Uma
pesquisa de pós-doutorado desenvolvida no Instituto de Biologia
(IB) da Unicamp está mapeando experimentalmente as células-tronco,
stem cells, adultas da próstata de animais senis. Os resultados
preliminares indicaram que cada compartimento da próstata
apresentou sua própria população de células-tronco (existem
células-tronco luminais, basais e estromais) e que o desequilíbrio
entre os hormônios androgênicos e estrogênicos pode sim
alterar a reatividade das células-tronco normais, conhecidas
como sadias, e igualmente das cancerosas. E além de verificar
a atuação das células nesses compartimentos, os especialistas
descobriram que elas podem ser estimuladas, ora promovendo
a supressão hormonal ou ora sua reposição. Com esses primeiros
achados, será possível compreender melhor a origem das doenças
da próstata.
O projeto do pós-doutorando
Wagner José Fávaro, orientado pela professora do IB Valéria
Helena Alves Cagnon Quitete, integra o grupo de pesquisa
em Biologia da Reprodução do Departamento de Anatomia, Biologia
Celular, Fisiologia e Biofísica, e tem o apoio da Fundação
de Amparo ao Ensino e à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp). Em sua recente investigação, Wagner, que é graduado
em enfermagem pela Unicamp e que já cumpriu mestrado e doutorado
no Instituto, também conta com o envolvimento e o trabalho
dos alunos de iniciação científica do curso de graduação
em Ciências Biológicas, sob coordenação de Valéria.
Ao abordar a importância
da próstata, a professora afirma que o órgão tem sido alvo
de diferentes pesquisas hoje, pelo elevado índice de doenças
que o acometem na velhice. Segundo ela, a senescência é
um dos principais fatores etiológicos responsáveis pela
diminuição androgênica natural em homens e um dos períodos
de maior ocorrência de diferentes doenças prostáticas. “Em
caso de câncer, quando o diagnóstico é realizado, lamentável
e frequentemente pode haver metástase. E nosso foco é contribuir
para o tratamento deste órgão, cujo risco fica aumentado
acima dos 60 anos.”
Diferentes moléculas no
microambiente prostático que sinalizam uma célula-tronco
normal, sadia, pode levar a um tratamento mais eficaz das
doenças. Em contrapartida, comenta Wagner, com a existência
das células-tronco cancerosas, malignas, a previsão de tratamento
da próstata é flagrantemente mais difícil. A célula-tronco
cancerosa, portanto, pode reproduzir um caráter de malignicência
e assim por diante. “Tendo conhecimento como a célula-tronco
cancerosa se comporta, novas possibilidades de terapia podem
ser vislumbradas.”
Testes
Os testes animais, que consistiram na manipulação de hormônios
e na verificação da sua oscilação, foram iniciados há cerca
de três meses com ratos idosos Sprague-Dawley, com idade
de dez meses. Em laboratório, esses animais passam tanto
por supressão hormonal quanto por reposição. A partir desses
testes, avaliam-se, entre outros parâmetros, receptores
hormonais, que são a porta de entrada dos hormônios; moléculas
de adesão às células; fatores de crescimento ou mitóticos;
e, agora, estão sendo avaliados propriamente diferentes
marcadores celulares para prosseguir mapeando as células-tronco
adultas na próstata, objeto deste estudo.
Vários ensaios já foram
feitos com reposição hormonal a fim de avaliar o microambiente
da próstata e no sentido de dimensionar os efeitos moleculares
desta reposição. Mas também começaram recentemente os estudos
em próstata humana de pacientes pos-mortem com hiperplasia,
câncer e neoplasia intraepitelial. O trabalho já está devidamente
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FCM e pela
Comissão de Ética na Experimentação Animal do IB.
Conceitualmente, as células-tronco
– explica Wagner – são células de renovação que ficam latentes
no órgão e que se expressam diferentemente de acordo com
a resposta aos estímulos. Mas a relação entre as células-tronco
e a origem das doenças prostáticas, comenta Valéria, ainda
não é muito clara. Por outro lado, sabe-se que o seu isolamento
e a sua caracterização certamente permitirão novas estratégias
para o controle das doenças, bem como o domínio cada vez
mais profundo do funcionamento desse órgão. Só que, para
entender o seu funcionamento, é preciso ter um prévio conhecimento
da anatomia da próstata.
A função primária desse
órgão é nutrir os espermatozóides e promover a sua motilidade.
Contudo, quando esta nutrição não acontece, há um comprometimento
do sistema genital masculino, culminando com infertilidade.
Anatomicamente, a próstata é uma glândula androgenodependente
localizada inferiormente à bexiga urinária. Pesa aproximadamente
20 gramas e mede de 3 a 5 cm. É constituída por pares de
lobos laterais e um mediano. Tem ainda uma zona central
(onde acontece em geral a hiperplasia benigna) e outra periférica
(onde acontecem mais os cânceres) e é dividida em compartimentos
epitelial e estromal que, por sua vez, são subdivididos
em outros dois compartimentos, secretor e basal.
Qualquer mudança hormonal
afeta esta estrutura como um todo e o seu funcionamento.
E é justamente na senescência que os problemas mais se manifestam.
Neste particular, Valéria realça que o conhecimento das
células-tronco prostáticas indicará novos caminhos e perspectivas
para o entendimento do complexo funcionamento da próstata,
isso agregado às novas terapias no tratamento das lesões
prostáticas.
Embora a próstata seja dependente
da testosterona, outros hormônios como os estrógenos também
participam da sua manutenção. Ambos são importantes porque
as vias de desenvolvimento estrogênico estão envolvidas
nas lesões da próstata. “O hormônio sozinho por si não gera
doenças. As lesões na próstata são multifatorais e envolvem
fatores intrínsecos dos elementos moleculares no microambiente
do órgão. Somente assim é possível entender a origem de
muitas doenças da próstata”, diz Wagner. Os próximos passos
envolverão a análise comparativa em amostras humanas e a
indicação dos melhores biomarcadores para as células-tronco
prostáticas adultas.
Outras pesquisas
O grupo de pesquisa em Biologia da Reprodução, que tem aproximadamente
20 anos e soma 46 trabalhos ao longo desses anos, na maioria
publicados em revistas internacionais de alto impacto, investiga
ainda a próstata em associação ao álcool, ao diabetes e
ao tabagismo, embora seu foco atual resida nas glândulas
em animais senis. Um dos trabalhos, financiado pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
aborda o efeito do diabetes sobre a morfofisiologia da próstata,
tendo como principal conclusão que o diabetes é um deflagrador
de lesões prostáticas. Outro, com auxílio de bolsa também
CNPq, é sobre alcoolismo e tabagismo. A sua principal conclusão
é que a associação entre alcoolismo e nicotina agravam as
lesões na próstata.
A bióloga Valéria Quitete,
que é atualmente coordenadora de ensino de graduação em
Ciências Biológicas, é graduada pela Unesp-Botucatu e logo
que foi contratada pela Unicamp já deu início a esse grupo
de pesquisa. Em seu entender, as terapias em nível molecular
são o futuro para que os idosos envelheçam com maior qualidade
de vida. “Os estudos que se unirem a esta linha serão bem-sucedidos.
Ademais, as perspectivas para essas terapias ocorrem no
sentido de intervir nas vias de atuação das moléculas mediante
o uso de medicamentos da linha hormonal, que servem tanto
para o bloqueio como para a reposição hormonal, a depender
da indicação.”
O órgão
A próstata cresce pouco até a puberdade, quando passa a
sofrer influências importantes de hormônios masculinos (testosterona
e diidrotestosterona), alcançando cerca de 20 gramas por
volta dos 20 anos. Estima-se que, a partir dos 30 anos,
ela passa a crescer 0,4 gramas por ano. Está comprovado
que o crescimento normal da próstata relaciona-se com o
avanço da idade do homem. Entretanto, em caso de câncer
prostático ou principalmente de HPB (hiperplasia prostática
benigna), este crescimento torna-se acelerado e a próstata
pode atingir volumes de 60g a 100g, necessitando tratamento
cirúrgico.
A glândula prostática tem
uma disposição anatômica que a torna estrategicamente perigosa
dentro do sistema urinário, pois seu crescimento exagerado
(hiperplasia) afeta o diâmetro da uretra, dificultando a
passagem da urina e o próprio funcionamento da bexiga, podendo
também causar alterações renais importantes. O câncer de
próstata constitui, atualmente, a neoplasia mais frequente
do homem, representando 21% do total de casos. O comportamento
biológico inconstante desta neoplasia, com crescimento por
vezes lento e pouco agressivo, faz com que a proporção de
óbitos pela doença seja inferior à dos outros cânceres.