Tese revela que espécies de alho têm
atividade semelhante à de antibióticos
Testes feitos com animais na FOP
demonstram ação antimicrobiana
A
utilização do alho nos alimentos e como medicamento se perde
nos tempos. Segundo algumas evidências, seu emprego em várias
culturas começou há pelo menos seis mil anos. Hoje se conhecem
cerca de 600 espécies de alho e o gênero Allium é frequentemente
referência em estudos e utilizado em medicina devido às propriedades
antimicrobiana e antiviral, entre outras. Com base no Allium
sativum, comumente consumido no Brasil, e no Allium tuberosum,
o conhecido alho nirá, que compõe a culinária japonesa, o
professor de química do Cotil (Colégio Técnico de Campinas),
da Unicamp, Paulo César Venancio pesquisou as atividades antimicrobianas
dessas espécies em ratos, comparando-as com o conhecido antibiótico
amoxicilina.
O trabalho,
desenvolvido na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)
da Unicamp e orientado pelo professor Francisco Carlos Groppo,
do Departamento de Ciências Fisiológicas, teve várias motivações.
Para chegar à escolha do alho, Venancio pesquisou inicialmente
quais as plantas que apresentavam melhor eficácia contra infecção,
mais especificamente no combate aos Staplylococcus aureus,
frequentemente isolado na pele, glândulas cutâneas e em mucosas.
Ao justificar
a seleção da bactéria, o docente esclarece que ela, que faz
parte da microbiota humana, ao encontrar condições favoráveis,
pode entrar na corrente sanguínea e se alojar em vários órgãos
ou tecidos e causar efeitos devastadores. Lembra a propósito
que a bactéria é uma das maiores responsáveis pelas infecções
hospitalares. Moveu-o, ainda, o fato de a Anvisa ter lançado
em 2010 uma relação de plantas medicinais em que o alho, tradicionalmente
considerado antisséptico, tem esse efeito destacado.
O pesquisador,
entretanto, enfatiza que o estudo teve por objetivo principal
avaliar in vivo a atividade antimicrobiana de extratos dos
dois alhos mencionados sobre a infecção estafilocócica em
ratos. Paralelamente, determinou as mesmas atividades in vitro,
ou seja, com bactérias cultivadas em laboratório. A comparação
dos resultados obtidos nos dois estudos permitiu aventar eventuais
efeitos fisiológicos sobre os animais. Mais ainda: para estabelecer
parâmetros com outros trabalhos desenvolvidos, Venancio determinou
a composição química dos extratos, ou seja, a qualidade e
a quantidade de substâncias neles presentes, o que possibilitaria
confirmar aquelas responsáveis pelo principio ativo.
Sintetizando,
Venancio esclarece que a proposta foi a de determinar por
cromatografia gasosa a composição química das soluções aquosas
e hidroalcoólicas à base de A. tuberosum e A. sativum; verificar
a sensibilidade dessas soluções por meio de testes de concentração
inibitória e bactericida mínima; e comparar o efeito de extratos
dos dois alhos com o da amoxicilina, costumeiramente utilizada
contra infecção.
Segundo
o pesquisador, o trabalho foi orientado na busca de uma alternativa
para combater as infecções bacterianas mais incidentes hoje.
“Os antibióticos utilizados são específicos para cada tipo
de cepa de bactérias,observando-se cada vez mais o aumento
de suas resistências a eles. A ideia foi então a de buscar
alternativas junto à natureza que possam vir a somar como
possibilidades a mais no controle das infecções bacterianas”,
afirmou.
Para
Venancio, o resultado das análises dos extratos revelou a
presença de compostos orgânicos e organossulfurados responsáveis
pela ação antimicrobiana e provavelmente resultantes da degradação
da alicina presente no alho.
Os testes
in vitro confirmaram a ação antimicrobiana do A. sativum,
mas surpreendentemente mostraram que esse efeito não se manifesta
no caso do A. tuberosum.
No modelo
utilizado para os ratos, os extratos dos dois alhos mencionados
nas diferentes concentrações utilizadas foram capazes de diminuir
de maneira eficaz e comparável à amoxicilina a infecção estafilocócica.
Procedimentos
O pesquisador preparou inicialmente sucos a partir dos alhos
selecionados, adicionando-os a pesos iguais de água. Triturada
em liquidificador, a mistura foi filtrada e o extrato esterilizado.
Neles, que serviram para os testes in vivo e in vitro, foram
determinadas as substâncias presentes.
Os animais selecionados passaram
a ser tratados 24 horas depois de infectados. Separados em
grupos foram-lhe administrados a cada seis horas (horas zero,
6, 12, 18 e 24), amoxicilina e os extratos de alho através
de uma agulha de gavagem introduzida até o estômago dos animais.
Os animais foram distribuídos em seis grupos: o grupo de controle
recebeu apenas soro fisiológico; outro, amoxicilina (50mg
por kg do animal); outros dois, 100 mg e 400 mg por kg de
animal, respectivamente, de um dos alhos; e os outros dois
grupos as mesmas quantidades do outro alho. Um terço dos animais
em cada grupo foi sacrificado nos tempos 6, 12 e 24 horas.
Todos esses animais foram submetidos em cada tempo a análises
microbiológicas para determinação das bactérias ainda existentes.
Os resultados mostraram que,
depois de 24 horas, os dois alhos levaram a resultados muito
parecidos aos da amoxicilina. O pesquisador esclarece que
as bactérias não foram totalmente mortas por causa, provavelmente,
do tempo reduzido das administrações. A duração do experimento
não foi estendida para preservar os animais e em razão dos
custos. Um tratamento estatístico da curva obtida permite
prever o que aconteceria se o tratamento continuasse e o tempo
que deveria perdurar para extermínio das bactérias.
Nas análises in vitro, a amoxicilina
e os extratos de alho foram testados em meio de cultura das
bactérias. A surpresa, como já se disse, foi a ausência total
de ação do extrato obtido do alho japonês, mas que mostrara
ação efetiva quando ingerido pelos ratos. O pesquisador aventou
então a possibilidade de o alho japonês estimular o sistema
imunológico do rato. Os dois alhos, além da atividade direta
sobre os microorganismo, ativariam o sistema imunológico.
Essa, segundo ele, seria uma possível explicação.
Paulo Cesar Venancio defende
que, se o médico não desejar prescrever apenas o alho nos
casos de infecção, pode associá-lo ao antimicrobiano de forma
a alcançar sinergismo. Para ele, a idéia do uso simultâneo
é melhorar a ação dos antimicrobianos e quem sabe futuramente
recuperar antibióticos que não fazem mais efeito.
A análise química da composição
dos extratos se justifica porque o alho é constituído por
muitas substâncias, daí a importância de determinar quais
estavam presentes nos extratos. Porque, afirma Venâncio, “hoje
importa na medicina conhecer isoladamente os compostos presentes
para poder isolá-los e identificar os responsáveis pelos princípios
ativos”. Ele, entretanto, esclarece que seu objetivo foi o
de apenas identificar os compostos para poder estabelecer
uma comparação com os estudos já existentes.
Diz que esse parâmetro precisava
ser dado à comunidade científica para que pudessem ser comparadas
as composições dos alhos aqui cultivados com os já estudados.
Os estudos prévios por ele realizados mostram que os componentes
mais ativos são os sulfurados, compostos orgânicos à base
de enxofre, provavelmente resultantes da degradação da alicina.
O estudo permitiu constatar que esses compostos também são
preponderantes nos alhos utilizados.
A ação do alho japonês é pouco
conhecida e existem poucos estudos sobre ele. Segundo o autor,
o que diferencia seu trabalho dos já existentes é a escolha
das bactérias Staplylococcus aureus, as maiores responsáveis
pelas infecções hospitalares.
“Suquinho”
Entusiasmado com os efeitos benéficos do alho, o autor enfatiza
que qualquer pessoa pode fazer um extrato de alho, como inclusive
mostra o site da Anvisa. Basta pegar um dente de alho que
pesa cerca de 500mg (meio grama) triturá-lo, colocar a massa
macerada em meia xícara de água e deixar por 20 minutos. Segundo
ele, ao tomar o suco nas refeições, a pessoa está ingerindo
um excelente antimicrobiano. “Fizemos um estudo que pudesse
resultar em algo útil e com resultados práticos que podem
prontamente ser utilizados pela população”, concluiu.
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Publicação
Tese de doutorado: “Composição química e atividade
antimicrobiana de estratos à base de alho (Allium sativum
e Allium tuberosum) sobre a infecção estafilococica”
Autor: Paulo Cesar Venancio
Orientador: Francisco Carlos Groppo
Unidade: FOP
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