Projeto que integra rede nacional reunirá 50 pesquisadores do IB e da FEEC
LUIZ
SUGIMOTO
Estudos
sobre os efeitos de nanopartículas de carbono em
modelos biológicos, sobretudo em relação
a tumores, envolverão perto de 50 pesquisadores da
Unicamp, entre docentes, pós-doutorandos, pós-graduandos
e alunos de iniciação científica da
Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação
(FEEC) e do Instituto de Biologia (IB). O projeto integra
a Rede Nanobiotec Brasil - programa nacional que visa criar,
desenvolver e implementar novos produtos e processos em
nanobiotecnologia - e foi aprovado em edital da Capes anunciado
no último dia 14 de maio, com financiamento de R$
2,1 milhões.
"Na realidade, esse grupo de pesquisadores da Elétrica
e da Biologia já vem atuando em conjunto há
um ano e meio, com uma produtividade muito boa. Agora temos
recursos financeiros para adquirir equipamentos e acelerar
as pesquisas e, com base nos resultados, ampliar o projeto
para outros departamentos e unidades da Unicamp. Vamos investir
cada centavo na busca das soluções mais avançadas
para a saúde da população", afirma
o professor Vitor Baranauskas (FEEC), que coordena o projeto.
Os avanços em nanotecnologia levaram ao desenvolvimento
de um novo campo de pesquisa, a nanomedicina, que visa estudar
a aplicação de nanomateriais para diagnóstico
e terapia de algumas condições patológicas.
As nanopartículas de carbono, devido a propriedades
como pequena dimensão, flexibilidade, estabilidade
mecânica, inércia química, condutividade
elétrica e associação com compostos
biológicos, são extremamente atrativas para
a bioengenharia.
Estas partículas apresentam um vasto potencial de
uso na biologia e na medicina - carreadores de genes e fármacos
(drug delivery), filtros bacterianos, diagnóstico
molecular e no tratamento do câncer e infecções
- mas pouco se sabe sobre sua ação nos sistemas
biológicos in vivo. Por isso, antes de qualquer aplicação
clínica, é imprescindível determinar
os parâmetros farmacológicos das nanopartículas
in vivo, como de distribuição nos tecidos
e órgãos, o tempo de eliminação
(clearance) da circulação sanguínea
e, talvez o mais importante, a resposta que provocam no
sistema imunológico.
"A
correlação de pesquisas em nanotecnologia
e biologia é um foco que apenas começa a despertar
no país. Temos cinco docentes do IB, de diversas
especialidades, empenhados em estudar como as nanopartículas
sintetizadas pelo laboratório do professor Vitor
Baranauskas se comportam em determinadas células
ou situações patológicas e biológicas",
explica a professora Leonilda Maria Barbosa dos Santos,
do Departamento de Genética, Evolução
e Bioagentes.
O pesquisador Helder José Ceragioli, que integra
a equipe de Baranauskas no Departamento de Semicondutores,
Instrumentos e Fotônica da FEEC, e é responsável
pela produção dos nanotubos de carbono utilizados
no projeto, observa que a nanomedicina é uma área
muito recente da ciência, com várias aplicações
sendo estudadas. "Já chegamos a alguns resultados
em ensaios relacionados com tumores e esclerose múltipla".
Na opinião do pesquisador Alfredo Carlos Peterlevitz,
também da FEEC, o processo desenvolvido por Ceragioli
é inovador por produzir nanotubos de alta pureza.
"Analisando nanotubos de paredes simples e múltiplas
disponíveis no mercado, encontramos um excesso de
resíduos de elementos como ferro, cobalto e níquel,
devido à utilização de muitos catalisadores.
No nosso processo, por vezes nem usamos catalisadores, o
que garante um grau de pureza bastante elevado".
Resultados
A investigação da equipe de Leonilda dos
Santos envolverá três questões: o efeito
dos nanotubos de carbono no sistema imune, se eles modificam
a resposta imunológica de animais com tumor e, finalmente,
se podem ajudar no combate a doenças autoimunes do
sistema nervoso central, como a esclerose múltipla.
"Já temos resultados preliminares indicando
que esses nanotubos impedem o crescimento do tumor, de certa
forma destruindo as células nas quais se interiorizam.
Constatamos isso marcando nanotubos com marcadores fluorescentes".
Segundo a docente do IB, a questão que sua equipe
procura responder neste estágio do projeto é
se os nanotubos penetram igualmente em todas as células.
"Autores sugerem que, sendo tão pequenas, as
nanopartículas se interiorizam nas células,
mas não de forma ativa. Entretanto, nossa sensação
é de que elas produzem uma resposta imunológica
e queremos demonstrar como são interiorizadas, verificando
a existência de receptores de membrana para diferentes
células".
Leonilda dos Santos acrescenta que estudos praticamente
concluídos por suas alunas Rosemeire Florença,
Juliana Sartorelli e Ana Maria Milani, e por Vânia
Nunes, aluna do professor Vitor Baranauskas, apontam que
os nanotubos fazem com que os tumores cresçam bem
menos, controlando inclusive as metástases. "Como
se vê, estamos todos preocupados em averiguar como
as nanopartículas ajudam no combate a neoplasias".
Entretanto, no seu Laboratório de Neuroimunologia,
a pesquisadora já chegou a uma constatação
importante também em relação à
esclerose múltipla. "Ao imunizarmos um animal
para produzir o modelo da doença, adicionamos nanotubos
de carbono na preparação e constatamos que
o camundongo ficou protegido. De alguma forma, essas nanoestruturas
interferem no sistema imunológico impedindo a produção
da esclerose múltipla".
Ressalvando que esta pesquisa ainda é muito inicial,
a docente do IB adianta que o próximo passo será
observar como as nanopartículas migram para o sistema
nervoso central. "Vamos rastreá-las para verificar
eventuais aplicações terapêuticas, sem
esquecer que estamos falando de uma doença para a
qual ainda não existem cura nem tratamento eficaz,
e que atinge principalmente adultos jovens".
Funcionalização
No
futuro, pretende-se associar um fármaco específico
à nanoestrutura de carbono interiorizada em célula
tumoral, trabalho de funcionalização que também
fica a cargo de Helder Ceragioli. "A funcionalização
implica colocar uma droga ou elemento químico compatível
com o nanotubo e integrá-lo à cadeia biológica.
Como trabalhamos com o material de parede múltipla,
acreditamos em bons resultados devido à maior absorção
do medicamento".
É nesse sentido que o professor Marcelo Brocchi,
do IB, realizará estudos com Salmonella enterica,
uma bactéria entérica que apresenta certo
tropismo para massas tumorais. Em função
do tropismo, a multiplicação da bactéria
leva à ativação de uma resposta imunológica
que acaba controlando ou reduzindo o tumor. Vamos recorrer
à técnica relativamente nova de associar nanotubos
e Salmonella, na expectativa de potencializar este
efeito.
Alessandro Farias, pesquisador do IB, ressalta que antes
da funcionalização é necessário
entender como as nanopartículas funcionam nos sistemas
biológicos. "Já dirigimos alguns estudos
para compreender como os nanotubos de carbono agem sozinhos,
a fim de obter um parâmetro zero. Conseguimos mostrar
que, de alguma forma, e mesmo que o efeito pareça
passageiro, as nanopartículas estimulam o sistema
imunológico num primeiro momento".
Malária e iRNA
Farias informa sobre mais três trabalhos que serão
desenvolvidos pelo Instituto de Biologia dentro do projeto.
Um deles é dirigido pelo professor Fábio Trindade
Costa, que vai avaliar a toxidade das nanopartículas
sobre o Plasmodium, parasita causador da malária
- doença considerada um sério problema de
saúde pública. Outro, sob responsabilidade
do professor Marcelo Lancellotti, estudará o efeito
dos nanotubos sobre o metabolismo de bactérias patogênicas.
Segundo Alexandre Farias, as nanopartículas de carbono
são promissoras para os processos de carreamento
de moléculas até o núcleo celular,
o que vai levar a professora Carmen Veríssima Ferreira
a avaliar as propriedades que eles têm de carrear
drogas e RNA de interferência (iRNA) em células
tumorais in vitro. "A tecnologia do iRNA possibilita
o silenciamento de genes de interesse, bloqueando a ação
dos mesmos. Trata-se de um processo potencialmente eficaz
no combate a tumores e doenças autoimunes e neurodegenerativas".
Em memória de Francesco Langone
Durante a apresentação de parte dos pesquisadores que integram o projeto da Nanobiotec Brasil, o coordenador Vitor Baranauskas fez questão de lembrar o nome do professor Francesco Langone, do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes do IB, que atuava nas áreas de citologia e biologia celular. “Ele, que também realizava pesquisas em neuroproteção e neurorregeneração, foi o principal responsável pela criação deste grupo reunindo pesquisadores da Elétrica e da Biologia. Faleceu no dia 1º de maio”.
De acordo com a professora Leonilda dos Santos, Langone era hábil em promover a ponte entre áreas multidisciplinares e morreu sem ver o projeto aprovado pela Capes, vitimado por um câncer que evoluiu em quinze dias. “Ainda estamos sob o impacto da sua morte e gostaríamos de homenageá-lo. Ele foi o maior responsável por este projeto que une áreas aparentemente tão díspares, como a nanotecnologia e a biologia”.
O pesquisador Alessandro Farias anuncia que brevemente será disponibilizado um site com todas as informações sobre a evolução do projeto. Desde a formação da Rede Nanobiotec no final de 2001, vêm frutificando publicações, teses e patentes em nanobiotecnologia – somente no edital de maio, foram contemplados 38 projetos, com um montante de mais de R$ 70 milhões. Os recursos devem ser aplicados em custeio e capital para a execução de pesquisas nos próximos quatro anos, bem como em bolsas de estudos de várias modalidades no Brasil e no exterior.