Gordura 
com  baixo teor de isômeros trans
                    Estudo  priorizou fontes oleosas disponíveis e viáveis economicamente 
                    CARMO GALLO NETTO
                      
                     Pesquisa  de doutorado desenvolvida por Denise F. S. Becker de Almeida, apresentada ao  Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos  (FEA) da Unicamp, sob orientação da professora Lireny Aparecida Guaraldo  Gonçalves, permitiu obter gorduras com baixo teor de isômeros trans e que  poderá ser utilizada em margarinas, bolos e outros alimentos que contêm  gorduras em sua formulação.
Pesquisa  de doutorado desenvolvida por Denise F. S. Becker de Almeida, apresentada ao  Departamento de Tecnologia de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos  (FEA) da Unicamp, sob orientação da professora Lireny Aparecida Guaraldo  Gonçalves, permitiu obter gorduras com baixo teor de isômeros trans e que  poderá ser utilizada em margarinas, bolos e outros alimentos que contêm  gorduras em sua formulação.
                    As  descobertas e a conscientização dos malefícios causados pelas gorduras com  elevado teor de isômeros trans têm levado os governantes a tomarem medidas cada  vez mais restritivas sobre seu uso, pressionando as indústrias alimentícias na  procura de alternativas para sua substituição. É sabido que as gorduras são  responsáveis por certos atributos sensoriais conferidos aos alimentos que  agradam aos consumidores.
                    Enquanto  vários países adotam iniciativas para restringir o consumo de gorduras trans e  até programam sua definitiva exclusão dos alimentos, a Associação Brasileira  das Indústrias de Alimentação (Abia) alega que há falta de opções para  substituir esse tipo de gordura, embora utilize como atenuante a justificativa  de que pesquisas vêm sendo desenvolvidas para solucionar o problema. 
                    As gorduras trans
                    A  grande maioria dos óleos vegetais naturais apresenta aplicações limitadas em  razão de suas composições químicas específicas. Para ampliar o seu uso, os  óleos são modificados quimicamente pela hidrogenação ou interesterificação, ou  fisicamente pelo fracionamento, produzindo as gorduras semi-sólidas.
                    Os  isômeros trans presentes na dieta são oriundos principalmente das gorduras  parcialmente hidrogenadas. Os óleos vegetais parcialmente hidrogenados –  margarinas e gorduras comestíveis (shortenings)  – são amplamente utilizados como matérias-primas de numerosos produtos comestíveis,  levando os isômeros trans para uma grande  variedade de alimentos.
                     A  partir da década de 80, os componentes trans se transformaram nos vilões das  gorduras quando se descobriu que contribuem para o aumento do colesterol total  e ruim e diminuição do colesterol bom, constituindo um fator de risco para  problemas cardiovasculares, além de não trazerem nenhum benéfico alimentar.
A  partir da década de 80, os componentes trans se transformaram nos vilões das  gorduras quando se descobriu que contribuem para o aumento do colesterol total  e ruim e diminuição do colesterol bom, constituindo um fator de risco para  problemas cardiovasculares, além de não trazerem nenhum benéfico alimentar.
                    Uma  estratégia para reduzir ou eliminar o conteúdo de trans nas gorduras é a  mistura de óleos totalmente hidrogenados – sem nenhum isômero trans –, com  óleos líquidos não hidrogenados, naturalmente sem isômeros trans. A dureza e  espalhabilidade dos produtos devem ser ajustadas variando a proporção de  sólidos e líquidos na mistura. Outra possibilidade seria a interesterificação  de gordura totalmente hidrogenada com óleos líquidos, utilizando catalisadores  químicos ou enzimas. 
                    Os  maiores teores de gorduras trans se encontram em alimentos industrializados  como biscoitos, batatas fritas, pipocas de microondas, chocolates, sorvetes, salgadinhos  de pacote, pastéis, tortas, bolos e alimentos que ainda utilizam gorduras  parcialmente hidrogenadas nas receitas. As indústrias alimentícias as utilizam  porque contribuem para a consistência, crocância e sabor. 
                    A  Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou, em 2006, que  todos os alimentos comercializados deveriam expressar em sua rotulagem  nutricional a declaração dos ácidos graxos trans em relação à porção do  alimento  – 1 fatia, 1 colher de sopa,  200 mL – em conjunto com as declarações para gorduras totais e saturadas. São  considerados como zero trans os alimentos que apresentarem teores de gorduras  trans menores ou iguais a 0,2 g/porção. 
                    A gordura alternativa
                    Estes  fatos justificam o estudo desenvolvido por Denise, que contemplou a elaboração  de novas gorduras a partir de fontes oleosas disponíveis e viáveis  economicamente no Brasil – óleos de soja, algodão e gordura de palma totalmente  hidrogenada. O objetivo foi promover a interesterificação química de diferentes  frações da gordura totalmente hidrogenada com os óleos líquidos específicos, a  fim de se obter novas gorduras com baixo teor de isômeros trans e com melhor  performance para aplicação na indústria alimentícia. 
                    Considerando  que a indústria utiliza gorduras que conferem aos produtos melhor textura,  volume e propriedades sensoriais apreciadas pelo consumidor, a pesquisadora  realizou um estudo comparando o desempenho das gorduras low trans, com gorduras parcialmente hidrogenadas ricas em isômeros  trans empregadas industrialmente.
                    O  objetivo do trabalho não foi apenas produzir gorduras com baixo teor de  isômeros trans – low trans – para  aplicação alimentícia. Propunha-se também caracterizar essas gorduras quanto às  suas propriedades físico-químicas, aplicar técnicas analíticas apropriadas que  permitissem o monitoramento de suas composições, selecionar aquelas gorduras  que se mostrassem aplicáveis e, então, aplicá-las na elaboração de um produto  que pudesse ser comparado com produtos high  trans e avaliado quanto às suas propriedades reológicas – textura, volume e  cor – e sensoriais.
                    Os  estudos levaram Denise a concluir que as fontes oleaginosas utilizadas – óleos  de soja, de algodão, gordura de palma totalmente hidrogenada – permitem a  elaboração de gorduras low trans com  propriedades plásticas adequadas quando comparadas com aquelas de alto teor  trans – high trans – tradicionalmente  utilizadas.
                    As  gorduras desenvolvidas mostraram-se adequadas para aplicação em margarinas e  panificação. O bolo inglês foi o produto escolhido para avaliar  comparativamente as gorduras low trans desenvolvidas com bolos produzidos com gordura comercial parcialmente  hidrogenada high trans. Quando  avaliados instrumentalmente, a textura, o volume e a cor dos bolos não apresentaram  diferença significativa. Porém, a avaliação sensorial com consumidores revelou  diferenças quanto à textura e sabor. Por sua vez, as técnicas analíticas  empregadas mostraram-se adequadas ao monitoramento das características  físico-químicas das gorduras.
                    Denise  considera que a proposta foi cumprida, pois ela partiu da matéria-prima,  desenvolveu e caracterizou uma nova gordura, avaliou a aplicação em produto  alimentício, chegando ao final da cadeia com a realização de teste sensorial  junto ao consumidor. Segundo ela, os resultados mostraram que não basta  substituir a gordura trans pela nova gordura. Faz-se necessário investir em modificações  nas formulações, nas condições de processamento e na utilização de aditivos  apropriados. Isto quer dizer que todas as alterações observadas na nova gordura  em relação às que possuem isômeros trans podem ter seus efeitos contornados.
                    O processo
                    As  gorduras de origem vegetal são obtidas a partir de óleos vegetais – soja,  algodão, milho, girassol, canola – que devem sofrer modificação para se  tornarem adequados ao consumo e aplicações. Nesse processo, quando os óleos  refinados são parcialmente hidrogenados, há formação de isômeros trans que não  existiam inicialmente na matéria-prima, provocada pelas condições de reação  (pressão e temperatura). Para a obtenção das gorduras vegetais plásticas e  livres de isômeros trans – low trans –  estes óleos podem ser submetidos à interesterificação. Este processo não  contribui para a formação de compostos trans e pode ser catalisado por  substâncias químicas ou enzimáticas.
                    Os  alimentos industrializados, explica a pesquisadora, utilizam principalmente a  gordura vegetal semi-sólida ou pastosa em lugar do óleo líquido. A gordura é  preparada a partir dos óleos vegetais refinados mediante reações químicas de hidrogenação  e/ ou interesterificação. O óleo líquido é formado por moléculas de ácidos  graxos que possuem ligações insaturadas, o que lhe confere consistência líquida  em temperatura ambiente. Durante a hidrogenação ocorre rompimento das ligações  insaturadas, ou seja, rompem-se as duplas ligações formando as ligações  saturadas que irão constituir e caracterizar as gorduras saturadas  semi-sólidas. Durante a hidrogenação parcial, muitos ácidos graxos insaturados  na configuração cis que não reagiram com o hidrogênio podem se transformar em  isômeros trans.
                    Ao  contrário da hidrogenação, a interesterificação não afeta o grau de saturação  nem causa isomerização nas duplas ligações dos ácidos graxos.  Ocorre uma redistribuição dos ácidos graxos  nas moléculas do triacilglicerol, o que resulta em uma gordura com composição  final diferente e, consequentemente, com propriedades físicas diferentes.
                    Denise  realizou a interesterificação de bases oleosas por ela previamente preparadas,  que permitiram obter gorduras tecnologicamente aplicáveis, ou seja, com novas  características plásticas, como consistência, comportamento de cristalização,  ponto de fusão, para chegar a um novo produto com reduzido teor de isômeros  trans.