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Nanobiotecnologia a serviço da saúde

Projeto que integra rede nacional reunirá 50 pesquisadores do IB e da FEEC

LUIZ SUGIMOTO

O pesquisador Helder José Ceragioli opera reator em laboratório da FEEC: nanopartículas apresentam vasto potencial de uso na biologia e na medicina. (Foto:Antoninho Perri)Estudos sobre os efeitos de nanopartículas de carbono em modelos biológicos, sobretudo em relação a tumores, envolverão perto de 50 pesquisadores da Unicamp, entre docentes, pós-doutorandos, pós-graduandos e alunos de iniciação científica da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) e do Instituto de Biologia (IB). O projeto integra a Rede Nanobiotec Brasil - programa nacional que visa criar, desenvolver e implementar novos produtos e processos em nanobiotecnologia - e foi aprovado em edital da Capes anunciado no último dia 14 de maio, com financiamento de R$ 2,1 milhões.

"Na realidade, esse grupo de pesquisadores da Elétrica e da Biologia já vem atuando em conjunto há um ano e meio, com uma produtividade muito boa. Agora temos recursos financeiros para adquirir equipamentos e acelerar as pesquisas e, com base nos resultados, ampliar o projeto para outros departamentos e unidades da Unicamp. Vamos investir cada centavo na busca das soluções mais avançadas para a saúde da população", afirma o professor Vitor Baranauskas (FEEC), que coordena o projeto.

Os avanços em nanotecnologia levaram ao desenvolvimento de um novo campo de pesquisa, a nanomedicina, que visa estudar a aplicação de nanomateriais para diagnóstico e terapia de algumas condições patológicas. As nanopartículas de carbono, devido a propriedades como pequena dimensão, flexibilidade, estabilidade mecânica, inércia química, condutividade elétrica e associação com compostos biológicos, são extremamente atrativas para a bioengenharia.

Estas partículas apresentam um vasto potencial de uso na biologia e na medicina - carreadores de genes e fármacos (drug delivery), filtros bacterianos, diagnóstico molecular e no tratamento do câncer e infecções - mas pouco se sabe sobre sua ação nos sistemas biológicos in vivo. Por isso, antes de qualquer aplicação clínica, é imprescindível determinar os parâmetros farmacológicos das nanopartículas in vivo, como de distribuição nos tecidos e órgãos, o tempo de eliminação (clearance) da circulação sanguínea e, talvez o mais importante, a resposta que provocam no sistema imunológico.

A professora Leonilda Maria Barbosa dos Santos, do IB: "Resultados preliminares indicam que nanotubos impedem o crescimento do tumor". (Foto:Antoninho Perri)"A correlação de pesquisas em nanotecnologia e biologia é um foco que apenas começa a despertar no país. Temos cinco docentes do IB, de diversas especialidades, empenhados em estudar como as nanopartículas sintetizadas pelo laboratório do professor Vitor Baranauskas se comportam em determinadas células ou situações patológicas e biológicas", explica a professora Leonilda Maria Barbosa dos Santos, do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes.

O pesquisador Helder José Ceragioli, que integra a equipe de Baranauskas no Departamento de Semicondutores, Instrumentos e Fotônica da FEEC, e é responsável pela produção dos nanotubos de carbono utilizados no projeto, observa que a nanomedicina é uma área muito recente da ciência, com várias aplicações sendo estudadas. "Já chegamos a alguns resultados em ensaios relacionados com tumores e esclerose múltipla".

Na opinião do pesquisador Alfredo Carlos Peterlevitz, também da FEEC, o processo desenvolvido por Ceragioli é inovador por produzir nanotubos de alta pureza. "Analisando nanotubos de paredes simples e múltiplas disponíveis no mercado, encontramos um excesso de resíduos de elementos como ferro, cobalto e níquel, devido à utilização de muitos catalisadores. No nosso processo, por vezes nem usamos catalisadores, o que garante um grau de pureza bastante elevado".

Resultados
A investigação da equipe de Leonilda dos Santos envolverá três questões: o efeito dos nanotubos de carbono no sistema imune, se eles modificam a resposta imunológica de animais com tumor e, finalmente, se podem ajudar no combate a doenças autoimunes do sistema nervoso central, como a esclerose múltipla. "Já temos resultados preliminares indicando que esses nanotubos impedem o crescimento do tumor, de certa forma destruindo as células nas quais se interiorizam. Constatamos isso marcando nanotubos com marcadores fluorescentes".

Segundo a docente do IB, a questão que sua equipe procura responder neste estágio do projeto é se os nanotubos penetram igualmente em todas as células. "Autores sugerem que, sendo tão pequenas, as nanopartículas se interiorizam nas células, mas não de forma ativa. Entretanto, nossa sensação é de que elas produzem uma resposta imunológica e queremos demonstrar como são interiorizadas, verificando a existência de receptores de membrana para diferentes células".

Leonilda dos Santos acrescenta que estudos praticamente concluídos por suas alunas Rosemeire Florença, Juliana Sartorelli e Ana Maria Milani, e por Vânia Nunes, aluna do professor Vitor Baranauskas, apontam que os nanotubos fazem com que os tumores cresçam bem menos, controlando inclusive as metástases. "Como se vê, estamos todos preocupados em averiguar como as nanopartículas ajudam no combate a neoplasias".

Entretanto, no seu Laboratório de Neuroimunologia, a pesquisadora já chegou a uma constatação importante também em relação à esclerose múltipla. "Ao imunizarmos um animal para produzir o modelo da doença, adicionamos nanotubos de carbono na preparação e constatamos que o camundongo ficou protegido. De alguma forma, essas nanoestruturas interferem no sistema imunológico impedindo a produção da esclerose múltipla".

Ressalvando que esta pesquisa ainda é muito inicial, a docente do IB adianta que o próximo passo será observar como as nanopartículas migram para o sistema nervoso central. "Vamos rastreá-las para verificar eventuais aplicações terapêuticas, sem esquecer que estamos falando de uma doença para a qual ainda não existem cura nem tratamento eficaz, e que atinge principalmente adultos jovens".

Funcionalização
O professor Vitor Baranauskas (FEEC), coordenador do projeto: "Vamos investir cada centavo na busca das soluções mais avançadas para a saúde da população".  Foto:Antoninho Perri)No futuro, pretende-se associar um fármaco específico à nanoestrutura de carbono interiorizada em célula tumoral, trabalho de funcionalização que também fica a cargo de Helder Ceragioli. "A funcionalização implica colocar uma droga ou elemento químico compatível com o nanotubo e integrá-lo à cadeia biológica. Como trabalhamos com o material de parede múltipla, acreditamos em bons resultados devido à maior absorção do medicamento".

É nesse sentido que o professor Marcelo Brocchi, do IB, realizará estudos com Salmonella enterica, uma bactéria entérica que apresenta certo tropismo para massas tumorais. “Em função do tropismo, a multiplicação da bactéria leva à ativação de uma resposta imunológica que acaba controlando ou reduzindo o tumor. Vamos recorrer à técnica relativamente nova de associar nanotubos e Salmonella, na expectativa de potencializar este efeito”.

Alessandro Farias, pesquisador do IB, ressalta que antes da funcionalização é necessário entender como as nanopartículas funcionam nos sistemas biológicos. "Já dirigimos alguns estudos para compreender como os nanotubos de carbono agem sozinhos, a fim de obter um parâmetro zero. Conseguimos mostrar que, de alguma forma, e mesmo que o efeito pareça passageiro, as nanopartículas estimulam o sistema imunológico num primeiro momento".

Malária e iRNA
Farias informa sobre mais três trabalhos que serão desenvolvidos pelo Instituto de Biologia dentro do projeto. Um deles é dirigido pelo professor Fábio Trindade Costa, que vai avaliar a toxidade das nanopartículas sobre o Plasmodium, parasita causador da malária - doença considerada um sério problema de saúde pública. Outro, sob responsabilidade do professor Marcelo Lancellotti, estudará o efeito dos nanotubos sobre o metabolismo de bactérias patogênicas.

Segundo Alexandre Farias, as nanopartículas de carbono são promissoras para os processos de carreamento de moléculas até o núcleo celular, o que vai levar a professora Carmen Veríssima Ferreira a avaliar as propriedades que eles têm de carrear drogas e RNA de interferência (iRNA) em células tumorais in vitro. "A tecnologia do iRNA possibilita o silenciamento de genes de interesse, bloqueando a ação dos mesmos. Trata-se de um processo potencialmente eficaz no combate a tumores e doenças autoimunes e neurodegenerativas".

Em memória de Francesco Langone

Durante a apresentação de parte dos pesquisadores que integram o projeto da Nanobiotec Brasil, o coordenador Vitor Baranauskas fez questão de lembrar o nome do professor Francesco Langone, do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes do IB, que atuava nas áreas de citologia e biologia celular. “Ele, que também realizava pesquisas em neuroproteção e neurorregeneração, foi o principal responsável pela criação deste grupo reunindo pesquisadores da Elétrica e da Biologia. Faleceu no dia 1º de maio”.

De acordo com a professora Leonilda dos Santos, Langone era hábil em promover a ponte entre áreas multidisciplinares e morreu sem ver o projeto aprovado pela Capes, vitimado por um câncer que evoluiu em quinze dias. “Ainda estamos sob o impacto da sua morte e gostaríamos de homenageá-lo. Ele foi o maior responsável por este projeto que une áreas aparentemente tão díspares, como a nanotecnologia e a biologia”.

O pesquisador Alessandro Farias anuncia que brevemente será disponibilizado um site com todas as informações sobre a evolução do projeto. Desde a formação da Rede Nanobiotec no final de 2001, vêm frutificando publicações, teses e patentes em nanobiotecnologia – somente no edital de maio, foram contemplados 38 projetos, com um montante de mais de R$ 70 milhões. Os recursos devem ser aplicados em custeio e capital para a execução de pesquisas nos próximos quatro anos, bem como em bolsas de estudos de várias modalidades no Brasil e no exterior.

 
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