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A TIC e a busca do ‘homem integral’
Estudo do IA aborda a inclusão de jovens no mundo do trabalho

ISABEL GARDENAL

Seria necessário fazer uma revisão profunda nos currículos de formação dos professores, pois a mediação pedagógica passa pela compreensão filosófica, ontológica e estética do ser humano. Não se educa apenas com o conhecimento epistemológico de diferentes áreas. O conhecimento científico é fundamental, mas é preciso refletir sobre a visão de homem que o docente possui, ao mesmo tempo que ensiná-lo a usar bem as tecnologias de informação e comunicação (TICs) e suas linguagens como instrumento de ação pedagógica. “A visão da educação na perspectiva do homem integral ainda não aconteceu. O foco está na ‘coisa’ – no conhecimento –, e não na pessoa”, concluiu a jornalista científica Flavia Rezende em sua tese de doutorado, defendida no Instituto de Artes (IA) e orientada pelo professor José Armando Valente.

“E as TICs têm muito a contribuir com esse contexto, já que, ao aprender a fazer, alunos e professor se conscientizam de si e dos outros ao se perguntarem: o que faço colabora para tecer o homem integral?”, diz a jornalista. Outra conclusão é que o professor deve mudar o seu olhar para seus alunos. “Tem que formar um olhar contemplador sobre o fazer e os produtos realizados pelos alunos, numa atitude estética. Tem que agir como um artista pedagógico, porque sua obra é o aluno; e neste novo ambiente educativo o aluno é um artista, conforme o conceito de matética de Seymort Papert, criador do construcionismo. E se sua obra é o aluno, enquanto professor, ele tem a missão social de fazer uma obra bela: o homem integral.”

Apesar da tese ter um ‘quê’ de teórico, coube à jornalista ‘fazer’, colocando em prática suas ideias. Ela executou o projeto para incluir jovens no mundo do trabalho, batizado como Acreditar Jovem, em Atibaia, onde reside há 17 anos. O município tem 122 mil habitantes, sendo que 56 mil moram numa comunidade ‘do outro lado da ponte’ da cidade, onde 22 mil jovens têm idade entre 18 e 25 anos.

Baseando-se na metodologia do seu mestrado, de 2004, a autora conformou um ambiente construcionista híbrido: uma parte on-line adotando o Teleduc 4.0, software produzido na Unicamp pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação e pelo Instituto de Computação (IC); e outra presencial, com oficinas de arte e criatividade, usando – além de computadores e internet – câmeras, filmadoras, gravadores digitais e celulares.

A pesquisadora partiu do relatório Delors, escrito por Jacques Delors para a Unesco, Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, intitulada Educação, um Tesouro a Descobrir (1996), que propõe quatro dimensões da aprendizagem: o aprender a fazer, a compreender, a ser e conviver, como os quatro pilares da educação.

Flavia Rezende decidiu rever sua metodologia de conformação de ambiente virtual construcionista. Percebeu que em seu mestrado tinha lidado apenas com o modelo do ‘fazer ao compreender’, privilegiando aspectos cognitivos e epistemológicos. Faltavam as dimensões do ser e do conviver para preparar o jovem para a vida.

As pessoas, lembra, tomavam consciência apenas de como aprendiam para aprender ao longo da vida, como sugerido por Valente e Seymour Papert, mas não tomavam consciência ‘de quem eu sou, como eu vivo com as pessoas’. Buscou então incluir estratégias pedagógicas integrando o ser e conviver em meio a muito diálogo.

Nesse novo ambiente construcionista, com uma abordagem da estética marxista, a pesquisadora conseguiu que os jovens em pouco tempo se empoderassem para ‘vencer no mundo do trabalho só sendo fera’, um dos slogans do projeto.

Iniciativa
Esse projeto iniciou com 30 jovens, caindo para 18 e estabilizando-se em 15. É que eles não conseguiam se manter no Acreditar Jovem sem trabalhar, já que a pesquisa não ofereceu bolsa. Na verificação dos motivos da evasão, Flavia Rezende diagnosticou a necessidade dos jovens ajudarem suas famílias; a imaturidade de alguns que viam o projeto como uma lan house; e a mudança de cidade. Outros descontinuaram sem que fosse detectada uma causa.

Quinze jovens permaneceram ali por dez meses (de agosto de 2009 a junho de 2010), para efeito da pesquisa. Porém o projeto não teve e não terá um fim. Os jovens continuam se reunindo na ONG Pró-Humana, onde as atividades acontecem, mantendo o apoio da sociedade civil através da ONG Consciência Solidária e das Faculdades Atibaia (Faat), instituição que cedeu os laboratórios de informática para o estudo.

A ideia é fazer com que cada jovem reconheça na prática e acredite em seu potencial para estar no mundo do trabalho. O Acreditar Jovem fornece-lhes ferramental e autonomia, “porque hoje o mundo do trabalho oferece emprego, com poucas vagas, e inclui os empreendedores, cuja permanência depende da sua proatividade”, pontua Flavia Rezende.

O projeto aconteceu em dois momentos. O primeiro foi com as competências requeridas pelo mundo do trabalho (usar as TICs, trabalhar em equipe, saber ler, pesquisar na Web, desenvolver o letramento numérico, tomar consciência de problemas ambientais e atuar em competências gerenciais). O segundo envolveu ações na incubadora, quando o jovem realizou seu sonho profissional.

No curso, os jovens têm um caminho com algumas atividades livres a efetuar. Passam por um miniestágio na área de sua predileção. “É quando praticam o sonho de profissionais”, realça a pesquisadora. “Os jovens decidem o sonho de ser, e eu tento viabilizá-lo na sociedade civil.”

Natália queria ser cabeleireira. Fez um miniestágio em um salão para ver como isso acontecia na prática para perceber e tomar consciência das competências que precisava desenvolver. Como todos, ela fez sua reflexão mediante registros fotográficos e anotações no computador.

Lucas queria ser jornalista. Durante uma semana saiu com esse profissional para cobrir eventos, incluindo uma enchente. Reconheceu os pré-requisitos. Teve que superar sua timidez, pesquisar e ler muito, corrigir seus textos, ajustar o foco da fotografia, entre outras tarefas.

Ana Paula, deficiente auditiva, teve dificuldade de encontrar sua carreira. Queria ser secretária e, ao fazer o curso, constatou que podia ser uma boa recepcionista, após reconhecer seu problema estrutural com a escrita. Foi trabalhar numa clínica médica.
Ser bailarina era o sonho de Mariana. A pesquisadora encontrou uma academia de dança que a acolhesse. No decorrer do miniestágio, ela reconheceu que não era bem aquilo o que esperava. Quis ser street dancer.

Tácio sinalizava uma tendência à arquitetura. Seu desenho em perspectiva era fantástico, conta a jornalista, começando com um autorretrato e crescendo ao usar os diferentes softwares. No estágio, escolheu a área de agronomia e paisagismo. Na volta, ao produzir uma mídia condensando a experiência para sua reflexão, decidiu-se pela arquitetura. “Pelo sim e pelo não, ele descobriu a sua vocação, assim como os demais jovens.”

TIC na educação
Flavia Rezende afirma que uma das contribuições das tecnologias da informação e comunicação para a educação é que o computador, ou qualquer TIC, ajuda a explicitar o processo de aprendizagem. Isso já foi demonstrado pelas teorias de Ciclo Conceito de Aprendizagem e Redemoinhos de Aprendizagem, de Valente e Prado respectivamente. “Ao agregar máquina fotográfica, gravador e filmadora, as TICs operam de modo que o aluno organiza o conhecimento sobre a realidade, não apenas constrói o conhecimento prático e científico. Toma consciência das operações mentais, de si mesmo e de seu potencial.”

Ao selecionar fotografias e ao montar um filme para construir a narrativa livre e criativamente, as pessoas notavam o que era relevante para sua obra. “Nessa medida eu, como artista pedagógica, devo enxergar a obra desse aluno e significá-la. Para isso, tenho de mudar o ambiente educativo o tempo todo, sendo criativa também”, conta a jornalista.

Impacto social
Flavia Rezende relata que o projeto aconteceria em Sud Mennucci, cidade-paradigma em inclusão digital, na qual todos moradores podem ter, em casa ou em locais públicos, acesso grátis e irrestrito à internet banda larga sem fio. Mas decidiu realizar sua pesquisa em Atibaia. “O problema de inclusão do jovem no mundo do trabalho estava ao meu lado”, justifica. “E seus resultados podem ser aplicados em todos os contextos e em outros países.”

O valor da pesquisa foi mostrar que é possível a formação integral com as TICs e que elas, aplicadas em ambientes construcionistas na abordagem estética, mais do que ‘cercear’ o processo educativo, ajudam nessa formação. Socialmente, são ferramentas potentes para inclusão do jovem, opina a jornalista.

Segundo ela, a experiência do projeto está aberta às prefeituras e às ONGs interessadas não só em incluir o jovem no mundo do trabalho. “Acredito que esta metodologia propicia o empoderamento do idoso, das mulheres e das pessoas que atuam nas organizações empresariais e que desejam ser learning organization (organizações que aprendem).”

A filosofia, recorda, consiste em mudar o paradigma do fazer e compreender para as aprendizagens do fazer ao ser e conviver para compreender. Esta metodologia, diz a pesquisadora, tem impacto em todos os âmbitos da aprendizagem. “Meu desejo é que haja um telecentro do projeto em cada canto do país, uma rede.”

Para a formação de novos grupos em Atibaia, a jornalista aguarda a instalação de um polo, via o Programa Telecentro-BR, com computadores fornecidos pelo Ministério do Planejamento, e os participantes atuais serão os agentes digitais.

A autora da tese crê que, quanto mais próximo o telecentro estiver da onde vive o aluno, melhor. Embora se considerando a mãe do Acreditar Jovem, ressalta que “agora esse projeto é filho de todos, pois os jovens já se apropriaram dele. Inclusive criaram o Cine na Tenda. Como parte da incubadora juvenil, ela tinha um prazo de seis meses para ocorrer, mas ficará para sempre”, comemora.

Indagada por que Acreditar Jovem, a pesquisadora responde: “por princípio. Se não acredito nas pessoas, como é que poderei interagir com elas e, pior, ser a sua educadora?” Flavia Rezende fez Jornalismo Científico no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, tendo mestrado em Multimeios e doutorado em Artes pelo IA.

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Publicação
Tese de doutorado:
“Desvelando a estética em ambientes construcionistas de ensino e aprendizagem. Uma experiência de inclusão de jovens no mundo do trabalho”
Autora: Flavia Amaral Rezende
Orientador: José Armando Valente
Unidade: Instituto de Artes (IA)
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