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Técnica devolve movimentos
a pacientes com lesão medular
Cirurgiã do HC avalia benefícios
de estimulação elétrica neuromuscular
Apesar
da intensificação das campanhas midiáticas, os acidentes de
trânsito continuam a fazer suas vítimas, que, quando não-fatais,
podem apresentar quadros irreversíveis, como é o caso de pacientes
com lesões medulares. “É preciso empregar leis mais incisivas
para evitar esses acidentes, pois eles mudam totalmente a
vida desses pacientes, causando graves danos emocionais e
financeiros para a família, para o governo e para o próprio
paciente”, diz a cirurgiã em pés e tornozelos Cíntia Kelly
Bittar. Ela afirma que a maioria dos pacientes medulares acaba
entrando em depressão, pois não tem estrutura familiar, financeira
e emocional para se reabilitar. Em sua tese de doutorado,
defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp,
Cíntia avaliou um grupo de 60 pacientes submetidos à técnica
de estimulação elétrica neuromuscular (EENM) que busca melhorar
as condições de vida de pacientes paraplégicos e tetraplégicos.
O tratamento oferecido no Laboratório de Biomecânica de Reabilitação,
coordenado pelo bioengenheiro Alberto Cliquet Júnior, orientador
da tese de Cíntia, já fez dois pacientes atendidos pelo ambulatório
de órteses e próteses do Hospital de Clinicas da Unicamp deambularem.
De acordo com os resultados
da pesquisa de Cíntia, além de permitir a locomoção, a técnica
de estimulação melhorou o sistema músculo-esquelético e sistema
gastrointestinal de pacientes avaliados pela cirurgiã. Os
pacientes avaliados durante o doutorado melhoraram a posição
do pé, a qualidade óssea, o equilíbrio, o sistema respiratório
e cardíaco, segundo a médica. Ela esclarece que a posição
ortostática e a movimentação permitida pela EENM beneficiam
principalmente o sistema músculo-esquelético. “Ocorre melhora
da rigidez articular, das deformidades nos pés e nos tornozelos
e da osteoporose, o que possibilita a estes pacientes manterem
seus pés e tornozelos na posição plantígrada, auxiliando novas
técnicas de reabilitação, evitando complicações frequentes
como úlceras por sobrecarga, artropatia de Charcot (consequente
a microtraumas repetitivos), acentuação de deformidades pelos
desequilíbrios musculares e fraturas pela baixa densidade
óssea destes pacientes.” Com os estímulos, o espasmo que geralmente
o paciente tem nos pés diminuiu e a sensibilidade dos membros
inferiores ao toque melhorou, segundo Cíntia.
De acordo com Cíntia, que
restringiu a tese à análise de pés e tornozelos, o tratamento
mostra-se melhor em relação à cirurgia, pois os pacientes
medulares apresentam uma osteoporose intensa, o que obriga
a retirada óssea em maior quantidade para corrigir os pés,
sendo que a chance de não consolidar é grande. “Por isso os
pacientes sem deformidades não necessitam de cirurgias ortopédicas
em seus pés, pois se apresentam plantígrados pela eletroestimulação.
Se forem desenvolvidas técnicas para voltar a andar, estes
pacientes estão aptos, não necessitando de cirurgias para
correção dos pés”.
Apesar de oferecer novas possibilidades
ao paciente medular, infelizmente a técnica não se aplica
a todos os casos. Para realizar o tratamento, o paciente não
pode ter problema cardíaco, respiratório nem sequela de fraturas,
pois quando há deformidades associadas em membros inferiores,
o paciente não tem como aproveitar a reabilitação para ficar
de pé. “Eles precisam ter boas condições clínica e músculo-esquelética.
É necessária uma triagem prévia”, acrescenta Cíntia.
Algumas condições sociais
também afastam alguns pacientes do tratamento, segundo Cíntia.
“Não são todos que têm condições de vir semanalmente para
seguir o tratamento corretamente. Muitos abandonam o tratamento
porque não apresentam disponibilidade para alguém acompanhá-los
Estimulador promove
conexão de músculos
A eletroestimulação, segundo
a cirurgiã, consiste no estímulo do nervo, o que possibilita
que pacientes que não tenham uma lesão completa dos nervos
possam voltar a andar, como foi o caso dos dois pacientes
do ambulatório. As atividades realizadas duas vezes por
semana fazem com que a pessoa diminua as contraturas musculares
dos pés.
De forma mais didática,
ela acrescenta que um estimulador principal faz conexões
dos músculos quadrícepes e tibial anterior, estimulando
os pacientes a iniciarem alguns movimentos de passos. Segundo
a cirurgiã, os pacientes paraplégicos usam andador e os
tetraplégicos, suporte de suspensão para poderem fazer a
locomoção com esteira.
Poucos são os ambulatórios
de reabilitação no Brasil e, segundo Cíntia, entre esses,
poucos utilizam a eletroestimulação como tratamento. O tratamento
deve ser contínuo para que nos primeiros meses os pacientes
apresentem só o estímulo e depois de seis meses comecem
a ficar de pé, segundo a cirurgiã. O tratamento envolve
uma equipe multidisciplinar composta de fisioterapeutas,
psicólogos e urologistas, pois muitos pacientes, segundo
Cíntia, usam sonda permanentemente.
Tese reúne dados sobre atendidos
Um
dado importante publicado na tese de Cíntia é que todos os
pacientes investigados estão inseridos no mercado de trabalho
ou na academia, com exceção de três afastados pelo INSS. “Alguns
mudaram a função, outros readaptaram a função que já exerciam.
Um deles fazia mestrado e outro, doutorado”, revela Cíntia.
Por meio de órteses, alguns voltaram a escrever ou digitar,
segundo a médica. A maioria tem carro adaptado e é independente.
A melhor qualidade cardíaca e respiratória possibilita ao
paciente realizar outro tipo de atividade. Alguns, segundo
a médica, fazem parte das equipes de handebol e basquete da
Unicamp. “É uma realidade diferente da encontrada por aí,
mas eles têm uma garra incomparável. Quando você reclama da
vida, nada melhor que passar uma horinha lá no laboratório
para dizer: ‘nossa, eu sou feliz e não sei’.” A recuperação
da autoestima é um dos aspectos positivos na avaliação feita
por ela.
Acidentes motociclísticos
e automobilísticos são os principais causadores de lesões
medulares, segundo a cirurgiã, compondo uma fatia de 80% das
causas. De acordo com o levantamento feito por ela, a maioria
dos pacientes é do sexo masculino e está na faixa etária de
20 a 40 anos, considerada superprodutiva.
No Brasil, devido à violência
urbana (ferimentos por arma de fogo), o uso inadequado de
itens de segurança no trabalho (quedas de altura) e em atividades
de lazer e esportivas (mergulho em águas rasas), o número
de lesados medulares vem crescendo gradativamente, segundo
Cíntia. Nos Estados Unidos, ocorrem aproximadamente 11 mil
novos casos anuais de lesados medulares.
“A lesão medular é uma experiência
trágica que causa grandes prejuízos nos aspectos físico, psicológico
e social da pessoa. É uma das piores fatalidades que podem
acometer um indivíduo, porque além da perda neurológica, acarreta,
na maioria das vezes, perda da independência funcional, da
autoestima e ainda causa isolamento social”, reflete Cíntia,
colaboradora em muitas entrevistas sobre lesões medulares.
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