Um fantasma na sala de aula
Tese mostra que professores se
sentem
inseguros com relação ao uso de tecnologias
Um
estudo de doutorado da Faculdade de Educação (FE), realizado
pela pedagoga Cacilda Encarnação Augusto Alvarenga sob orientação
da docente da FE Roberta Gurgel Azzi, aponta que 85% de uma
amostra de 253 professores de ensino médio de escolas públicas
estaduais de Campinas ainda não se percebe altamente confiante
para utilizar tecnologias no ensino, em situações que envolvem
este uso com os alunos. A pesquisa, feita em 27 escolas do
município entre 2009 e 2010, mostrou ainda que os professores
com menos tempo de formação e de experiência docente têm uma
crença mais alta de autoeficácia no uso das novas tecnologias.
Alvarenga investigou a autoeficácia do professor frente às
tecnologias de informação e comunicação (TIC) no ensino escolar,
mais especificamente o computador e seus recursos.
A autoeficácia,
segundo a Teoria Social Cognitiva (TSC), a qual foi formulada
pelo professor da Universidade de Stanford Albert Bandura,
trata da crença do indivíduo na sua capacidade de planejar
e executar determinadas ações para atingir determinados resultados
ou desempenhos. Essa crença, expõe Bandura, influencia a motivação
das pessoas para realizarem tarefas e fazerem suas escolhas,
e determina o quanto ela persiste diante de dificuldades ou
desafios.
De acordo
com a literatura internacional, a autoeficácia para utilizar
TIC é um fator que influencia no seu uso. O professor com
uma autoeficácia mais alta se motiva mais para ensinar utilizando
as tecnologias, sendo o que mais se dispõe a romper desafios
que envolvam esse uso.
A pedagoga,
com graduação e mestrado na FE da Unicamp, comenta que, ainda
conforme Bandura, há quatro fontes principais de informação
que ajudam no processo de construção da autoeficácia: as experiências
diretas ou vivenciadas pelo indivíduo; as experiências vicárias
(experiências de observar outras pessoas executando tarefas);
a persuasão social (julgamento, encorajamento verbal e outros
tipos de influência social que informam o indivíduo sobre
suas capacidades); e os estados fisiológicos e afetivos (por
exemplo, cansaço, ansiedade, estresse, estados de humor, a
partir dos quais as pessoas podem julgar suas capacidades
perante as situações).
Alvarenga
exemplifica que “o fato de um professor ter autoeficácia baixa
hoje, para usar as tecnologias com seus alunos, não significa
que amanhã ou daqui a um mês ela ainda será baixa”, relativiza.
Vários estudos atualmente dão destaque aos programas de formação
de professores para a construção ou aumento da autoeficácia.
Por quê? Ao permitirem que eles participem, por exemplo, de
oficinas que os levem a realizar e visualizar atividades pedagógicas
com esses recursos, tais atividades tanto podem funcionar
como fonte de experiência direta como de experiência vicária.
O presente
estudo constatou que 66% dos entrevistados participaram de
cursos de informática para aprenderem a usar softwares ou
aplicativos, enquanto apenas 27% deles participaram de cursos
para uso didático de tecnologias. Professores com computador
em casa há mais de três anos (82,21%) demonstraram ter autoeficácia
mais alta.
Pode-se
entender que muito provavelmente isso ocorre porque eles têm
a experiência direta de uso do computador favorecida pelo
acesso e exploração dos seus recursos.
Acabam
dominando-os e se sentem mais confiantes em elaborar uma proposta
de atividades com os alunos. “Os professores com autoeficácia
mais elevada são justamente aqueles que se sentem com maior
habilidade para usar o computador no ensino, mais preparados
e que se sentem mais motivados a ensinar”, descreve a pesquisadora.
Ela relata
que há mais de duas décadas no Brasil se fala em informática
no espaço da escola pública. Iniciativas surgiram para oferecer
computadores a professores e alunos nas escolas e preparar
o professor no uso didático das novas tecnologias. “Percebe-se,
no entanto, que são poucos os educadores das escolas públicas
que de fato consideram o laboratório de informática, quando
existente nessas instituições, um espaço de ensino e aprendizagem”,
conclui a pedagoga.
A pesquisa
foi fruto do seu interesse em obter dados que pudessem ajudar
a pensar em estratégias para aumentar a autoeficácia de professores
para uso de TIC (o que Alvarenga denominou também autoeficácia
computacional docente). Ademais, o Brasil carece de pesquisas
que analisem mais especificamente o constructo da autoeficácia.
Em sua revisão da literatura, a pesquisadora encontrou apenas
um trabalho sobre o assunto, o qual foi desenvolvido com professores
de escolas do município de Salvador, Bahia, porém conduzido
por pesquisadores da Universidade de Lugano, Suíça.
O problema de pesquisa da pedagoga foi localizado durante
uma de suas experiências profissionais na área de Tecnologia
Educacional, que lhe possibilitou o contato com a realidade
das escolas públicas quanto ao uso pedagógico do laboratório
de informática.
Infraestrutura
Embora tenha ocorrido uma grande ampliação do acesso às TIC
nos últimos anos, o estudo de Alvarenga revela que 73% dos
professores participantes da pesquisa avaliaram a infraestrutura
de informática disponível nas escolas como insuficiente para
o trabalho pedagógico e muitos a mencionaram como o principal
fator desmotivante para o uso de tecnologias com os alunos.
A pesquisadora acredita que,
pelo fato da grande maioria das escolas estar passando por
um processo de reforma de seus laboratórios de informática
desde o semestre anterior, a coleta dos dados do estudo, e
no período em que os coletou (agosto de 2009 a abril de 2010),
levou os professores a sinalizarem a questão da infraestrutura
como um problema.
As reformas surgiram sobretudo para atender ao Programa Acessa
Escola, uma iniciativa do governo do Estado de São Paulo desenvolvida
pelas Secretarias de Estado da Educação e Gestão Pública,
sob coordenação da Fundação para o Desenvolvimento da Educação
(FDE), criada em 2008. Entre as finalidades do programa, está
a intenção de transformar a escola em um espaço de inclusão
digital, aponta a pedagoga.
Campo
A coleta de dados foi feita pela própria pesquisadora nas
escolas, por meio de três instrumentos, um questionário de
caracterização do participante da atividade docente e duas
escalas voltadas a investigar o constructo de interesse do
trabalho – a autoeficácia computacional docente. Para investigar
o nível da crença de autoeficácia de professores em empregar
tecnologias no ensino, buscaram-se evidências de validação
para uma escala norte-americana publicada pelos professores
Wang, Ertmer e Newby, em 2004.
Tal instrumento, explica a
autora, apresenta 21 itens – em uma escala de 1 a 6 pontos,
na qual 1 significa muito pouco confiante e 6 muito confiante
– que requerem do professor informar o seu grau de confiança
na sua capacidade de realizar algumas tarefas ou lidar com
situações relacionadas ao uso de tecnologias no ensino. Solicita-se
ao professor, por exemplo, que informe o quanto ele se sente
confiante em sua capacidade em avaliar softwares educacionais
ou o quanto se sente confiante em sua capacidade de motivar
seus alunos a participarem de projetos que envolvem o uso
de TIC.
Conforme os dados de estudos
efetuados sobre a temática e também obtidos na pesquisa de
Alvarenga – que vão para além da autoeficácia computacional
docente – na opinião dos professores, entre os fatores que
interferem no uso didático de tecnologias no espaço da escola,
estão a infraestrutura insuficiente e a falta de preparação
e de tempo para se apropriarem de novas metodologias. Os professores
graduados há mais tempo, no caso, podem precisar de mais tempo
para se inteirarem sobre elas do que os que se formaram há
pouco e talvez tenham tido a oportunidade de discutir e vivenciar
atividades ligadas ao uso de tecnologias em sua formação.
Mas, no geral, notou-se que
a autoeficácia do professor é moderada, significando que há
situações que merecem ser “trabalhadas” (a pontuação média
obtida na escala foi de 3.60, em uma escala de 1 a 6 pontos),
a priori mediante cursos de formação dirigidos a ele, para
se sentirem mais confiantes ao usarem as tecnologias com os
alunos e terem uma autoeficácia mais alta.
Cursos de formação ou o próprio
acesso às tecnologias podem colaborar para que os professores
se percebam com mais habilidade para usar o computador e mais
preparados a ensinar com tecnologias, consequentemente contribuindo
também, de acordo com os dados do estudo, para a construção
ou aumento da autoeficácia.
Já a motivação para ensinar
com tecnologias exige repensar as condições de trabalho docente,
seja em relação à infraestrutura disponível ou ao tempo que
o professor possui para preparar as aulas ou participar de
cursos de formação.
Contudo, quando se pensa num
curso de formação, é importante que se considere quem é esse
professor, quanto tempo ele tem de formado e de experiência
docente, e quais as habilidades que acredita ter ao usar o
computador, a ponto de avaliar o que precisa ser feito para
ajudá-lo a fazer um uso efetivo dos recursos tecnológicos
disponíveis, sugere a pedagoga.
Alvarenga verifica que o estudo
trouxe contribuições ao ser realizado sobre uma temática carente
de pesquisas no Brasil, que é a autoeficácia para utilizar
TIC no ensino; ao envolver a adaptação semântico-cultural
de um instrumento de medida para identificar a crença de autoeficácia;
e ao identificar fatores de ordem pessoal ou do contexto docente
que podem influenciar na crença de autoeficácia e, portanto,
interferir no uso de tecnologias no ensino, como o tempo de
graduado e de experiência docente.
Uma das etapas finais do trabalho
de Alvarenga consistiu na promoção de um evento para divulgar
os resultados da pesquisa com as escolas participantes, que
ocorreu recentemente no anfiteatro da Biblioteca da FE. Ainda
que a adesão dos professores tenha sido baixa, lamenta Alvarenga,
ela não impediu que a pesquisadora abordasse a preocupação
que o Núcleo de Estudos Avançados em Psicologia Cognitiva
e Comportamental (Neapsi) – coordenado pela professora Azzi
– demonstra com o tema e com a interpretação dos resultados
dele decorrentes.
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Publicação
Tese de doutorado: “Autoeficácia de professores para
utilizarem tecnologias de informática no ensino”
Autora: Cacilda Encarnação Augusto Alvarenga
Orientadora: Roberta Gurgel Azzi
Unidade: Faculdade de Educação (FE)
Financiamento: Fapesp
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