No
último dia 20 de outubro, fomos todos surpreendidos com
a partida inesperada de nosso colega e amigo James Patrick
Maher, o Jimmy. Agora temos que dar conta da tarefa de deixá-lo
partir e arranjar o lugar que lhe cabe em nossa história
e na história da Faculdade de Educação da Universidade Estadual
de Campinas, onde ele trabalhou por 33 anos.
Jimmy
era o segundo de oito filhos do casal Arthur Maher, um veterano
da II Guerra que trabalhava na construção civil, e Evelyn,
funcionária de uma escola em Nova York. Nasceu em 6 de fevereiro
de 1949. Com seus irmãos, fez a escolarização básica no
bairro onde vivia com a família, mais tarde graduou-se em
História pela State University of New York (1969), cursou
mestrado em Comunicação na mesma universidade (1972) e doutorado
em Comunicação pela Bowling Green State University (1976).
Recém-doutorado,
veio para o Brasil como professor convidado em uma Unicamp
ainda em fase de construção, na segunda metade da década
de 1970. Apaixonou-se pela possibilidade de contribuir no
processo de estruturação de uma universidade pública. Acabou
ficando aqui por mais de 30 anos. Ezequiel Teodoro da Silva
relembra esses primeiros tempos em que se inventava uma
universidade na cidade de Campinas:
Quando a Faculdade de Educação
não era ainda tão grande, complexa e talvez nem tanto impessoal,
quando ainda a Faculdade se localizava no segundo andar
do Prédio do Ciclo Básico da Unicamp, por muito tempo dividi
uma sala com o Jim. As imagens dessa sala no fundo do corredor
são tão vívidas quanto os muitos projetos que Jim e eu desenvolvemos
juntos por aqueles tempos. Ponha aí a segunda metade da
década de 1970 e 1980 inteirinha.
Neste breve texto de lembrança,
não vou descrever a vasta gama de projetos em que nos metemos,
desde questionários para avaliar atitudes e comportamentos
de leitura a cursos de treinamento a um mundão de gente
diferente. O fato é que nos demos bem logo de saída, não
somente pela reclusão da sala e pela proximidade das mesas,
mas também por uma ânsia muito forte de fazer coisas que
valessem a pena no conturbado, ainda esperançoso, universo
da educação brasileira logo após a ditadura militar.
Dentre as muitas sabedorias
do Jim, se colocava, com destaque, o seu vasto conhecimento
de estatística e de computação. Em verdade, acho que muitos
colegas a ele recorreram para analisar e entender dados
de pesquisa e/ou então para se aproximar dos mistérios da
informática, então nascente na época via linguagem Fortran.
E mais, ao se aconchegar do Jim para conversar, receber
dele um seguro sorriso abaixo dos seus olhos azuis, ouvir
dele boas orientações num português meio enrolado e a demonstração
de uma solidariedade nem sempre muito comum nos norte-americanos.
Da experiência em uma instituição
em fase de construção, Jimmy, herdou um profundo respeito
pela universidade, suas normas e práticas e, em especial,
pela vida acadêmica. Estava sempre presente e disposto a
discutir os temas institucionais, relativos aos cursos e
orientações, suas ou de seus colegas, artigos ou livros
lançados no campo da educação ou das humanidades. Penso
ser a essa postura que Letícia Canêdo se refere quando afirma:
Tenho muita vontade de
conseguir dizer alguma coisa sobre o privilégio de ter convivido
com o Jimmy como colega na Faculdade de Educação. Tentei,
mas não consegui expressar (…) a conduta digna e a elegância
dele em relação aos colegas e o que de significativo ele
nos legou em termos de solidariedade.
Nos vinte primeiros anos
da Faculdade de Educação da Unicamp havia um investimento
na formação do próprio corpo docente, então ainda não doutorado.
Nesse período, Jimmy participou de inúmeras bancas e era
a presença segura de alguém capaz de enxergar a contribuição
existente em cada um dos trabalhos apresentados. Oferecia
sugestões, bibliografia e seguia comentando, ajudando o
pesquisador iniciante. Não posso deixar de lembrar o quanto
me beneficiei das leituras que fez de minha dissertação
de mestrado e da tese de doutorado, das traduções para o
inglês que sempre se dispôs a rever comigo. Assim era o nosso
colega.
Por muitos anos assessorou
a Comissão de Vestibular - Convest e colocou-se a serviço
da pesquisa sobre candidatos e ingressantes nos vestibulares
da Universidade. Com seus conhecimentos de estatística e
informática, integrava os grupos que tratavam de entender
a universidade, seu lugar social e seus estudantes. Sempre
que convidado, estava presente.
Lembro-me também de sua
participação como assessor em um estudo realizado no Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa), sobre política
científica e tecnológica e financiamento público à ciência.
Com sua assessoria se criaram e reformularam os questionários
a serem aplicados aos pesquisadores e a equipe aprendeu
técnicas de pesquisa quantitativa, cruzamento de dados e
possibilidades de análises, tão úteis, que seguem servindo
até o momento.
Mas de todas as atividades
acadêmicas, a paixão que movia o Jimmy era a sala de aula.
Enquanto muitos professores, em momentos específicos, afastavam-se
da sala de aula para dedicarem-se inteiramente à pesquisa
cuidando de avanços na própria carreira, ele assumia a carga
docente dos colegas, respondendo, algumas vezes, por até
quatro disciplinas no semestre. Nesse espaço ele era feliz
ao estudar as relações entre educação e sociedade ou ao
tratar de planejamento e gestão educacional no Brasil, temas
que lhe eram muito caros. Passava horas também a conversar
e debater com os alunos sobre a Política Educacional, especialmente
o processo de formulação das diretrizes educacionais, na
Constituinte de 1988 e na LDB promulgada na década de 1990,
instrumentos cuja elaboração foi antecedida por debates
em distintos fóruns educacionais, acompanhados por ele e
dos quais tinha muito orgulho. Acreditava na importância
da estruturação de um sistema democrático de planejamento
e gestão da Educação, em todas as esferas.
Sua pesquisa ganha sentido
no conjunto de sua obra e em sua história, de acadêmico
comprometido com a instituição que ajudou a construir e
da qual foi um defensor incansável. Ao consultar seu currículo
na Plataforma Lattes me encontro justamente com este Jimmy
desprendido e cooperativo. Vejo no que ficou registrado,
a colaboração sem limites, sua marca mais forte, mantendo-se
num plano particular de quem assessora, contribui e participa.
Nos últimos tempos fomos
perdendo o Jimmy para uma enfermidade que se expandia e
por fim não mais o abandonou. Ele foi aos poucos se afastando,
silencioso e discreto como foi em toda a sua vida. Ezequiel diz como
viu essa partida.
Fiz uma última visita ao
Jim quando soube de um desastre de carro que ele sofrera
numa avenida de Campinas. Estava, na época, abatido e mais
envelhecido, mas não perdera a ternura dos olhos azuis e
muito menos o bom-humor, além de, como era do seu feitio,
estar extremamente atualizado sobre as notícias do Brasil
e do mundo.
Pedro Goergen, o ex-diretor,
a quem Jimmy tanto admirou, o reconheceu como um colega
acadêmico que soube enfrentar de forma digna as dificuldades
que a vida - sim, esta tragicomédia - lhe ofereceu.
As minhas lembranças me levam também a umas poucas palavras
sobre o amigo de fora da academia. Jimmy era um bom camarada.
Não dissimulava seu amor pela família. Não escondia o orgulho
que sentia de seus três filhos, pelas escolhas que faziam,
pelos caminhos que trilhavam. Muitos foram os momentos que
compartilhamos nestes 30 anos, na porta dos colégios, nas
festas juninas, nas formaturas e até a chegada dos nossos
primeiros netos.
Ele mal partiu e já sentirmos
sua falta.
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Agueda Bernardete Bittencourt
é professora da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp |