Maria Stella Bresciani
e o território da pobreza
18/3/2009
– A aula inaugural do curso de História da Unicamp,
denominada "O avesso da Revolução Industrial, uma
viagem pelo território da pobreza", não foi com certeza
algo rotineiro na vida acadêmica do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH) na manhã do último dia 18.
A professora Maria Stella Bresciani, historiadora de grande
peso científico, pertencente ao Instituto desde 1974, recebeu
uma deferência especial, no anfiteatro 2, de seus colegas
de profissão neste momento em que ela se prepara para a
aposentadoria na instituição, no mês de junho deste ano.
Stella adianta, porém, que não pretende pôr fim a uma
carreira que iniciou de maneira inesperada, depois de já
ter atuado por anos na indústria farmacêutica. Após ajudar
diabéticos com a insulina necessária ao seu tratamento,
salientou ela, descobriu a História, um de seus maiores
prazeres. "Temos que fazer o que gostamos. É um grande
passo para tudo dar certo", aconselhou.
Natural de São Paulo, Capital, a historiadora contou que
descende de italianos e que cedo aprendeu ter disciplina
em casa. A escolha profissional de hoje aconteceu logo em
seguida ao nascimento do seu primogênito, numa época em
que o mercado de trabalho já se sinalizava indícios de
que o emprego daria muito o que falar não muitos anos depois.
Colega do Departamento de História, o qual Maria Stella
ajudou a criar, o professor Edgar de Decca, atual pró-reitor
de Graduação da Unicamp, elogiou o trabalho dela e garantiu
que é demasiado repetitivo enfatizar a importância de
Stella para a historiografia brasileira. As suas pesquisas,
segundo Edgar de Decca, mudaram a perspectiva sobre a abordagem
do trabalho escravo e livre no país. "Stella amadureceu
muito ao estudar o pensamento liberal e encabeçar estudos
da História Moderna e Contemporânea. Nada como termos
um patrimônio da historiografia em nossa Universidade",
comentou, acrescentando que tem orgulho por ter ingressado
na Unicamp também graças ao seu apoio.
Maria Stella apontou dados e gráficos, fornecendo estatística
e mapas a fim de colaborar para a elucidação do território
da pobreza. Falou de São Paulo. Implicitamente favorável
à interdisciplinaridade, enveredou por um trabalho
parceiro com a área de Arquitetura e Urbanismo. Dessa trajetória,
resultam alguns trabalhos em que tem falado da questão
da territorialidade. Partiu da análise de um encarte recente
publicado no jornal O Estado de São Paulo, intitulado Megacidades.
"Nele, São Paulo é mencionada em quinto lugar entre
as maiores cidades do mundo, desde 1975. E até 2025 a previsão
é de que a cidade continuará nesta posição", informou.
Stella comentou que grandes desafios devem ser avaliados,
como por exemplo as áreas degradadas da região central
e as favelas da Capital. São Paulo e Campinas, no encarte
do jornal, formam a maior malha urbana do Hemisfério Sul,
com 27 milhões de habitantes, 12% do país, responsáveis
por 65,7% do PIB do Estado e 22% do PIB brasileiro. No texto,
São Paulo aparece como uma metrópole desmedida, com um
número de veículos bem maior do que a sua capacidade e
já com uma situação de caos e de colapso presentes.
A partir desse encarte, a historiadora descobriu muitas
semelhanças de tratamento com o que tinha estudado no século
XIX em Londres, com territórios de pobreza e suas características.
Falou sobre o contraste da riqueza trazida pela Revolução
Industrial e o empobrecimento da classe trabalhadora. Com
o auxílio da iconografia, destacou a ideia da degradação
física e moral observada no século XIX e atualmente.
Conforme os pesquisadores Meyer e colaboradores, São Paulo
vive um novo padrão urbano, com modernização de suas
favelas e cortiços, o que eles chamaram 'modernização
precária'. "Cada prédio é um pacto que precisa de
iluminação, água e mínimas condições sanitárias",
abordou Maria Stella, dizendo que não é possível estudar
o país como um recorte apenas. Além disso, a historiadora
enfatizou que há uma concepção moral na palavra 'degradada'
e em outras metáforas. "É a força persuasiva
das palavras constituindo a base para a formação de campos
conceituais", frisou.
Maria Stella Martins Bresciani fez a graduação em História
pela Universidade de São Paulo em 1970, onde também concluiu
o doutorado em História Social em 1976. Fez pós-doutorado
pelo Centre National de la Recherche Scientifique em 1995
e pela École des Hautes Études en Sciences Sociales em
2003. Atualmente, é professora titular do IFCH e bolsista
de produtividade em pesquisa do CNPq nível 1A.