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‘Os melhores esforços da crítica literária
se deslocaram para a universidade’

ÁLVARO KASSAB

JU – Parte significativa da produção literária brasileira do século XX é tributária do jornalismo impresso, que deu voz a escritores e foi tribuna de polêmicas e manifestos em páginas avulsas, em suplementos literários ou em iniciativas pioneiras como a página Poesia-Experiência, coordenada por Mário Faustino no JB na década de 50. Contudo, o espaço dedicado a experimentações e à crítica literária – substituída pelas resenhas – foi ficando cada vez mais rarefeito, sobretudo a partir da década de 90. Como o sr. vê esse vácuo? O mercado venceu?


Siscar – Minha impressão é que o enfoque mudou e se concentra menos na criação artística (no que há de conflituoso e reflexivo na criação) e mais no espetáculo, nas variedades, que se oferecem hoje de modo mais abundante que no passado. Há também novas artes e novas práticas, o que não impede que continue havendo aqueles que escrevem crítica literária para jornal e recolhem seus escritos em livros. O que ocorre é que os melhores esforços da crítica literária, posteriores à época à qual você se refere, se deslocaram para a Universidade. Há décadas, a crítica mudou de lugar e mudou, também, de natureza e de função.

Não vejo isso como uma perda. Nesse percurso, a crítica conquistou outras tarefas e outras ambições; os anos 60 e 70, por exemplo, foram uma das épocas mais ricas da crítica literária, no Brasil e no mundo. Nem por isso, respondendo a sua questão, acho que podemos discordar da afirmação de que o “mercado venceu”. Ele tem vencido, há tempos. A lógica de mercado se impõe em todas as áreas. Bastaria lembrar que o mercado de livros é cada vez maior, assim como a necessidade da resenha rápida de lançamentos.

Não acredito, entretanto, que o desaparecimento, por exemplo, dos suplementos literários seja uma questão que se explique totalmente pela lógica da oferta e da procura. Os jornais têm enfrentado, como dizem, sua própria crise (crise do jornalismo impresso, concorrência com fontes alternativas de informação). Não se pode negar os efeitos transformadores das “acomodações” aos terremotos capitalistas, mas acho que, no caso dos suplementos, frequentemente a política de conteúdos dos editores precede considerações de outra ordem. Ou seja, nesse campo, agem como publicitários, por vezes até mais do que como intelectuais ou gerentes de venda. Por outro lado, veja que não é apenas do jornalismo que a discussão sobre literatura sumiu, ou está sumindo. Poderíamos, também, lembrar o caso da correspondência, gênero em dificuldades, uma vez que é atingido diretamente pelos novos meios de comunicação. Falamos do jornalismo porque é um lugar de destaque, de grande força na produção das nossas prioridades, mas o lugar de produção da literatura tem um escopo mais amplo e, no caso da poesia, muito menos previsível.

JU – Nesse contexto, a internet tem poder de fogo para substituir os chamados “jornalões”?


Siscar – Ninguém duvida que a internet é um acontecimento histórico importante. Entretanto, acho que não devemos associar a isso a ideia de que ela acarreta automaticamente um deslocamento da crítica ou, ainda, da criação literária. É claro que isso pode ocorrer, e o entusiasmo de quem nasceu junto com a internet é real. Aliás, alguma coisa sempre acontece quando os tempos mudam, para a felicidade dos profetas. Mas é preciso pensar que os ritmos são diferentes, as prioridades são diferentes. A internet oferece novos espaços, possibilidades de novas estruturas, novos gêneros. Mas as opções literárias não são determinadas tão imediatamente pelas estruturas tecnológicas. A própria poesia, embora pretenda estar nos lugares mais avançados do aproveitamento da tecnologia, na verdade, como um todo, depende muito pouco dela. É um gênero economicamente e tecnologicamente marginal, o que lhe dá pouca atenção do “mercado”, mas muita liberdade para afirmar suas próprias prioridades.

JU – No capítulo “Poetas à beira de uma Crise de versos”, o sr. aborda a ruptura causada pelo Concretismo, enfatizando o embate entre a poesia visual e a verbal. As obras e as traduções de Augusto e Haroldo de Campos são da mesma forma objeto de análise em outros capítulos. Quais foram, em sua opinião, os legados do movimento e qual a importância do que o sr. chama de “pedagogia concretista” para a renovação da poesia e na produção das gerações subsequentes?


Siscar – Os poetas concretistas, além de incansáveis militantes de uma visão de poesia, que têm evidentemente flancos bastante problemáticos, alguns dos quais exploro no meu livro, foram poetas que tomaram para si a responsabilidade de reexplicar à sua geração o que significa poesia. Chamo a isso “pedagogia”. Baseados na lição de Ezra Pound, tomaram em mãos a tarefa de começar tudo de novo, por assim dizer, inclusive de reescrever, em grandes traços, a história da tradição. O mesmo se poderia dizer de outros movimentos artísticos coletivos, conhecidos como “vanguarda”. Isso mostra como essa tarefa explicativa é importante historicamente, embora a ideia de começar tudo de novo tenha um preço.

Além da explicação, os poetas concretistas assumiram também essa outra tarefa advinda da didática poundiana que é a necessidade de escolher, de indicar os poetas que o iniciante deve ler. Como o procedimento envolve literaturas estrangeiras, foram também tradutores e estão certamente entre os mais bem-sucedidos nessa atividade. Independentemente das discussões sobre o conhecimento das línguas de que traduziam, colocaram em circulação no Brasil um corpus de poemas e de poetas que passou a fazer parte de nossa experiência de leitura. Tanto as ideias quanto as escolhas dos poetas concretistas ainda são objeto de discussão; o perfil de poeta-crítico que prescrevem é igualmente controverso. Mas a pertinácia e a energia explicativa dessas obras oxigenaram a vida literária brasileira, durante muitos anos.

JU – Em outro ensaio, o sr. observa “que a poesia de Augusto de Campos tem se tornado cada vez mais uma experimentação das potencialidades das novas técnicas e menos uma experimentação poética” para, mais adiante, afirmar que “...é preciso admitir que a invenção da ‘crise do verso’ pelos poetas concretistas foi um blefe produtivo...”. Isto posto, cabe a pergunta: é legítimo a poesia ficar apenas a reboque da técnica e de seus respectivos suportes? O papel dos recursos multimídias não vem sendo superdimensionado?


Siscar – As duas situações que você retoma, em relação à obra de Augusto de Campos, são de épocas diferentes: o blefe da “crise do verso” faz parte da instauração do movimento concretista e de seus manifestos; a experimentação com as novas técnicas é um aspecto que foi se potencializando e ganhando importância ao longo da trajetória de Augusto de Campos. De certo modo, a grande ênfase do movimento, de ruptura com a lógica da estrutura do verso, e indiretamente (mas efetivamente) com a lógica do discurso verbal, se desdobra e se especializa na poesia de Augusto, ao longo do tempo, diferentemente de outros concretistas, como Haroldo de Campos, seu irmão, que seguiu uma carreira “solo” por vias diferentes. Acho que experimentar é um procedimento básico da criação poética. Entretanto, a passagem da experiência para a experimentação (sob a batuta da “invenção”) é preocupante, quando passamos a flertar com a lógica quase laboratorial do que quer dizer experimentar.

O que me incomoda particularmente não é a presença de outros “suportes” na poesia, mas aquilo que a justifica ou a prescreve, em casos como esse: a visão do que fazer no presente sempre formulada em termos de um inquietante mimetismo, segundo o qual tudo o que pode acontecer para a poesia, “no céu do futuro”, como diz um poema de Augusto, já estaria previsto pelo desenvolvimento das tecnologias da imagem e do som. Como você diz, ela fica “a reboque da técnica”, e de uma ideologia da técnica. Acho que há uma nítida inversão de prioridades.

JU – Não raro a academia é vista como incapaz de descortinar e analisar novos cenários por estar aprisionada a cânones. O sr. concorda?


Siscar – Corro o risco de ser acusado de argumentar em causa própria, mas acho que nesse campo é preciso ser muito direto: a “academia”, como curiosamente se diz hoje para se referir à universidade, é um dos raros lugares em que se pode de fato analisar novos cenários. Não tenho conhecimento de nenhum outro lugar institucional onde se discuta tão abertamente, com critérios e com rigor, o estado contemporâneo da cultura e da sociedade. A própria ideia de que somos prisioneiros de nossos cânones provém de dentro da universidade, de formas variadas (na crítica literária, remete a uma discussão bem específica, que vem dos anos 80).

A universidade é um espaço cuja natureza é poder suportar sua própria crítica e se renovar a partir dela. Naturalmente, a universidade é ampla e é feita de pessoas, de grupos, de escolas que têm suas prioridades e seus projetos, que são colocadas em situação de diálogo e de conflito. A pluralidade e a diferença de opinião são uma riqueza e não um déficit, e não apenas para as ciências humanas. Nesse sentido, é preciso não esquecer de que não existe “a” universidade: existe uma heterogeneidade de posições que constitui o mundo acadêmico. Muito do que se especula sobre “novos cenários” vem de dentro dela, não apenas no Brasil. Há, é claro, e isso faz parte da crítica interna da universidade (a qual sua concepção lhe dá não apenas o direito, mas o dever), muitos “ritmos”: coisas que demoram a mover-se, mais do que deveriam, que se escoram nos hábitos e em valores não problematizados; e há coisas que querem mover-se rápido demais, sem conseguir avaliar que interesses estão em jogo no deslocamento. Saber em que categoria devemos colocar, por exemplo, a questão do “cânone” (que nada mais é do que a questão dos currículos e das prioridades da universidade) é o próprio objeto da discussão e não a expressão de uma “incapacidade”. A questão envolve não apenas o conteúdo das disciplinas, mas o próprio destino delas.

JU – Dá para mensurar o tamanho da sombra do “primeiro time” (Bandeira, Drummond, João Cabral, entre outros) sobre os novos talentos?


Siscar – Havia até bem pouco tempo, nos manuais didáticos do ensino médio, uma tendência em concluir a história da poesia em Drummond e Cabral, no Concretismo. Aliás, na visão mais geral da história literária, a impressão que fica é que os poetas que você cita são a santa trindade da poesia brasileira, e não apenas autores importantes do século XX. Isso faz parte do processo de canonização artística. Argumento, no livro, que haveria inclusive uma tentação, entre os novos poetas, dos últimos 20 anos, em saltar “por cima” do passado recente imediato e ir buscar nesses grandes nomes uma espécie de lenitivo para um incômodo que não é imediatamente percebido. Existem “continuísmos”, é claro, os drummondianos assumidos, os imitadores de Cabral, e por aí vai.

Você fala em “sombra”, mas justamente acho que valeria a pena comparar os grandes poetas modernistas como uma espécie de sol cuja força de atração acaba obscurecendo outras dificuldades, que fazem parte das problemáticas subterrâneas da poesia contemporânea. Minha hipótese, sobre essa questão, é que o retorno aos heróis do modernismo brasileiro ajuda a colocar entre parênteses a discussão direta sobre os hábitos teóricos impostos pela vanguarda brasileira, relacionados com a postura poética combativa, e que contrastam com o pluralismo que queremos (não sem contradições) imprimir à nossa época. Como se, ao saltar por cima do passado recente, estivéssemos empurrando alguma coisa para debaixo do tapete. Não é, certamente, a melhor estratégia de responder a um incômodo.

JU – No capítulo “A cisma da poesia brasileira”, são citados e analisados autores que emergiram após a ditadura, entre os quais Cacaso, Francisco Alvim, José Paulo Paes, Sebastião Uchoa Leite, Hilda Hilst, Armando Freitas Filho, Chacal, Ana Cristina Cesar, Paulo Leminski, Arnaldo Antunes e Manoel de Barros. Apesar da heterogeneidade das propostas e da produção desses autores, o sr. não se furtou a relacioná-los e a situá-los, contextualizando as respectivas obras. Quais são as maiores barreiras enfrentadas por quem mapeia e dá congruência à produção contemporânea recente? Por que esse exercício analítico é tão raro?


Siscar – O mapeamento do contemporâneo não é tão raro, assim como o estudo de obras particulares, que tem hoje espaço muito grande na universidade. Mas certamente a tentativa de explicá-lo nas suas razões profundas é um exercício complexo. Não é por acaso que a modéstia crítica sobre o assunto é de praxe e muitos preferem dizer que não é possível falar sobre o que está em curso. É o argumento tradicional para se omitir o contemporâneo. A dificuldade, é claro, existe, mas a recusa de envolver-se nela explica-se provavelmente pelo fato de que o contemporâneo é um espaço onde as questões controversas ainda estão em aberto, não angariam unanimidade, como pode ocorrer mais facilmente com questões do passado. As explicações do presente envolvem, de modo muito mais imediato, interesses, jogos de força, determinadas possibilidades de futuro.

Mas como o que escrevemos, escrevemos em vista do contemporâneo, o sentido do presente não pode ser omitido, mesmo no estudo de um objeto historicamente muito distante. A outra explicação, mais interna ao campo poético, creio que está ligada com a própria ideia da “crise”. Ao preferir os grandes quadros que demonstram a falência (o que já se tornou quase que um gênero crítico, por exemplo, na França), ou que descrevem um estágio da história dessa falência, a crítica acaba preterindo o esforço analítico mais entranhado à produção, que poderia se expressar tanto como uma história da poesia quanto como uma crítica de seus padrões e de suas ênfases. Uma das coisas que lamento, no livro, é a ausência de um esforço histórico-crítico minucioso, à altura da complexidade da produção poética brasileira das últimas décadas, que consiga inclusive envolver as problemáticas do modernismo. Uma história da poesia brasileira da segunda metade do século XX é algo que está por ser feito.

JU – Desses autores, Cacaso, Leminski, Chacal, Hilda Hilst e Arnaldo Antunes, de uma forma ou de outra, incursionaram pela música. Chama também a atenção o fato de o sr. citar, em epígrafes, excerto de canção de Caetano Veloso e trecho de escrito do artista plástico Nuno Ramos, autor de ensaio já clássico sobre Nelson Cavaquinho [Revista Serrote, nº 1]. Como o sr. vê esse diálogo entre a poesia e MPB? Essa imbricação é devidamente estudada ou permanece ainda subestimada?


Siscar – O diálogo, sobretudo com o grau de abrangência com que você o coloca, não tem uma explicação apenas. A primeira coisa a se dizer é que se trata de um diálogo amplo entre duas manifestações que se reconhecem em espectros diferentes da cultura. Autores de MPB, é claro, leem poetas, chegam a musicar poemas; poetas e escritores ouvem MPB, escrevem sobre ela, poetas se tornam letristas; não é frequente, mas ocorre que letras feitas para canção ganhem status de poemas (como é o caso, a meu ver, de textos de Caetano Veloso), e vice-versa. Há algo aí que não deixa de ser uma circunstância brasileira, se considerarmos a força, a qualidade e o prestígio cultural da nossa canção. É um elemento a ser levado em conta.

Por outro lado, estamos longe de um hibridismo generalizado, e o mais importante, de imediato, é tentar imaginar o que ganhamos e o que perdemos ao considerar as duas manifestações como partes de um mesmo fenômeno de cultura. A explicação dessa integração, ou dessa rivalidade produtiva, como tendo a vê-la, dependeria de instrumentos críticos muito mais refinados do que o falatório habitual, do qual resulta, por exemplo, a ideia de que a MPB sucedeu a poesia, no Brasil, ou ainda, mais recentemente, de que a MPB morreu. Alguém poderia dizer que a proximidade com a canção, do ponto de vista da poesia, é apenas um episódio de nossa história literária. Talvez – mas já entraríamos na profecia, novamente – mais do que um episódio, algo que um dia poderíamos chamar de característica. Pessoalmente, como disse, prefiro vê-la no campo da rivalidade ou da “emulação” entre as artes: uma estimula a outra, não apenas pelo que têm em comum, já que não fazem parte do mesmo esforço, mas graças a suas diferenças.
Do ponto de vista institucional, não basta reclamar que os departamentos de literatura não aceitam a MPB, o que aliás não é toda a verdade: há décadas os institutos de letras dão espaço para o estudo do texto de cancionistas; há gente especializada nisso, em departamentos de literatura, de linguística, de semiótica. Eu mesmo já fiz trabalhos nesta área, já orientei teses. Não creio, portanto, que a questão possa ser colocada como a de uma exclusão. Por outro lado, talvez falte um conhecimento mais sistemático, que tome em mãos a tarefa de organizar esse diálogo, do ponto de vista das tradições às quais pertencem e que, no caso em questão, talvez modifiquem. Lateralmente, por que não lembrar que faltam no Brasil escolas superiores de música popular, que não seriam apenas escolas de música, mas também de reflexão sobre seu objeto?

JU – Qual a sua avaliação do ensino de literatura hoje no país?


Siscar – Tenho muita preocupação com as discussões sobre o assunto, sobretudo em termos de elaboração de currículos, das quais nem sempre participam os profissionais de literatura. Os currículos estão em constante transformação e, ao mesmo tempo que é preciso atualizá-los, não se pode perder de vista o contexto mais geral a que servem. As ênfases na formação de “mão de obra” (no lugar da formação de cidadãos) e nos meios de aprendizagem (em detrimento dos conteúdos específicos), embora tenham razão de ser, a partir de ângulos específicos, tendem a deixar à margem a formação do cidadão, como homem de sua cultura, ainda que cosmopolita. A literatura e a tradição literária não são apenas mais um registro da nossa língua, mais uma experiência possível da leitura; sua riqueza de elaboração da nossa situação, quer seja de brasileiros ou de humanos, é inestimável, tanto como memória histórica quanto como capacidade ativa de construção de imaginário.

Então, há uma questão de currículo que é fundamental e é preocupante, uma vez que é mediada por amplos projetos pedagógicos e culturais que nem sempre são colocados em discussão. Embora, nas melhores escolas, o ensino da literatura tenha grande vivacidade, incorporando inclusive textos e questões contemporâneas, a situação geral do ensino público é piorada pelo mesmo mal de que sofrem as outras disciplinas, dada a desmobilização ou a desmotivação geral dos professores. Isso tem a ver tanto com a falta de um plano de carreira favorável ao exercício da profissão, o que já está em discussão no Estado de São Paulo, quanto com a necessidade de uma concepção de educação que não se esgote na condição de via de acesso ao trabalho e ao empreendedorismo – o que, é claro, ela não deixa de ser.

JU – A poesia está em crise?


Siscar – Esse é o tema do meu livro, que levanta a questão da relação entre poesia “e” crise; não é, obviamente, minha opinião. Interesso-me sobretudo pela análise, como disse, do “discurso da crise” e não da situação da poesia, por ela própria, a meu ver demasiadamente polarizada entre “otimistas” e “pessimistas”, geralmente sem levar em consideração as raízes históricas profundas dos fenômenos. Tento mostrar que o discurso faz parte da situação, por assim dizer, e que, ao fazer parte, também a modifica.

Então, o que se coloca em primeiro plano quando nomeamos o presente é uma espécie de responsabilidade, a necessidade de explicar a coerência histórica e teórica de nossas proposições. Mas, para não deixar a pergunta sem resposta, posso dizer que continuo lendo poesia com grande interesse e acho que as décadas recentes nos deixaram vários autores relevantes, sobre os quais ainda há muito a dizer. Você citou alguns deles, há pouco. Para enfatizar apenas um desses nomes, estou preparando agora, para uma editora do Rio, uma antologia de Ana Cristina Cesar, que é uma poeta, morta nos anos 80, que tem despertado paixões. Com o tempo, provavelmente perceberemos melhor os processos de canonização que estão em curso, como o que ocorre atualmente com a obra de Haroldo de Campos. Posso dizer que continuo lendo poesia com grande prazer. Como também sou poeta, percebo que os desafios contemporâneos são grandes, mas que não me cabe senão enfrentá-los.

 

UM POEMA DE SISCAR

A VÊNUS DA MENSAGEM

a caminho de mercúrio a espaçonave messenger
sobrevoa a superfície venusiana. que mensagem
levará às margens da consumação pelo sol? o sol
é o que está distante. miramos o distante o sol
exterior a pira cinerária da distância. e nesse trajeto
em que a mensagem se perde. ei-las as galáxias
chave do adiamento em que nos vemos. o aqui e agora
obsoletos há milhares de anos-luz em túmulo cósmico.
o que não está lá é o que aqui nos mantém unidos.
é sua imagem que nos relaciona e aproxima. vácuo
partilhado nosso sol mais próximo essa terra interior.
(de Interior via Satélite, Ateliê Editorial, 2010)

 

Quem é

Marcos Siscar
é poeta, tradutor e professor do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, onde atualmente coordena a pós-graduação em Teoria e História Literária. Sua tese de doutorado (Jacques Derrida. Rhétorique et Philosophie), defendida na Universidade de Paris 8, foi publicada em 1998 (L’Harmattan). Desenvolveu estudos de pós-doutorado sobre Baudelaire e Mallarmé, com a supervisão de Jacques Derrida e Michel Deguy. Tem publicado trabalhos sobre temas relacionados à poesia moderna e contemporânea. Como tradutor, publicou obras de Tristan Corbière (2006), Michel Deguy (Cosac Naify, 2004; Editora da Unicamp, 2010) e Jacques Roubaud (Cosac Naify, 2006). É autor dos livros de poesia Metade da Arte (2003), O Roubo do Silêncio (2006) e Interior via Satélite (2010).

 

Obra: Poesia e Crise

Autor: Marcos Siscar

Páginas: 360

Editora da Unicamp

Preço: R$ 60,00

Lançamento: 29 de março,
às 11 horas, na Livraria do IEL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 




 
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