A
historiografia literária classificou, de modo geral, o escritor
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) como o autor de A Moreninha
e de outros romances assemelhados, todos com teor melodramático.
Tese de doutorado de Juliana Maia de Queiroz, apresentada
ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, faz
emergir um escritor pouco conhecido do público, dono de
uma obra bastante diversificada. “Macedo tem uma produção
muito vasta e diversa, que dialoga com os diversos papéis
sociais que ele desempenhou na sua época”, afirma a pesquisadora,
que foi orientada pela professora Márcia Abreu e contou
com bolsa fornecida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp).
De acordo com Juliana, embora tenha trabalhado
com diferentes gêneros literários e abordado inúmeros temas
em seus livros, Macedo entrou para a história como um autor
menor, unicamente de romances melodramáticos. Com base nas
investigações que fez, valendo-se de consultas a fontes
primárias como jornais e catálogos de editoras do Século
XIX, a pesquisadora levantou algumas hipóteses para explicar
o estigma pespegado ao literato carioca. Uma delas diz respeito
às relações políticas do escritor, que foi deputado e tinha
excelente trânsito com o imperador Pedro II. “Além de político,
Macedo também foi professor de História, e deu aula para
as filhas do imperador. Com a queda do Império, caiu também
toda a mentalidade vigente. Uma das hipóteses interpretativas
é a de que isso poderia ter feito com que Macedo fosse praticamente
ignorado pela crítica a partir de então”, explica Juliana.
A
outra suposição levantada pela autora da tese diz respeito
a uma possível discriminação sofrida pelo escritor, também
por parte da crítica, em razão de seus livros terem caído
no gosto popular. Ao consultar catálogos e anúncios publicados
em jornais do período, Juliana constatou que os títulos
assinados por Macedo apareciam ao lado de escritores reconhecidamente
populares, sendo que boa parte deles sequer foi registrada
pela historiografia literária. “Naquele período, a ideia
de bom romance começou a mudar. Os críticos passaram a valorizar
as obras ditas mais ‘elevadas’. Desse modo, um escritor
que caísse demais no gosto popular era considerado um ‘autor
fácil’. Ou seja, se era popular, logo não tinha qualidade,
segundo essa categorização”, acrescenta a pesquisadora.
Além das fontes já citadas, Juliana também
analisou em detalhes três romances escritos por Macedo na
segunda metade do século XIX: A carteira de meu tio (1855),
Memórias do sobrinho de meu tio (1868) e A luneta mágica
(1869), volumes que acabaram ganhando tímida apreciação
por parte da crítica literária e dos historiadores da literatura
dos séculos XIX e XX. Esses livros, conforme a pesquisadora,
não guardam qualquer relação com A Moreninha. “Eles fogem
do viés mais amoroso e melodramático que caracterizou uma
parte da obra de Macedo. Ele de fato escreveu romances de
temática amorosa, mas também produziu muitas outras coisas”,
insiste.
Nos livros analisados, continua Juliana,
Macedo se mostra um observador sagaz dos costumes e acontecimentos
de seu tempo. Nos textos, ele também exibe o seu lado crítico,
principalmente em relação à política e ao comportamento
social dos moradores do Rio de Janeiro, seu Estado natal.
“A carteira de meu tio foi o primeiro romance que analisei.
O livro fez enorme sucesso na época. Primeiro, saiu em forma
de folhetim. Depois, teve três edições em pequeno espaço
de tempo. Em Memórias do sobrinho de meu tio, ele deu sequência
à narrativa. Trata-se do mesmo narrador-personagem, o que
constituiu uma inovação na prosa ficcional do século XIX.
O narrador é um sujeito irreverente, cujo sonho é se tornar
político, uma vez que não gosta de trabalhar. Ou seja, o
romance traz embutida uma forte crítica à política da época”,
analisa Juliana.
Estudando este segundo livro, a autora da
tese conta ter descoberto que um dos temas discutidos naquele
período era justamente a política da conciliação. Os partidos
Liberal e Conservador se alternavam no poder, com a intenção
de manter o status quo. Para a população, todavia, tal sucessão
não resultava em melhorias tangíveis. No caso de A luneta
mágica, de acordo com Juliana, Macedo emprega um tom de
mistério e fantasia no texto. “Neste romance, Macedo faz
referências a acontecimentos da época e reserva uma crítica
ferrenha às relações sociais e políticas de então. Ele também
critica as relações familiares. O narrador da história é
apresentado como míope, tanto em termos físicos quanto morais.
Ou seja, ele não consegue distinguir entre o bem e o mal.
Macedo se vale disso para fazer uma discussão sobre esses
dois conceitos, que são tão caros ao modelo romântico”,
explica a autora da tese.
Segundo
a pesquisadora, nas três obras não surge o modelo fechado
que contempla o vilão, a mocinha e o herói. “Ou seja, nenhuma
delas sequer se aproxima em termos de enredo e temática
de A Moreninha. Na minha tese, eu defendo a ideia de que
essa diversidade dialoga diretamente com os variados papéis
sociais que Macedo desempenhou na época. Além de médico,
político e professor, ele também foi membro do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e cronista. Assim,
as experiências acumuladas em todas essas atividades aparecem
refletidas em seus livros, ora de forma mais direta, ora
de maneira mais sutil”. Além de romances e crônicas, Macedo
escreveu também poemas, peças de teatro e memórias.
O escritor
Joaquim Manuel de Macedo nasceu em Itaboraí,
no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1820. Formou-se em
Medicina, mas praticamente não exerceu a profissão. No mesmo
ano da conclusão do curso publicou o seu mais conhecido
romance, A Moreninha, que lhe garantiu reconhecimento quase
instantâneo. Em 1849, fundou com Araújo Porto-Alegre e Gonçalves
Dias a revista Guanabara, onde apareceu grande parte do
seu poema-romance A Nebulosa, que alguns críticos consideram
como um dos melhores do Romantismo. Macedo foi professor
de História e Geografia do Brasil no Colégio Pedro II.
Militou no Partido Liberal, pelo qual se
elegeu deputado provincial (1850, 1853, 1854-59) e deputado
geral (1864-68 e 1873-81). Foi um dos fundadores do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Além de A Moreninha
(1884), publicou, entre outros, os livros O moço louro (1845),
Os dois amores (1848), Rosa (1849), Vicentina (1853), O
forasteiro (1855); A carteira de meu tio (1855), Memórias
do sobrinho do meu tio (1867-68), A luneta mágica (1869)
e As mulheres de mantilha (1870). Para o teatro, escreveu
16 peças. Macedo morreu no Rio de Janeiro, em 11 de abril
de 1882.
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Publicações
Artigos
QUEIROZ, Juliana Maia de. “Em busca de romances: um passeio
pelo catálogo da livraria Garnier” in Trajetórias do romance.
Circulação, leitura e escrita nos séculos XVIII e XIX. Apresentação
e organização de Márcia Abreu. Campinas: Mercado de Letras,
2008.
QUEIROZ, Juliana Maia de. A carteira de meu tio: Ficção
e História em Joaquim Manuel de Macedo in Revista Brasileira
de História e Ciências Sociais. Volume 2 - Número 3 - Julho
de 2010. Disponível em www.rbhcs.com
Tese: “As múltiplas facetas de Joaquim
Manuel de Macedo: um estudo de A carteira de meu tio, Memórias
do sobrinho de meu tio e A luneta mágica”
Autora: Juliana Maia de Queiroz
Orientadora: Márcia Azevedo de Abreu
Unidade: Instituto de Estudos da Linguagem
(IEL
Financiamento: Fapesp
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