ISABEL
GARDENAL
No
último dia 5 de maio, o Congresso Nacional aprovou a realização
de um plebiscito para decidir sobre a criação do Estado
de Carajás, cujo território corresponde ao atual sudeste
paraense, uma das suas mesorregiões que tem atraído especial
atenção pela sua notável expansão e profundas transformações
socioeconômicas nas últimas quatro décadas. O estudo sobre
o desenvolvimento dessa região foi objeto de tese de doutorado
do economista Valdeci Monteiro, recém-defendida no Instituto
de Economia (IE), e mostrou que os desafios regionais muito
dependerão da capacidade da economia local internalizar
o seu dinamismo e da qualidade das gestões municipais.
O foco de sua investigação foi compreender
a dinâmica recente do sudeste paraense, buscando refletir
sobre os processos que conduziram às mudanças e, sobretudo,
aos efeitos econômicos, sociais e territoriais. Orientado
pelo docente do IE Wilson Cano, Monteiro fez uma pesquisa
histórica meticulosa, analisou uma base diversificada de
informações estatísticas e documentais, bem como realizou
visitas e entrevistas na região para confirmar, ele próprio,
os avanços, os obstáculos e as contradições do seu desenvolvimento.
Segundo apurou, o local – espaço típico
da Amazônia brasileira – que havia experimentado o áureo
e curto ciclo da borracha no começo do século XX e no qual
predominava a economia de autoconsumo e tênues vínculos
extra-regionais, passou a vivenciar uma nova fase a partir
da década de 1960. “Teve uma inserção gradual à economia
nacional e internacional, com maior exploração dos seus
recursos naturais – como terra abundante e barata, riqueza
mineral, potencial hídrico e estoque de floresta tropical”,
aponta o economista.
De acordo com ele, duas grandes frentes
de expansão balizaram tal mudança: uma agropecuária e outra
de mineração. A primeira, sugere, caracterizou-se pelo avanço
de gran- des projetos financiados pela Superintendência
de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), a priori voltados
à pecuária e ao deslocamento de pequenos produtores familiares,
atraídos pela perspectiva de empregos e pela política de
colonização do Estado. A segunda, acrescenta, ocorreu a
partir da década de 1980 e envolveu a saga dos garimpos,
como Serra Pelada, e em especial a exploração mineral em
larga escala, voltada basicamente ao exterior, tendo a Companhia
Vale do Rio Doce (atual Vale) como principal protagonista.
Em
paralelo ainda a essas duas frentes, o crescimento populacional
foi acelerado, expandiu-se o processo de urbanização (de
forma desordenada e no bojo da criação de vários municípios),
implantou-se uma importante base de infraestrutura viária,
de energia, de armazenagem, de comunicação (que com o tempo
apresentou pontos de estrangulamento) e acentuaram-se as
tensões e conflitos pela propriedade e uso da terra, relata
o autor da tese.
O pesquisador dá relevo ao Estado nestes
processos, por meio de ações planejadas na mesorregião,
como as políticas de incentivos fiscais e cre- ditícios,
os programas de colonização – como o Programa de Integração
Nacional (PIN) e o Programa de Redistribuição de Terra e
Estímulos à Agroindústria do Norte e Nordeste (Proterra)
– e os investimentos em infraestrutura. Ao mesmo tempo,
acentua ele o gradativo esvaziamento das políticas regionais
a partir de 1990.
Analisando as características da frente
de expansão agropecuária, Monteiro afirma que há na região
“uma estrutura dual no campo: de um lado, unidades de produção
de maior porte – incluindo-se grandes latifúndios–, com
características mais capitalistas e, do outro, um grande
número de pequenos produtores voltados à subsistência e
ao comércio local”.
O estudo realça ainda uma forte pecuarização,
desenvolvendo-se mais a pecuária de corte e de leite com
efeitos encadeadores para as atividades frigoríficas e laticínias;
bem como a consequente expansão da exploração de madeira
no bojo de um intenso desmatamento.
Por seu turno, foi identificada a extração
mineral como a atividade de maior peso no PIB regional e
principal vetor de seu dinamismo. Todavia, sua análise sinaliza
que as características de “enclave econômico” estavam presentes
na atuação dos projetos da Vale no sudeste paraense, ou
seja, sua baixa capacidade de geração de efeitos encadeadores.
Não obstante isso, o especialista constatou
que a presença dos projetos da Vale, considerando as suas
dimensões, acabou tendo igualmente impacto na região. Mesmo
não ocorrendo os efeitos dinâmicos provocados por outros
projetos estruturadores, a exemplo do que ocorre com uma
montadora automobilística, várias transformações acabaram
se verificando como a indução de forte migração e, com ela,
multiplicação de núcleos urbanos e a geração de efeitos
indiretos, em termos de emprego, renda, valor adicionado
e valor da produção.
Monteiro reforça, além disso, a elevação
da receita dos municípios, em particular daqueles onde se
localizam os empreendimentos – via Compensação Financeira
pela Explo- ração de Recursos Minerais (CFEM) – e da cotaparte
do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS),
mais o incremento das exportações regionais. Por outro lado,
juntamente com os projetos existentes, a Vale tem ampliado
o seu número de minas, implantando uma siderúrgica de aços
laminados e modernizando a estrada de ferro Carajás, que
liga Parauapebas (PA) a São Luís (MA).
“As duas frentes, portanto, tiveram impactos
na demografia, crescendo em mais de dez vezes a população
regional entre 1970 e 2010 e alcançando 1,5 milhão de pessoas
(20,6% do Pará)”, indica Monteiro. O sudeste paraense viveu
também um período de expressiva elevação do Produto Interno
Bruto (PIB), cuja participação passou de 12,3% (1980) para
30,4% (2007) no PIB do Pará, alcançando R$ 15 bilhões, e
0,6% do PIB do Brasil. Destaca-se que o PIB do su- deste
paraense é igual ao de Sergipe e superior ao de Rondônia,
Piauí, Tocantins, Amapá, Acre e Roraima.
Outro aspecto verificado pelo autor da tese
foi a formação de uma nova base de infraestrutura econômica
na região que, embora apresente elevadas deficiências, expressa
um novo padrão de acessibilidade (malha rodoviária intraregional
e de conexão extra-regional, potencial de viabilidade hidrográfica,
cobertura aeroviária e presença estratégica da Estrada de
Ferro Carajás da Vale); ampliação da oferta de energia elétrica,
tendo como marco a Hidrelétrica de Tucuruí; e formação de
uma rede de armazenagem de grãos.
Para
se ter uma ideia do progresso havido, o número de municípios
elevou-se de apenas quatro, nos anos de 1960, para 39 em
2000 – um notável incremento, qualifica Valdeci. Parauapebas
(segundo município mais populoso da região e responsável
por 59,4% das exportações do Pará), Canaã de Carajás, Eldorado
dos Carajás e Curionópolis foram cidades que surgiram com
a mineração. Tucuruí expandiu-se no bojo da instalação da
Usina de Tucuruí, tornando-se uma Town Company. São Félix
do Xingu é a segunda maior cidade em extensão e detentora
do segundo maior rebanho de bovinos do país. E Marabá, com
seus mais de 200 mil habitantes, que já era uma destacada
localidade do Pará, consolidou-se como o centro comercial
e de serviços.
A despeito do crescimento observado, a forma
como se deu a ocupação do campo na região, nas últimas décadas,
acabou expondo um quadro de grandes desigualdades, interpreta
o pesquisador. “A terra, elemento central da formação histórica
e do desenvolvimento socioeconômico recente do sudeste paraense,
da qual se extraiu e produziu riquezas viabilizando renda
e emprego, estimulou cobiça e disputas por sua apropriação
e uso, gerando um contexto de tensões e conflitos, a exemplo
do ‘massacre de Eldorado dos Carajás’, em 1996, no qual
morreram 19 sem- terra em confronto com a polícia.
Monteiro lembra que um ponto negativo que
ficou evidente em seu trabalho foi a questão ambiental,
em que ainda predominam antigas formas de exploração econômica
dos recursos naturais, tendo ocorrido um intenso processo
de desmatamento. Dados mais recentes têm, todavia, sugerido
uma redução no seu ritmo.
A escolha desse tema para abordagem na tese,
recorda Monteiro, surgiu de um fato curioso. Ele desenvolvia
outra linha de pesquisa no doutorado – um estudo sobre o
papel do setor de serviços na lógica do desenvolvimento
regional brasileiro – quando realizava um trabalho como
consultor junto à Vale no sudeste paraense. O contato com
a região e a percepção de que ela carecia de um estudo mais
aprofundado o levou, com o apoio de seu orientador, a enfrentar
o desafio de deixar a outra pesquisa e colocar em seu lugar
um tema novo, com muitos aspectos por serem avaliados.
O resultado foi positivo na opinião do
autor. Hoje sua expectativa é que o estudo traga contribuições
para a academia, abrindo uma agenda para novas pesquisas
e para a sociedade do sudeste paraense – governos municipais,
entidades empresariais, ONGs, pesquisadores e estudantes.
Monteiro é economista pela UFPE e administrador
de empresas pela UPE. Possui mestrado em Desenvolvimento
Urbano pela UFPE e, no momento, é professor do curso de
Economia da Universidade Católica de Pernambuco, além de
sócio da Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento.
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Publicação
Tese: “A economia do sudeste paraense:
fronteira de expansão na periferia brasileira”
Autor: Valdeci Monteiro
dos Santos
Orientador: Wilson Cano
Unidade: Instituto de Economia (IE)