A
dislexia “quase” não existe. Foi essa a conclusão a que
chegou a linguista e professora de Língua Portuguesa Roberta
Roque Baradel, ao aplicar uma intervenção pedagógica específica
para dois de seus alunos que tinham o diagnóstico. Segundo
Roberta, o resultado do estudo aponta para a possibilidade
de derrubar o rótulo tradicionalmente imposto às crianças
que possuem um determinado tipo de deficit de aprendizagem.
A professora acompanhou esses alunos na rede municipal de
ensino de São Caetano do Sul, durante um ano e meio, para
comprovar na prática o que acreditava na teoria: que é possível
a partir de intervenções pedagógicas significativas fazer
com que a criança aprenda com resultados satisfatórios.
Desta forma, o final da história, no caso dos alunos de
Roberta Baradel, foi bem diferente.
“Quando a criança chega à escola com o diagnóstico de dislexia
já se espera um baixo desempenho, e o veredicto de que se
trata de uma fatalidade irremediável é facilmente assimilado.
O conselho de classe fica incumbido de solucionar as dificuldades
do professor enfrentadas em sala de aula. Todavia, o que
chamam de deficit de aprendizagem, pode muitas vezes ser
deficit de ‘ensinagem’”, destaca Roberta. Neste sentido,
ela se propôs a mostrar em seu estudo a importância de acompanhar
cada caso de forma diferenciada e, também, reafirmar que
uma intervenção pedagógica adequada pode impedir um diagnóstico
equivocado da criança e assegurar suas práticas com a leitura
e a escrita.
Ao mergulhar no tema apresentado no Instituto de Estudos
da Linguagem (IEL), sob orientação da professora Maria Irma
Hadler Coudry, a professora acabou denominando sua investigação
de “O labirinto da dislexia”, fazendo uma alusão aos caminhos
que podem levar a becos sem saída. Para Roberta Baradel,
a temática é permeada pela complexidade e encontrar a saída
no “labirinto” envolve questões divergentes e teorias contraditórias,
já estudadas há muitos anos por inúmeros pesquisadores.
Uma coisa é certa, segundo ela: a escola nem sempre sabe
como atender essas crianças que, consequentemente, não contam
nem com apoio diferenciado, nem com condições de superarem
suas dificuldades e dominarem a contento as práticas da
leitura e da escrita. “É preciso ver além de um score de
testes pré-moldados e observar o sujeito que está por trás
da linguagem, a fim de investigar suas reais dificuldades
com a escrita para que a criança conheça seus próprios bloqueios
e reflita sobre eles a fim de entrar no mundo das letras
com naturalidade”, atesta.
Os
dois estudantes analisados na pesquisa, na época com 11
e 13 anos, tiveram seu diagnóstico clínico motivado por
queixas e dificuldades escolares que nem sempre correspondiam
às dificuldades e habilidades apresentadas. As divergências,
explica, eram enormes. “Houve, inclusive em um dos casos,
laudos clínicos, feitos por equipes de neurologistas, fonoaudiólogas,
psicólogas e psicopedagogas que traziam contradições entre
si”, relata. Cada um dos documentos apontava um tipo de
problema que não era compatível com o que a criança apresentava.
Ou seja, este aspecto coloca em cheque as práticas clínicas
utilizadas para avaliar e identificar o que seria a dislexia.
“A busca pelo laudo por um lado denota os percalços da família
que tenta buscar respostas para justificar o baixo desempenho
escolar de seus filhos, e por outro aponta para uma força
do mercado clínico que age de forma equivocada sem levar
em conta os aspectos defendidos pela Linguística. Como são
feitas uma série de tarefas descontextualizadas para diagnosticar
o problema, é questionável a sustentabilidade dos laudos
emitidos”, revela Roberta.
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■ Publicação
Dissertação: “O labirinto da dislexia:
definições, diagnósticos e consequências na vida escolar”
Autor: Roberta Roque Baradel
Orientadora: Maria Irma Hadler Coudry
Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)