Fungo gera enzimas usadas em ração
Estudo da FEA demonstra ser viável
produção de fitase e tanase
JEVERSON
BARBIERI
O
emprego do fungo Paecilomyces variotii na fermentação sólida
de bagaço de laranja e de torta de mamona demonstrou, in
vitro, uma viabilidade muito grande para produzir, no Brasil,
simultaneamente fitase e tanase – enzimas consideradas peças-chave
na produção de ração animal. No caso específico da mamona,
uma oleaginosa muito estudada para a produção do biodiesel,
essa novidade tem ainda mais importância, uma vez que a
torta residual da extração do óleo é rica em proteínas,
porém acusa a presença da ricina, composto tóxico que inibe
a sua utilização como alimento animal. A utilização do fungo
nessa fermentação levou à detoxificação da torta de mamona,
abrindo definitivamente a possibilidade de uso do resíduo
como ração. Já no caso do bagaço da laranja, o processo
culminou com um expressivo aumento no número de compostos
bioativos, algo em torno de dez vezes mais. O estudo conduzido
no Laboratório de Bioquímica do departamento de Ciência
dos Alimentos (DCA) da Faculdade de Engenharia de Alimentos
(FEA), sob a orientação da professora Gabriela Alves Macedo,
originou dissertação de mestrado apresentada pelo biólogo
José Valdo Madeira Júnior.
Macedo esclareceu que a
fitase é uma enzima produzida em alguns países, em escala
comercial, para a fabricação de ração animal, principalmente
porque enriquece o fósforo no alimento e impede que esse
mesmo animal excrete o fósforo para o ambiente. A docente
disse ainda que em alguns países da Europa e no Japão o
uso dessa enzima é obrigatório por causa da questão ambiental.
“Trata-se de uma enzima comercial, e não temos produção
no Brasil”, contou a professora.
Já a tanase é uma enzima
produzida comercialmente, em nível mundial, por apenas dois
fabricantes, no entanto, no Brasil ela ainda não é comercializada.
A docente contou ainda que seu laboratório trabalha com
essa enzima há mais de cinco anos, justamente para estudar
sua viabilidade e aplicação técnica, objetivando aumentar
a disponibilidade de proteínas e minerais em vegetais, tanto
para humanos quanto para animais. “Temos aplicado essa enzima
em vários cereais com alto teor de taninos. A fitase atua
nos fitatos, cujas características são antinutricionais
e a tanase em taninos, que também são fatores antinutricionais,
hidrolizando esses fatores, aumentando assim a disponibilidade
de nutrientes como proteínas, cálcio, zinco e ferro”, disse
Macedo.
O Paecilomyces variotii
foi isolado há seis anos pelo Laboratório de Bioquímica,
tendo como meta obter a tanase, uma vez que a novidade era
ter uma produção desta enzima e viabilizar isso em escala
nacional, já que no Brasil ela não é encontrada. Macedo
explicou que a pesquisa de Madeira tinha como proposta aproveitar
o trabalho desenvolvido por outro projeto de escopo maior,
cuja finalidade é produzir biodiesel, também com enzimas.
A partir da extração do
óleo da mamona e do pinhão manso para obter o biodiesel,
sobra a torta tóxica. Na mamona, o impedimento é a ricina,
no pinhão-manso, ésteres de forbol. “São produtos tóxicos
que não podem ser descartados de qualquer maneira porque
existe o risco de contaminar o meio ambiente”, disse Macedo.
Nesse momento, surgiu a ideia de tentar produzir a enzima
para ração nessa torta, porque ela é suporte para o crescimento
do fungo.
Madeira revelou que os resultados
da pesquisa superaram as expectativas iniciais. “A nossa
grande e feliz surpresa foi a detoxificação da torta de
mamona e, consequentemente, a sua utilização como alimento
para peixes. “Além disso, conseguimos produzir a tanase
e a fitase em um só processo pelo mesmo microrganismo, o
que era totalmente novo”, disse o pesquisador. Ele explicou
que o produto obtido é um complexo - não purificado - que
é um pó de proteína composto de duas enzimas que podem ser
usadas em ração e, possivelmente, em alimentos para humanos.
No caso da ração, esse pó aumentaria o valor nutritivo do
alimento animal.
“A pesquisa foi realizada
em escala de laboratório, usando 20-100 gramas de matéria-prima.
Para uso comercial, disse Macedo, são necessários fermentadores
ou bandejas que fermentem 200 kg.”. “Temos um processo que
foi estruturado numa escala laboratorial e aumentá-lo significa
um estudo sobre a demanda. Não se consegue aumentar a escala
de maneira simples, com as mesmas condições”, disse a orientadora.
No entanto, ela ressaltou que o resultado é importante porque
revela que o fungo tem um requerimento nutricional muito
baixo, ou seja, cresce em condições adversas e muito facilmente.
“Precisa de um controle de umidade, mas isso não é complicado”,
acrescentou. Além disso, ele tem capacidade de detoxificar
a mamona e através da lavagem desse material, depois de
fermentado, extrair um material rico em enzimas importantes
para a indústria que não existe no Brasil.
Na opinião da docente, a
fermentação sólida, da maneira que é executada atualmente,
não é um processo muito difícil de ter sua escala aumentada.
A limitação industrial bastante importante está no tamanho
do fermentador. “Apesar de ser um processo em batelada,
ou seja, de maneira não contínua, não é uma limitação que
inviabilizaria o processo. Tem um potencial muito grande”,
assegurou.
Outras sementes oleaginosas
que estão sendo testadas pelo Laboratório da professora
Macedo também são tóxicas e pertencem a mesma família. O
projeto de doutorado de Madeira concentra-se justamente
na continuidade dessa linha de pesquisa, no sentido de detoxificar
todas elas. Do ponto de vista econômico, observou a docente,
é interessante porque fecha um ciclo. “A produção do combustível,
na verdade, não tem nada a ver com esse processo, porém,
gera resíduos e eles têm que estar engajados em outros processos”,
avaliou a docente.
Por outro lado, como a área
de pesquisa de Macedo é sobre enzimas, ela prognosticou
a autosuficiência na área de produção de enzimas para ração,
pois trata-se de um mercado chave para o Brasil. De acordo
com a professora, o rebanho existente no país hoje é muito
grande e deve aumentar muito mais nos próximos anos. “Insumos
do tipo vitaminas, minerais e enzimas, que são os de maior
valor agregado na ração, nós não temos produção nacional.
Tudo é importado de grandes multinacionais”, comentou
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Publicação
Dissertação de mestrado: “Estudo da produção simultânea
de fitase e tanase por Paecilomyces variotii e detoxificação
de resíduos agroindustriais para reuso em ração animal”
Autor: José Valdo Madeira Júnior
Orientadora: Gabriela Alves Macedo
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos
(FEA)
Fonte Financiadora: Capes
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