Método ‘congela’ mecânica respiratória
Técnica inédita é capaz de reconstruir
e analisar movimento do tronco
A
etapa de reabilitação fisioterápica ganha um novo impulso
com o desenvolvimento – na Faculdade de Educação Física (FEF)
– de um método inédito que contou com o apoio da cinemática
(filmagem de movimentos). Ele baseia-se num sistema de projeção
de luz capaz de reconstruir e analisar a superfície do tronco
de pessoas durante a respiração, através de uma avaliação
que dura no máximo dez minutos. Esta foi uma das contribuições
sociais da tese de doutorado da fisioterapeuta Angélica Lodovico,
orientada pelo professor da FEF Ricardo Machado Leite de Barros.
A possibilidade de requerer uma patente junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), para proteger o
invento, não está descartada, declara a pesquisadora.
Os métodos anteriores já envolviam
sistemas de projeção de luz e de reconstrução de superfície,
mas não tinham sido ainda aplicados à análise do movimento
do tronco. O método idealizado pela fisioterapeuta e pelo
seu orientador presta-se mais à reabilitação pré e pós-tratamento,
define ela. Após ser aprimorado e vencer os testes preliminares,
mostrou-se acurado e apontou que tem aplicabilidade, é viável
e consegue detectar assimetrias do tronco.
Ele permite conhecer como
é que está a mecânica da respiração dos avaliados. Esta, aliás,
é a chave dos estudos do Laboratório de Cinemática da FEF
e do estudo específico de Angélica Lodovico. Identifica os
padrões normais da mecânica – se existe um padrão normal de
respirar ou um padrão ideal que seja mais eficiente. Em sujeitos
normais, por exemplo, pode descrever este padrão com precisão.
Se o avaliado é um atleta, o avaliador sabe previamente que
o seu padrão deverá estar alterado devido à prática de atividades
físicas. Caso semelhante acontece quando se trata de um doente,
o qual exibe um padrão igualmente alterado.
Pacientes com doenças pulmonares
é certo que já têm uma respiração mais dificultosa. Um doente
pulmonar obstrutivo crônico (DPOC) terá um padrão de mecânica
alterado, já que ele usa musculaturas diferentes para fazer
isso. “Ocorre que a mecânica da respiração dele é totalmente
ineficiente, o que gera um gasto maior de energia, comprometendo
até mesmo as atividades de vida diária destes doentes”. É
o que nota a fisioterapeuta.
Ela comenta, por conseguinte,
que um dos objetivos do tratamento de um DPOC visa melhorar
esta mecânica e chegar o mais próximo de uma respiração normal
– para alcançar mais qualidade de vida. Logo, este sistema
vem no sentido de avaliar o processo e de saber como é que
está a mecânica da respiração, mesmo antes de praticar uma
atividade física. Este recurso ajudará o profissional a conhecer
como os movimentos do avaliado mudam de acordo com as diferentes
condições de exposição.
Para os fisioterapeutas, ele
funciona como uma ferramenta de avaliação mecânica pré e pós
uma intervenção. Em um grupo de nadadores treinados, avaliado
no Laboratório de Cinemática, foi possível verificar uma mecânica
mais eficiente desses sujeitos que são treinados e que fazem
atividade física que exige mais do seu sistema respiratório.
“Uma vez isso identificado, sabe-se o quanto é eficiente o
seu desempenho para respirar e treinar a musculatura para
ter uma mecânica melhor ainda”, afirma a pesquisadora.
Se
a mecânica dele estiver aquém, isso vai com certeza influenciar
na sua eficiência para nadar e mesmo para fazer uma simples
propulsão, relata ela, ao passo que, estando a sua mecânica
eficiente, alcançará melhores resultados na avaliação. O teste
é preditivo inclusive ao indicar quem tem performance de atleta.
Processo
Conforme Angélica Lodovico,
com o sistema de projeção de luz, no caso um projetor multimídia,
ele vai lançar um padrão geométrico no tronco do avaliado,
com as imagens desse tronco se movendo ao longo de uma tarefa
respiratória. As imagens mais este padrão de luz projetado
vão para o computador, onde será posta em prática a matemática
– a modelagem de reconstrução dessa superfície para extrair
as variáveis de análise.
O observador verifica os movimentos
do avaliado, que respira espontaneamente em volume corrente,
sem esforço do sistema respiratório. Por outro lado, analisa
ainda as manobras de capacidade vital, incentivando o sujeito
a inspirar e a expirar o máximo que puder com o intuito de
comparar as diferenças de uma respiração tranquila e de uma
respiração em maiores volumes.
O tempo de respiração, salienta
a pesquisadora, depende muito do protocolo escolhido. No caso
do volume corrente, da pessoa respirando tranquila, toma-se
o cuidado de não avisá-la que será filmada, para que não mude
o seu padrão respiratório. O trabalho, explica, se desenvolve
em ambiente escuro procurando contrastar as marcas que vão
sendo projetadas no tronco com o auxílio da luz.
Normalmente, a pessoa em volume
corrente respira por um minuto, o que dá uma aquisição de
quatro a cinco ciclos respiratórios. A observação da capacidade
vital também gera cinco ciclos. O exame completo depende do
número de manobras solicitadas no protocolo. Porém, a pessoa
leva entre cinco e dez minutos para realizar todos os testes.
Empregando o novo método,
a fisioterapeuta diz que avaliou somente dois sujeitos: um
sem intercorrências de saúde e outro com escoliose idiopática
severa. Para os dois sujeitos foram obtidas medidas de variação
do volume e do perímetro do tronco e ainda foi feita uma análise
através de mapas de contorno. Quando comparados os dois sujeitos,
o sistema conseguiu detectar assimetrias na pessoa com escoliose
bem como o comportamento da curvatura da coluna ao longo do
ciclo respiratório.
No entanto, ainda não foi
efetuada uma investigação pareando-se atletas e não atletas.
Mesmo não mostrando resultado de aplicação em grupos maiores,
posto que o trabalho da fisioterapeuta propunha tão somente
desenvolver o método e avaliar a acurácia, os testes para
esta aplicabilidade virão com o pós-doutorado, garante Angélica
Lodovico.
O trabalho conclui que essa
proposta metodológica foi válida e que o método descreveu
em detalhes a mecânica respiratória ainda desconhecida. “Não
existe hoje avaliação de assimetrias na coluna em movimento.
Em geral, são avaliações estáticas, feitas com raios-X”, lembra
a pesquisadora.
Outras avaliações são menos
precisas, discute a fisioterapeuta. Exemplo disso é a cirtometria,
em que é colocada na pessoa uma fita métrica quando ela expande
o seu tórax. “São formas mais rudimentares, não obstante serem
de fácil acesso.” Existem também métodos que trabalham por
indutância através de pletismografia (exame que mensura diversos
aspectos da respiração, como a força com que se consegue inspirar
ou expirar, a resistência que as vias aéreas apresentam, a
capacidade que os pulmões têm para receber ar e a absorção
de oxigênio a cada ciclo) e de magnetometria (exame em que
se veste a pessoa com um colete dotado de sensores que acaba
por registrar a variação do movimento). São métodos caros
e os seus sistemas sobremodo grandes.
A pesquisadora explica que
no Laboratório de Instrumentação para Biomecânica da FEF a
equipe já tinha alguns equipamentos disponíveis, mas com outras
aplicações em análise cinemática. O investimento portanto
foi pequeno em vista do benefício que trará, comparado com
o sistema de escaneamento a laser do corpo humano, que apresenta
resultados semelhantes, apto a fazer essa modelagem e que
leva um modelo a partir do real para um computador. “O nosso
emprega apenas quatro câmeras de vídeo, dois projetores multimídia
e um computador comum, que tenha um bom processador”, dimensiona.
No presente trabalho, enfatiza
a fisioterapeuta, não é preciso sequer encostar no avaliado,
nem por meio de sensores, e mostra um maior detalhamento dos
parâmetros que se pre-tende avaliar. Enquanto ainda outros
métodos dão respostas de regiões e pontos do tronco, o método
em ques-tão exibe uma avaliação da superfície do tronco inteiro
se movimentando ao longo do ciclo respiratório.
Testes
Angélica Lodovico conta que,
para realizar o exame, a pessoa entra numa sala escura (no
caso o laboratório da FEF) e fica sentada numa cadeira confortável
com os braços apoiados, afastados do tronco, e com os pés
apoiados em uma altura também confortável, num espaço pré-calibrado.
Projeta-se luz na superfície anterior e posterior do tronco
da pessoa com duas câmeras filmando na frente e com duas atrás.
Aí ela é instruída a respirar mediante a manobra escolhida
para a avaliação.
As imagens são captadas pelas
câmeras de vídeo e vão para o computador a fim de serem processadas.
“Extraímos essas malhas, ou pontos, que foram projetadas no
tronco da pessoa. São reconstruídas as coordenadas em 3D.
Com dados tridimensionais, que formam uma nuvem de pontos,
representando a superfície anterior e posterior do tronco,
a superfície do tronco é reconstruída. E medidas de volume
e perímetro, bem como a análise através de mapas topográficos,
são obtidas.
Num ciclo respiratório, na
frequên cia de aquisição trabalhada – câmeras a 30 hertz –,
a pessoa soma de 60 a 100 quadros, ou imagens, desse tronco
durante um ciclo respiratório. A avaliação do resultado será
feita por profissionais como o fisioterapeuta ou o treinador.
O que se tem agora é um tronco virtual, uma modelagem, dentro
do computador. Nesse tronco, o sistema faz as análises da
superfície reconstruída para redundar na variação do volume.
“O método que criamos foi
construído totalmente por nós, desde a câmera até o tripé,
o que não impede que um profissional, com os dados de acesso
aos algoritmos empregados na tese, consigam chegar a bons
termos, pelo fato de estarem devidamente explicados no trabalho.
Mas a parte de projeção de luz é uma especificidade do meu
trabalho”, destaca a fisioterapeuta.
Outra sacada do invento é
que é possível transportar esse ambiente de avaliação para
outros locais almejados, desde que para uma área capaz de
acomodar o sistema todo. A importância desta pesquisa foi
a contribuição inovadora, desde a parte experimental até a
parte de programação, que a própria pesquisadora teve que
aprender, informa a autora, que acaba de ser aprovada num
concurso para atuar em uma universidade localizada no Sul
do país.
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Publicação
Tese de doutorado: “Proposição e avaliação
de um método baseado em projeção de luz para reconstrução
e análise da superfície do tronco durante a respiração”
Autora: Angélica Lodovico
Orientador: Ricardo Machado Leite de Barros
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)
Financiamento: CNPq e PED da Unicamp
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