Graças
a uma troca de informações entre especialistas das áreas
de Medicina e Engenharia Biomédica da Unicamp, foi desenvolvido
um novo dispositivo batizado “conector uretral” que está
possibilitando aferir o aumento da pressão dentro da bexiga
(vesical) do homem de maneira não-invasiva. O conector demonstra
potencial para auxiliar o diagnóstico médico e orientar
o tratamento, com maior eficácia, sem o uso indesejado das
convencionais sondas e sem dor durante as avaliações urodinâmicas.
Depois de passar por algumas otimizações, ele está em uso
experimental no Hospital de Clínicas (HC). Setenta e cinco
pacientes já foram submetidos ao exame com o conector, que
pode ser usado por pacientes com hiperplasia prostática.
A nova abordagem representa
riscos mínimos de lesar o trato urinário do paciente e de
causar infecções. O dispositivo, construído em material
de PVC e teflon, é cônico e vazado, permitindo a sua introdução
(cerca de 2 cm) na uretra do paciente, a fim de executar
micção através do conector. Em alguns milissegundos, o fluxo
urinário é interrompido e a pressão é medida e registrada
para análise. Nesta fase de testes, o conector uretral –
que já tinha pedido de patente depositado junto ao Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) – está se mostrando
vantajoso em relação ao exame convencional, que apresenta
22% de complicações por sangramento macroscópico, infecção
do trato urinário e dor entre 24 e 48 horas após sua realização.
Um rápido panorama do conhecimento
atual sobre o assunto converge para os estudos que estão
sendo conduzidos em três centros que desenvolvem e pesquisam
avaliação urodinâmica não-invasiva: Brasil, Holanda e Inglaterra.
Estes grupos estão analisando outros métodos e avaliando
suas vantagens e desvantagens para saber o que impede de
fazer uma medição adequada.
Na Unicamp, que há anos
está se debruçando sobre essa investigação, o projeto do
conector uretral iniciou quando o urologista Carlos Arturo
Levi D’Ancona, da Disciplina de Urologia da Faculdade de
Ciências Médicas (FCM), que reunia as principais queixas
dos pacientes sobre o desconforto do exame, procurou o também
especialista e pesquisador do Centro de Engenharia Biomédica
(CEB), José Wilson Bassani, professor da Faculdade de Engenharia
Elétrica e de Computação (FEEC), para juntos buscarem uma
solução do problema. D’Ancona já trazia sugestões que, somadas
às de Bassani, encontraram ainda pela frente o interesse
do aluno de graduação da Feec, João Carlos Martins de Almeida,
pela área de engenharia biomédica.
O
estudante agregou-se à pesquisa, tomando como objeto de
estudo a medição não-invasiva da pressão vesical durante
a sua iniciação científica, com bolsa financiada pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
e sob orientação do professor Bassani. O projeto de João
Carlos, baseado nessas pesquisas e que culminou com o desenvolvimento
do conector, receberá neste mês o prêmio de melhor tema
livre do XVII Congresso Interno de Iniciação Científica
da Unicamp, realizado em setembro e organizado pelas Pró-Reitorias
de Pesquisa (PRP) e de Graduação (PRG).
Avaliações
Estudos da avaliação urodinâmica convencional, que compreendem
as fases de enchimento e esvaziamento vesicais, avaliadas
pela medidas das pressões vesical, uretral e abdominal,
mostram que a pressão é tida normal no homem até 50 cm de
água, com um fluxo de saída de urina em torno de 12 ml por
segundo, e que existe uma estreita relação entre pressão
e saída de urina. Na mulher, estes padrões são um pouco
mais baixos: a pressão é até 20 cm de água na bexiga, com
um fluxo de 15 ml por segundo. Na literatura, observa-se
que 60% dos homens com mais de 60 anos apresentam sintomas
do trato urinário inferior por causa do aumento da próstata,
com consequente elevação da pressão na bexiga urinária.
Sempre alerta a essas questões,
D’Ancona portava uma extensa revisão acerca dos outros métodos
de avaliação urodinâmica. O problema, em seu entender, era
que a medição clássica da pressão era invasiva. O que ele
pensou então foi transformá-la em não-invasiva. As primeiras
conversas evoluíram, surgindo a proposta embrionária de
conceber um conector uretral, que depois passou por adaptações.
O primeiro estudo foi fundamental, em sua opinião, posto
que mostrou dados consistentes e que os resultados eram
até melhores que os alcançados em outras avaliações.
Aprimorando o dispositivo
para empregá-lo definitivamente nos exames, os pesquisadores
sondaram o posicionamento deste em relação a outros em uso.
Segundo D’Ancona, o novo conector ainda não substitui completamente
a avaliação urodinâmica convencional, mas já dá mostras
de que pode beneficiar muito a etapa que antecede esta avaliação
e, por vezes, pode prescindir deste exame, o que já representa
um avanço em termos diagnósticos.
O urologista revela que
muitas doenças afetam o desempenho da bexiga e que efetuar
uma avaliação urodinâmica neste órgão consiste em uma valiosa
medida para fornecer um estudo funcional dela e também da
uretra. Este exame, relembra ele, feito há mais de 100 anos,
pode ser aplicado a crianças, adultos e idosos de ambos
os sexos, colocando-se uma sonda na bexiga, que passa a
ser o meio de comunicação entre o paciente e a instrumentação.
No passado, estes aparelhos eram muito caros, de difícil
uso, regulagem e o registro. Com o advento da informática,
comenta, isso possibilitou reduzir custo e facilitar o exame.
Mas fato é que ainda persistiam as queixas do paciente por
causa da sonda.
Não
obstante este exame ser muito utilizado ainda hoje, o questionamento
do paciente sempre foi como fazê-lo sem o trauma da sonda.
Muitas tentativas foram feitas para minimizar tal inconveniente.
Bassani explica que a construção do dispositivo foi possível
por conta de dois editais do CNPq, um de 2006 e outro de
2008. “Fora o conector uretral, atualmente o que há de concreto
são apenas três centros estudando o tema, contudo não há
método alternativo, internacionalmente, que resolva 100%
dos problemas.”
Com resultados muito satisfatórios (sensibilidade de 67%
e especificidade de 79%, percentuais significativos), o
dispositivo vem superando as expectativas dos especialistas
e dos pacientes. Uma pesquisa de satisfação do usuário conduzida
no HC permitiu, ao comparar os testes com a avaliação urodinâmica
convencional, perguntar se o paciente sentia menos dor,
se o exame era mais fácil para ele e se podia ir para a
casa sem nenhuma dor após o exame. As hipóteses vieram a
se confirmar: “e os pacientes notaram uma grande melhora
principalmente no item desconforto do exame”, comemora D’Ancona.
Otimização
Para chegar ao terceiro modelo do conector uretral, que
passa agora pelos testes de bancada, os outros dois anteriores
tiveram que ser otimizados, sendo que o segundo está em
uso no HC. No modelo 1, o próprio paciente segurava o dispositivo,
porém tinha que operá-lo manualmente. Com isso, era preciso
ensiná-lo e, às vezes, ter que repetir o exame. Com a otimização
do conector, o modelo 2 saiu na versão automática, com o
paciente operando o aparelho, mas o conector funcionando
praticamente sozinho. E este modelo 3 exibe outras adaptações
e poderá oferecer melhor o resultado ao médico e facilitar
mais ainda a sua operação pelo paciente.
Ao explicar como é feita
a aferição, Bassani relata que são empregados os métodos
clássicos para calibração dos equipamentos. São testes feitos
em laboratório com equipamentos rastreados do ponto de vista
de confiabilidade e de qualidade. A pressão é aferida por
um sensor embutido no dispositivo e a informação, passando
por circuitos adaptadores, é enviada a um computador que
mostra em um monitor de vídeo a variação da pressão na bexiga.
Estes dados são todos arquivados para posterior análise.
Estão envolvidos neste projeto, além de Bassani e João Carlos,
apoiados pela área de Pesquisa & Desenvolvimento do
CEB, um grupo da Urologia, coordenado por D’Ancona, formado
por alunos de iniciação científica e residentes em diferentes
momentos. À equipe de trabalho somou-se ainda o mestrando
da Feec, Rodrigo Watanabe, que desenvolveu o software de
aquisição dos sinais, e o médico David Cohen, que teve participação
nos testes clínicos.
A pesquisa sobre este dispositivo
resultou em outros trabalhos, apresentados em congressos,
prêmio da Academia Nacional de Medicina e publicações em
revistas de alto impacto, como a Urology em 2008 e a Advances
in Urology em 2009. A motivação do dispositivo, revela D’Ancona,
em grande parte veio da necessidade eventual da cirurgia
de próstata. Se por exemplo este órgão cresce por algum
processo benigno, ou não, pode levar à obstrução da uretra,
causando dificuldades na micção. Na mulher, em geral, o
aumento da pressão urinária pode decorrer de estenose da
uretra, sendo a sua origem mais comum a cirurgia para tratamento
da incontinência urinária. “Ainda não foram feitos testes
em mulheres e em crianças porque isso exigiria uma modificação
no formato do aparelho, no entanto já pensamos nisso, devendo
adotar modelos mais adequados à anatomia de cada indivíduo.”
O modelo 3 parte com fôlego
para fornecer automaticamente a pressão, o fluxo e fazer
uma estimativa da área obstruída. Para isso, são utilizados
cálculos complexos que demandam muitos testes. Muito provavelmente
o fluxo e a pressão já estarão disponíveis na próxima versão,
de acordo com Bassani. Os dispositivos são testados com
o máximo cuidado, conta o urologista, pois a rotina médica
não deve ser alterada drasticamente. “Afinal, ela segue
os protocolos clássicos de introdução para um novo tipo
de medição.”
D’Ancona, Bassani e João Carlos estimam que brevemente será
possível a Unicamp contar com novas cópias do conector uretral
para o complexo hospitalar, inclusive com a ideia de levá-las
a outros centros e, quiçá, efetuar um estudo multicêntrico.
“Outros pesquisadores precisam sentir as dificuldades e
os desafios do invento. Não adianta fazer um dispositivo
que somente o inventor saiba operá-lo. Precisa ser testado
sempre para tornar o resultado final mais robusto e buscar
o envolvimento de diferentes equipes, de maneira coordenada
e constante”, comenta Bassani.