O
professor Furio Damiani é um dos precursores da microeletrônica
nacional. Veio da USP para a Unicamp em 1974, quando nasceu
seu primeiro filho, porque já naquela época considerava
São Paulo inviável para se viver. Aqui, podia ir e vir do
campus de bicicleta, cortando fazenda por estrada de terra.
Ajudou a estruturar a Faculdade de Engenharia Elétrica e,
no então Laboratório de Eletrônica e Dispositivos (LED),
projetou e construiu um implantador de íons. “Era uma máquina
para implantação a baixa energia, como se utiliza hoje.
Conseguia até separar urânio”.
A Telebrás, financiada com
recursos provenientes do Fundo Nacional de Telecomunicações,
era interessada nos resultados científicos e tecnológicos,
recorda o docente. “O Fundo foi extinto e a consequência
foi que acabou a Telebrás e o nosso laboratório. Hoje não
temos indústria microeletrônica no Brasil, compramos todos
os componentes do outro lado do planeta. Hewlett e Packard,
os dois engenheiros que fundaram a HP produzindo equipamentos
de boa qualidade, não deixariam a produção sair dos Estados
Unidos. Mas eles morreram e até a HP é made in China”.
Damiani tornou-se referência dentro do Departamento de Semicondutores,
Instrumentos e Fotônica (DSIF) da Faculdade de Engenharia
Elétrica e de Computação (FEEC). Ele, que publicou inúmeros
artigos científicos, vive um estágio diferente na carreira.
Aos 66 anos, poderia já estar aposentado, mas reluta em
deixar seu conhecimento guardado em casa e empenha-se em
atividades de laboratório, junto a alunos de agora, crescidos
na cultura do videogame.
“A Unicamp precisa investir
bastante em laboratórios reais e não virtuais. Ninguém gostaria
de ser operado por um cirurgião cuja experiência foi adquirida
apenas por intermédio de robôs. Nós precisamos do entendimento,
pessoal e intransferível, que ocorre debaixo dos cabelos.
É preciso mexer com essa turma, fazer com que todos experimentem
e entendam os fenômenos”, prega o professor.
Em suas aulas de laboratório,
Furio Damiani procura cativar o aluno com experimentos,
convidando-o ao raciocínio. Mostra sua “bolinha preguiçosa”,
um ímã de terras raras que ele solta dentro de um tubo de
metal condutor: o tubo mede apenas meio metro, mas a bolinha
demora seis segundos para cair. “Normalmente, a velocidade
de queda deveria aumentar, já que a força da gravidade fornece
aceleração. Mas como temos um imã e um condutor, surge uma
força contrária à da queda e a aceleração se anula; a velocidade
permanece constante e a bolinha parece flutuar. Tornar o
fenômeno visível é uma forma de estimular o aprendizado”.
Em
muitas universidades, o ensino de eletrônica tornou-se fortemente
baseado em simulador, em detrimento do aprendizado de conceitos
sobre circuitos eletrônicos. “Conhecimento se passa no contato
entre pessoas e não por computadores – como evoluir na pesquisa
se o modelo é sempre o mesmo? É preciso exercitar para aprender,
e aprender também significa errar. A história da engenharia
mostra acontecimentos terríveis, como as quedas dos aviões
Comet. Esta tragédia permitiu ampliar o conhecimento sobre
os materiais, descobrindo-se o fenômeno de fadiga que, levado
em consideração no projeto dos futuros aviões, evitou a
repetição do problema”.
Exercitar para aprender.
O professor conta que passou por uma ponte de madeira construída
por Newton, na Universidade de Cambridge. Era uma ponte
totalmente desmontável que se sustentava sem pregos ou parafusos.
“Olhando de perto, vi pregos e parafusos. A explicação:
com a morte de Newton, os alunos deixaram de praticar a
operação; certo dia, desmontaram a ponte mas não conseguiram
remontá-la”.
Ainda que resolva se aposentar,
Damiani gostaria que a sua forma de trabalhar com os estudantes
em laboratório fosse continuada e valorizada. “Eles precisam
entender porque a bolinha demora a descer. Usar o laboratório
para confirmar leis já consagradas é perda de tempo. A partir
de uma pergunta, o aluno precisa aprender a observar, buscar
a melhor equação e prever o deslocamento de um feixe de
laser. Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina”, diz o professor,
brincando com seu próprio ofício.
Para a comunidade
O docente atenta que desenvolver pesquisas baseadas em necessidades
de campo é próprio da engenharia, uma peculiaridade que
coaduna com uma opinião pessoal: que a universidade pública
deve trabalhar para a comunidade que a sustenta e não se
preocupar apenas com a publicação de papers. “Podemos fazer
as duas coisas. A publicação deve ter seu espaço, mas oferecer
uma resposta à sociedade também faz com que a universidade
cresça. Em nosso departamento realizamos pesquisas visando
diversos tipos de aplicações”.
O
pesquisador gosta de contar a experiência da Corning Glass,
indústria chamada para resolver um sério problema das companhias
de trens nos EUA, em 1908: no tempo em que mais gente e
animais cruzavam as linhas, usavam-se lanternas de sinalização,
cujos vidros frequentemente se partiam devido ao choque
térmico com a chuva e a neve. “A solução foi desenvolver
um vidro de baixo coeficiente de dilatação (de boro-silicato)
que não quebrava mais”.
O fabricante, de acordo
com Damiani, passou a fornecer vidros para companhias de
trens de todo o mundo. No entanto, em pouco tempo, quase
foi à falência, justamente porque seu produto não quebrava.
“Certo dia, em 1913, um engenheiro da empresa levou um vidro
para casa, a pedido de sua esposa, que teve a ideia de usá-lo
como forma para bolo. Ela descobriu um uso diferente para
a tecnologia, levando à criação da marca Pyrex”.
A propósito, no teto de
sua sala na FEEC, ele aponta o espelho com três lâmpadas
fluorescentes, uma delas queimada e outra prestes a queimar.
“Aquilo que vai escurecendo o vidro, próximo às extremidades,
é um filamento para auxiliar o processo de acendimento da
lâmpada, iniciar a descarga no gás em baixa pressão no interior.
Nas lâmpadas de filamento, o fabricante pode programar quantas
horas elas vão durar”.
O professor segue explicando
que o vidro da lâmpada fluorescente é coberto internamente
por um pó com óxidos que são iluminados pelos raios ultravioletas
gerados pela descarga. Dependendo da composição do pó, pode-se
gerar luz na cor desejada, como por exemplo, mais branca
ou mais vermelha. “Em um experimento, coloquei uma lâmpada
‘queimada’ num forno de microondas doméstico. E ela acendeu,
pois o que ‘queimou’ foi apenas o filamento. Essa lâmpada
é chamada de catodo quente, sendo possível fabricar as de
catodo frio (sem filamento)”.
Lâmpadas a LED
Segundo Damiani, vem daí o grande interesse em desenvolver
LEDs (sigla em inglês para diodos emissores de luz), capazes
de gerar fótons, sem uso de filamento. “O diodo é fabricado
com materiais semicondutores. LEDs que emitem luz vermelha,
laranja e amarela usam substratos de GaAs (arseneto de Gálio);
já para obter luz verde ou azul, deve-se usar substratos
de GaN (nitreto de Gálio). As camadas ativas dos LEDs, de
alguns átomos de espessura, são dopadas com diversos elementos,
que determinam a cor da luz gerada”.
O
docente explica que um LED de gravador, que acende quando
o aparelho está em funcionamento, apesar de muito eficiente,
não gera luz suficiente para ser usado, por exemplo, como
um farol de carro. “Entretanto, podemos fabricar muitos
LEDs, um ao lado do outro, a fim de que possam substituir
lâmpadas incandescentes ou fluorescentes. Montadoras alemãs
já vêm testando LEDs em faróis de automóveis”.
Tais lâmpadas teriam longa
durabilidade e alta eficiência, mas há um problema a ser
resolvido: elas aquecem, o que degrada os diodos. “Em LEDs
de baixa potência, há dissipação térmica suficiente. Já
quando agrupados para fornecer mais luz, como no farol de
um automóvel, é preciso encontrar um meio de refrigerá-los.
Os motivos dessa perda de eficiência relacionada com a potência
dos LEDs (droop) têm sido muito estudados. Diria que são
boas as chances de substituir as lâmpadas convencionais
pelas de LEDs, que provavelmente teriam vida útil maior
até que a do usuário. No entanto, voltaremos ao velho problema:
nessa sociedade baseada no lucro, quem vai querer fabricar
um produto que não estraga?”.