Tese revela potencial de nova droga no
combate a doenças neurodegenerativas
Estudo abre perspectivas
no combate
às escleroses múltipla e lateral amiotrófica
JEVERSON
BARBIERI
Pesquisa
de doutorado realizada pelo biólogo Alexandre César Santos
de Rezende, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do
Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, concluiu que a droga
TAT-CNTF possui um potencial muito grande para uso em tratamento
de doenças neurodegenerativas que afetam motoneurônios,
neurônios sensitivos e neurotraumas. A principal vantagem
dessa droga alternativa, produzida a partir da combinação
entre o fator neurotrófico ciliar (CNTF) e uma sequência
de aminoácidos extraídos de uma proteína do vírus HIV-1,
está associada à não-ocorrência dos efeitos colaterais que
foram verificados durante tratamento apenas com o CNTF.
Ainda que a utilização de
ambas as drogas seja eficaz na sobrevivência neuronal, ficou
provado que o CNTF – já ministrado em pacientes no tratamento
da esclerose lateral amiotrófica – causa anorexia e caquexia,
o que significa uma perda significativa de gordura no corpo,
tanto em testes feitos com animais como em tratamento de
seres humanos. Já a TAT-CNTF funcionou como um fator neurotrófico,
ou seja, uma substância protetora sem os efeitos colaterais
do CNTF. A pesquisa, realizada com animais de laboratório
recém-nascidos, com dois dias de vida, abre grandes perspectivas
para o combate de doenças como Parkinson, esclerose lateral
amiotrófica e esclerose múltipla.
Desenvolvida em 2001 pelo
professor Alessandro Negro, da Universidade de Pádua (Itália),
a droga nunca havia sido testada nessas condições. “A sequência
TAT é um domínio de translocação de proteína, o qual permite
que a proteína ligada a ele atravesse membranas biológicas”,
explicou Rezende. Isso foi observado por Negro durante experimento
utilizando cultura de células ovarianas de hamster, tratadas
com a TAT-CNTF. Quando ele realizou a análise imunoistoquímica
– exames laboratoriais capazes de detectar alterações moleculares
–, para ver a localização intracelular, percebeu que a TAT
estava no núcleo dessas células, levando consigo o CNTF.
Ela foi oferecida para testes ao orientador de Rezende,
professor Francesco Langone, falecido em maio passado.
Os primeiros resultados
foram obtidos ainda durante o trabalho de mestrado, no início
de 2003. A secção do nervo ciático de ratos com dois dias
de vida provoca a morte de um número considerável de motoneurônios
da região lombar da medula espinal. Trata-se, segundo Rezende,
de um excelente modelo de lesão, capaz de verificar se o
tratamento com um fator protetor promove a sobrevivência
de motoneurônios medulares. “Para nossa surpresa, a nova
droga salva os motoneurônios da morte. E tanto faz se o
tratamento é feito localmente no coto do nervo ou se é feito
subcutaneamente”, afirmou. Também chamou a atenção do pesquisador
o fato de que o grupo tratado com TAT-CNTF não apresentava
crescimento corporal inferior quando comparado com o grupo
controle. O grupo tratado somente com CNTF apresentava crescimento
corporal inferior em relação aos demais grupos analisados.
Apesar das evidências, Rezende
considerava ainda a necessidade de uma evidência mais forte
para validar a descoberta. Em junho de 2004, ao ler um artigo
publicado por pesquisadores norte-americanos, observou que
estes autores reportaram que o tratamento com CNTF induz
a morte de adipócitos – células que compõem o tecido adiposo,
responsáveis pelo armazenamento de gordura no organismo.
O pesquisador sugeriu, então, analisar a gordura marrom
interescapular nos animais (importante fonte de energia
para animais recém-nascidos). Outra surpresa: para o grupo
tratado somente com CNTF, os espaços ocupados pela gordura
dentro da célula, chamados de vacúolos lipídicos, praticamente
inexistiam. Já para os animais tratados com a TAT-CNTF esse
tecido permanecia da mesma forma que o observado com o grupo
controle, ou seja, com múltiplos vacúolos lipídicos. A dissertação
de mestrado, defendida em 2005, recebeu menção honrosa durante
a realização da XX Reunião Anual da Federação de Sociedades
de Biologia Experimental (FeSBE), no mesmo ano, na cidade
de Águas de Lindóia (SP).
A pesquisa do doutorado
propiciou uma análise mais aprofundada da ação da droga
sobre os motoneurônios, os neurônios sensitivos, na regeneração
axonal de nervos periféricos e na recuperação funcional.
Todos os dados obtidos confirmaram que a utilização da TAT-CNTF
contribuiu positivamente na sobrevivência desses parâmetros
motores e sensitivos. “Melhorou a recuperação porque toda
vez que se causa um dano ao nervo, consequentemente, causa
uma dano na musculatura por ele inervada”, observou Rezende.
Obviamente, esclareceu o
biólogo, o animal que tem um nervo lesado tem uma perda
significativa da função muscular. O tratamento por cinco
dias foi suficiente para salvar um número significativo
de neurônios. Houve uma perda, confirmou Rezende, no entanto
ocorreu também uma recuperação muito importante da reinervação
da pata, dos parâmetros regenerativos das estruturas dos
nervos e, também, da função motora e sensitiva.
Com recursos da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), foi
construída uma trilha, toda em acrílico, para analisar a
recuperação motora do animal através do método denominado
Vídeo-Walking Track Test. “Somos o primeiro grupo do Brasil
a padronizar as análises de pegadas e a marcha do animal
por esse método”, contou Rezende. A trilha possui um espelho
posicionado a 45º que permite a visualização da marcha
e a dimensão das pegadas das patas do animal. “Digitalizamos
e fizemos as medidas das patas utilizando um programa para
análises morfométricas”, declarou.
Outra inovação utilizada
por Rezende em seu trabalho de doutorado foi um equipamento
construído para dar choques elétricos com correntes crescentes
de 0,1mA, desenvolvido pelo engenheiro eletricista Paulo
Wong, especialmente para essa pesquisa. Foram efetuados
testes de avaliação de sensibilidade nas patas dos animais.
Quando estes sentiam o choque e mexiam a pata, o circuito
era interrompido e o equipamento registrava precisamente
o estímulo limiar de resposta. “É um equipamento que não
existe no mercado e que fornece informações precisas para
avaliações da resposta de retirada da pata provocadas pela
estimulação elétrica. Tivemos resultados muito bons em relação
a isso”, avaliou.
Perspectivas
Rezende revelou que já tem um projeto pronto para a utilização
do CNTF no tratamento da esclerose múltipla (EM), doença
inflamatória do sistema nervoso central, caracterizada pela
invasão de células do sistema imune. Esse processo ocasiona
a destruição localizada da bainha de mielina (estrutura
que envolve os axônios, responsável pelo aumento da velocidade
de condução do impulso nervoso). Segundo o pesquisador,
existem dados na literatura, resultantes de testes realizados
em modelos animais, os quais comprovam que a utilização
do CNTF melhora a remielinização – recuperação da bainha
de mielina – no caso da esclerose múltipla. Uma vez que
o CNTF possui essa ação, é possível afirmar que existe uma
droga que possibilita uma importante ajuda na recuperação
de pacientes acometidos por essa doença. “A EM caracteriza-se
pela ocorrência de surtos e remissões, mas gradativamente
vai causando seqüelas importantes no paciente”, disse.
O projeto está focado, nesse
primeiro momento, em testes com animais. No entanto, deve
abrir perspectivas para tratamentos clínicos em seres humanos.
Para Rezende, é preciso lembrar que no caso da esclerose
lateral amiotrófica o CNTF melhora a sobrevivência dos motoneurônios,
mas também causa efeitos colaterais metabólicos importantes,
já presenciados em humanos. “Se eu tiver uma droga com a
mesma ação do CNTF sem causar efeitos colaterais tenho,
portanto, uma droga potencial para tratamento de doenças
neurodegenerativas”, recordou.
Obviamente, prossegue Rezende,
a pesquisa tem que continuar para preencher todas as lacunas
da ação molecular da TAT-CNTF. Para ele, além de um possível
emprego no tratamento de doenças neurodegenerativas, a TAT-CNTF
pode ser utilizada também no tratamento de neurotraumas,
que são as lesões em nervos periféricos. A pesquisa de doutorado
mostrou que a droga tem uma ação regenerativa importante
sobre eles. “Acredito que seja uma boa notícia para as pessoas
portadoras dessas doenças, sendo uma perspectiva importante”.