|
Saliva é ferramenta na detecção
de estresse e de doping em atletas
Teste, que pode ser aplicado já nas
Olimpíadas,
é menos invasivo do que o hemograma
A
saliva pode fornecer pistas para avaliar a performance de
atletas em situações de treino ou competições, principalmente
através da avaliação do estresse oxidativo, que é o descompasso
entre a produção e a eliminação de espécies reativas de oxigênio.
Ela se mostrou uma ferramenta possível e menos invasiva do
que o tradicional hemograma, que envolve retirada de sangue.
Mostrou-se ainda capaz de verificar se um atleta empregou
substância ilícita para aumentar o transporte de oxigênio,
no caso de uso de um doping pelo hormônio eritropoetina, por
exemplo. A pesquisa de doutorado foi desenvolvida no Instituto
de Biologia (IB) pelo farmacêutico bioquímico Lázaro Alessandro
Soares Nunes.
No trabalho, orientado pela
docente Denise Vaz de Macedo, do Departamento de Bioquímica,
o pesquisador conseguiu estabelecer intervalos de referência
tanto de saliva como de sangue, mas com a finalidade de empregar
a saliva na avaliação, não somente por aderir melhor do que
o sangue e também porque muitos atletas consideram a agulha
no mínimo incômoda, ainda mais quando os exames integram a
sua rotina. A intenção, segundo a professora Denise, é aplicar
já o novo teste nas Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro.
Equipes esportivas já se mostraram interessadas no método
proposto na Unicamp.
A primeira medida, conta Nunes,
foi estabelecer os intervalos de referência de analitos –
os itens da amostra que se constituem alvo da análise bioquímica.
Para isso, a pesquisa contou com o apoio de 250 alunos, com
idade entre 17 e 19 anos, da Escola Preparatória de Cadetes
do Exército (EsPCEx), de Campinas. Isso porque os avaliados,
diz, praticam atividades físicas periodizadas (três horas
diárias) supervisionadas por preparadores físicos do Exército,
têm dieta controlada, vivem no mesmo ambiente e contam com
a mesma quantidade de horas dormidas. “Trata-se de uma população
que nos habilita a estabelecer estes valores de intervalo
de referência com toda segurança.”
O autor da tese revela que,
para utilizar as análises bioquímicas aplicadas a atletas,
era preciso levar em conta o efeito que a atividade física
ocasionava sobre os parâmetros sanguíneos. Uma enzima muito
empregada a fim de detectar lesão muscular é a creatina quinase
(CK), um marcador que passa a ser liberado em maior quantidade
na corrente sanguínea quando a célula muscular se rompe. Esses
níveis para um atleta são mais elevados do que para não praticantes
de atividade física.
O farmacêutico explica que
o intervalo de referência é primordial numa avaliação, sendo
preditivo ao identificar tendências não esperadas. Com o resultado
de um exame de sangue, se o que está em jogo é avaliar a glicose
sanguínea – para investigar se a pessoa não possui diabetes
–, então 70 a 100 mg/dl é a faixa de valores normais. Ocorre
que, para muitos parâmetros, esse intervalo em atletas não
é o mesmo visto no cidadão comum.
Desta forma, a intenção de
Nunes foi estabelecer valores de referência, além do hemograma,
em torno de 20 outros analitos – entre eles glicose, CK, ácido
úrico, ureia, colesterol e triglicérides – naquela população
fisicamente ativa da Escola de Cadetes. Além de ter um valor
inestimável para quem pratica atividade física, tais análises
permitem avaliar a capacidade de transporte de oxigênio, verificar
se há um processo anêmico em curso e se isso vai prejudicar
o desempenho físico. “Avalia ainda se o indivíduo tem algum
processo inflamatório ou infeccioso.”
Como na maior parte das análises
elas sofrem alguma influência da atividade física, é certo
que existe a necessidade de estabelecer esses intervalos,
que na Escola de Cadetes foram normais, porém em indivíduos
fisicamente ativos. “Em alguns momentos usávamos essas análises
para fazer o cálculo dos intervalos e em outros verificávamos
o comportamento dessas análises ao longo do mês, para saber
qual estava sendo o efeito do treinamento”, propôs o pesquisador.
Estudos
com não atletas, informa ele, ainda não foram feitos no Laboratório
de Bioquímica do Exercício (Labex). “Nós nos baseamos nos
trabalhos já publicados na literatura. No Labex, as pesquisas
contemplam a categoria dos atletas há mais de 15 anos, local
onde se realizou este projeto de tese. Logo, chegou-se a uma
avaliação com os fisicamente ativos da Escola de Cadetes,
que difere um pouco do modelo de atletas, mas que também não
se encaixa no padrão sedentário”.
No caso dos parâmetros do
hemograma, foram encontradas poucas diferenças em relação
aos intervalos de referência populacionais. Contudo, a segunda
parte do estudo consistiu em analisar a variação biológica
por meio do hemograma. Por exemplo, se avaliado o nível de
hemoglobina mês a mês no laboratório, para a proteína que
transporta o oxigênio, nunca será encontrado o mesmo valor.
“Ocorre pelo menos uma pequena variação no cálculo, chamada
variação biológica intra-indivíduo, que é importante ser levada
em consideração quando fazemos análises sequenciais. Já, averiguando-se
os parâmetros desse mesmo hemograma que medem o processo inflamatório
através das células brancas, os praticantes de atividade física
mostraram maior variação do que os não praticantes”, realça
Nunes.
Inovação
Uma das aplicações do estudo é que, com os valores de variação
biológica da série vermelha (geralmente a primeira parte do
hemograma, o eritrograma) – onde são avaliados os números
de hemácias e a concentração de hemoglobina –, é possível
fazer adaptações no treino dos atletas para melhorar o seu
transporte do oxigênio. Dá ainda para verificar se o atleta
empregou substância ilícita para aumentar esse transporte.
É o caso do uso de um doping pelo hormônio eritropoetina.
Quando essa variação foge muito do normal, leva a suspeitar
de substâncias ilícitas.
A maioria das análises de
sangue também se mostraram quantificáveis na saliva. As concentrações
podem até não ser exatamente as mesmas que estão no sangue,
mas mantêm uma relação. Ou seja, a saliva pode atuar como
um biomarcador, garante o pesquisador.
De acordo com a professora
Denise, responsável pelo Labex, agora é possível obter a saliva
sem muita preocupação em coletar o sangue porque, tendo o
valor de referência para alguns analitos, é possível ter um
indicativo do nível de estresse. A inovação do trabalho de
Nunes, prossegue a orientadora, está em disponibilizar o valor
de referência para os analitos, de modo a serem usados numa
rotina de treinamentos. Isso não quer dizer que o exame de
sangue ficará descartado, uma vez que nem todos os analitos
respondem bem na saliva. A tese procurou discriminar justamente
os que respondem bem: estresse oxidativo e a capacidade antioxidante
numa situação de exercício. Teve igualmente êxito a enzima
alfa-amilase (nível de estresse psicológico), que tem sido
correlacionada com o cortisol e a adrenalina. “O método da
saliva quantifica essa enzima a um baixo custo.”
A técnica da saliva desponta-se
como viável para verificar o nível de estresse físico. Se
a alfa-amilase está muito alta, atenta a professora Denise,
os resultados sinalizam que o sistema simpático está muito
ativado, indicando um nível de estresse elevado. Se está baixo
em um horário do dia que deveria estar mais alto, significa
que predomina o sistema nervoso autônomo parassimpático, ponderando
que algum mecanismo fisiológico não deve estar respondendo
bem.
Entenda como são colhidas
as amostras
Para colher a amostra de saliva,
foi utilizado um kit que recolhe a saliva em base líquida
que ainda não está disponível comercialmente no Brasil e que
foi cedido por uma empresa do ramo de diagnóstico que o desenvolveu
(Greiner-Bio One) para fins de pesquisa. Uma solução é colocada
na boca do avaliado e, após poucos minutos, ela é desprezada
num becker (frasco plástico). O conteúdo é transferido para
tubos fechados através de um sistema de vácuo, sem que haja
manipulação da saliva, o que previne contaminações. Após essa
obtenção, consegue-se – com este sistema – um volume de saliva
em torno de 5ml a 6 ml.
Observou-se ainda que é preciso
escolher um horário para analisar a saliva, porque o valor
de referência varia – de manhã é um e à tarde é outro. Logo,
se um dia a coleta da saliva num mesmo sujeito acontece de
manhã e outro dia à tarde, incorre-se no erro de interpretar
mal o resultado, deduzindo que o nível de estresse está maior,
quando na verdade não está. É que existe essa variação em
função do ritmo circadiano (mecanismo do corpo para ajustar
o relógio biológico que governa o apetite e o sono), que tem
alguns hormônios e algumas moléculas que funcionam deste modo.
O trabalho de Nunes integra
a linha de pesquisa de intervalos de referência e variação
biológica para biomarcadores de tolerância ao treino. Sua
intenção é buscar no pós-doutorado outros biomarcadores. A
despeito do teste ser mais próprio para atletas (nem sempre
os de alto rendimento), ele pode ser adotado por amadores.
Ao fazer uma análise de saliva, dá para concluir se aquela
pessoa é atleta, pois algumas alterações ocorrem no organismo
em função da falta de condicionamento.
Labex é referência
na área esportiva
O Labex tem buscado alguns
marcadores no sangue que permitem modular o esforço e o
repouso nos treinos e, junto com eles, os valores de referência
para saliva, os quais serão capazes de proporcionar um seguimento
com maior sensibilidade e certeza de quais analitos discriminaram
tal processo. “Estamos na trilha correta e a ideia é continuar
nesta direção”, acentua a professora Denise.
Desde 1996, o Labex atua
especificamente com atletas, trabalhando hoje com uma equipe
de pesquisadores que chega a 20 pessoas, entre alunos de
iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado.
O laboratório tem ainda uma equipe de atletismo com funcionários
da Universidade sob sua supervisão, desde a instituição
do Programa Funcionário Atleta, e de alunos que almejam
ser atletas. Ao todo, são 42 corredores na equipe.
Eles treinam diariamente
e, graças a uma parceria firmada com a Academia Cinética,
fazem musculação duas vezes por semana. Têm ainda encontros
com nutricionista e, a cada dois meses, análise de sangue,
além de treino sistematizado com três treinadores profissionais,
cada um com seu grupo de atletas, todos profissionais da
área de Educação Física. A expectativa, afirma a responsável
pelo Labex, é a participação dos funcionários dessa equipe
nos campeonatos masters e de pista. Já o trabalho com os
alunos da Unicamp que se pretende fazer com maior ênfase
é com vistas às olimpíadas universitárias, que nesse ano
ocorrerão em Campinas.
............................................
Publicação
Tese: “Parâmetros bioquímicos e hematológicos na
saliva e sangue de indivíduos fisicamente ativos”
Autor: Lázaro Alessandro Soares Nunes
Orientadora: Denise Vaz de Macedo
Unidade: Instituto de Biologia (IB)
Financiamento: CNPq
............................................
|
|