas humanitárias.