Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 



Dissertação investiga alcances e
limites da Economia Solidária
Iniciativas mantêm ou não se opõem às relações sociais capitalistas, aponta estudo

MANUEL ALVES FILHO

No Brasil, os chamados empreendimentos de Economia Solidária não têm caráter socialista ou anticapitalista, como apontam alguns autores. Antes, são iniciativas que mantêm ou não se opõem às relações sociais capitalistas, ainda que nelas não se encontre a forma explícita do assalariamento. A su- bordinação ao capital se dá principalmente nas formas de subcontratação e de subsistência, cuja materialidade depende dos movimentos do mercado, que “cria, destrói e recria” os espaços em que podem desenvolver suas atividades. “Assim, longe de ameaçar o processo de produção capitalista, essas iniciativas solidárias se ajustam a ele”, afirma Clara Marinho Pereira, que investigou o tema em dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

Em seu trabalho, orientado pelos professores Marcio Pochmann e José Dari Krein, Clara pesquisou os fatores que determinam a baixa capacidade das iniciativas de Economia Solidária em conferir bem-estar socioeconômico aos seus associados. Nesse sentido, a pesquisadora optou por percorrer três caminhos. O primeiro deles consistiu em analisar as transformações mais gerais, no plano da economia e da sociedade, que propiciaram o surgimento dessa forma de associativismo, nos idos dos anos 80. O segundo transitou pela revisão da literatura empírica sobre as iniciativas.

Por último, a autora procurou aprofundar o conhecimento sobre elas, tendo como fonte os dados do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES). “Os resultados das análises quantiqualitativas encerram um quadro socioeconômico bastante contraditório”, diz Clara, explicando que as iniciativas reúnem características que ora as aproximam e ora as afastam das formas típicas do modo de produção capitalista. A definição mais aceita para a Economia Solidária, conforme a pesquisadora, foi criada pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidário (FBES).

Segundo essas entidades, Economia Solidária é o conjunto de atividades econômicas – de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito – organizadas nos meios urbano e rural sob a forma de associações, cooperativas, fábricas recuperadas, bancos comunitários, clubes de trocas etc. Seus atributos essenciais são a cooperação – reunião de interesses e esforços, propriedade coletiva, partilha de resultados econômicos e autogestão –, práticas participativas na gestão estratégica e nos processos de trabalho e a solidariedade, além da preocupação com a melhoria das condições de vida dos participantes, com o meio ambiente, com a comunidade e os movimentos emancipatórios.

Mapeamento promovido pela Secretaria Nacional de Economia Solidária aponta para a existência de aproximadamente 22 mil empreendimentos do gênero no Brasil, dos quais participam cerca de 1,8 milhão de trabalhadores. Mas qual é a realidades dessas iniciativas solidárias? De acordo com Clara, a maioria delas assume as formas e princípios acima; se concentra em segmentos de baixa densidade tecnológica, como a agropecuária, a reciclagem e o artesanato; e possui diversas fragilidades organizativas, de modo que tem uma baixa ou incerta capacidade de produzir rendimentos monetários aos seus sócios. Esses, por sua vez, não têm acesso a benefícios, garantias e direitos. “Nesse sentido, é possível afirmar que essas iniciativas não divergem do estímulo público à auto-ocupação desprovida de proteção social em segmentos de baixa produtividade”, explica a autora da dissertação.

Os poucos rendimentos gerados pelas iniciativas normalmente têm origem em contratos firmados com empresas e na venda direta ao consumidor, conforme Clara. “Por exemplo, uma cooperativa de costureiras é contratada por uma indústria de confecção para realizar determinadas tarefas, o que faz com que a primeira fique submetida ao capital externo. Ou ainda: uma associação fabrica um detergente. Mesmo sendo produzido de forma coletiva, não é razoável que seu preço ultrapasse o de um detergente comum. Do contrário, não terá escoamento. O problema é que muitas iniciativas têm um custo de produção maior que o preço, não perfazendo sobras”, completa.

A despeito de não se constituírem como formas de produção contrárias às relações capitalistas, essas organi- zações, segundo Clara, possuem uma evidente proposta democrática. Por intermédio de processos participativos, procuram promover a humanização da vida coletiva e, a partir de articulações com sujeitos e causas sociais e com outras organizações econômicas mais ou menos estruturadas, compõem um cotidiano sensivelmente mais democrático do que o observado nas empresas. “Outro aspecto importante de ser destacado é que, mesmo economicamente frágeis e com baixa capacidade de transformação da realidade material de seus sócios, as iniciativas solidárias têm impactos locais muitas vezes consideráveis”.

De maneira geral, informa Clara, as iniciativas solidárias rurais têm melhor capacidade de geração de excedentes do que as urbanas. Todavia, mesmo no meio urbano há disparidades. As atividades ligadas à reciclagem de materiais alcançam, por exemplo, melhores rendimentos do que as relacionadas ao artesa- nato, por se conectarem a cadeias industriais. “Alguns setores têm muita dificuldade em criar nexos que levem a uma produção mais efetiva e que garantam, consequentemente, maior grau de autossuficiência”.

Histórico

As iniciativas de Economia Solidária começaram a ser localizadas no Brasil em meados dos anos 80. Elas surgiram em resposta ao esgotamento do modelo em vigor, marcado pelos baixos índices de crescimento econômico, que interromperam o esboço de estruturação do mercado de trabalho no país. Com a elevação do desemprego e da informalidade na década seguinte, que veio a se somar à baixa capacidade do Estado em expandir a proteção social à população brasileira, tais empreendimentos ganharam corpo. Desse modo, essas organizações emergiram com a proposta de geração de trabalho e renda dentro de uma perspectiva democrática.

Esse modelo de associativismo, de acordo com a autora da dissertação, é encontrado em outros países da América Latina, embora a literatura indique antecedentes históricos em países europeus, como a França. No Brasil, os estados do Nordeste e do Sudeste são os que concentram o maior número de iniciativas solidárias que produzem excedentes. Um aspecto que também as caracteriza é a relação que têm com os movimentos so- ciais de grande tradição, tais como os sem-terra, as pastorais católicas e as organizações em defesa da educação.

Há também vínculos com o movimento sindical, notadamente a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Aliás, o mundo sindical adotou a Economia Solidária em 1996 por intermédio da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM), entidade filiada à CUT. Na oportunidade, a CNM lançou o Projeto Integrar, cujo objetivo era requalificar desempregados e trabalhadores em vias de perder o emprego. A discussão sobre cooperativismo e autogestão, e mais tarde a elaboração de projetos de cooperativas no interior de suas atividades, terminaram por aproximar o segmento das iniciativas solidárias e permitir a criação da Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS/CUT).

....................................
Publicação
Dissertação: “Economia Solidária: uma investigação sobre suas iniciativas”
Autora: Clara Marinho Pereira
Orientadores: José Dari Krein e Marcio Pochmann
Unidade: Instituto de Economia (IE)


 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP