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Pesquisa feita em dois hospitais públicos
sugere alto índice de abortos provocados


RAQUEL DO CARMO SANTOS

A ginecologista Daniela Fornel de Oliveira Silva: “As políticas de assistência devem ser revistas com mais empenho” (Fotos: Antoninho Perri)Um estudo realizado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp apontou que 48% das pacientes com diagnóstico de aborto internadas entre julho de 2008 e abril de 2009, em dois grandes hospitais de referência para mulheres que procuram atendimento no Serviço Único de Saúde (SUS) em Campinas, podem ter provocado a interrupção da gravidez. Isto significa dizer que das 543 mulheres atendidas nos dois hospitais com este diagnóstico, 259 sinalizaram para a possibilidade de terem optado por não prosseguir com a gestação. Destas, 25 assumiram claramente ter provocado a situação.

“Sem entrar na discussão sobre legalização ou não da prática no Brasil e a despeito de convicções religiosas, os números demonstram que o problema é real e deve ser tratado com maior atenção pelas autoridades competentes. Essas mulheres correm risco de vida e estão sujeitas a complicações graves de saúde”, salienta a autora da pesquisa, a ginecologista Daniela Fornel de Oliveira Silva.

Orientada pelo professor Aloísio José Bedone, Daniela chegou a esses números ao avaliar os casos de aborto e suas complicações no município de Campinas. Para tanto, ela aplicou junto às mulheres uma lista de verificação com os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS). Por essa classificação, as alternativas de resposta para a questão sobre o aborto provocado consistem em “possivelmente, provavelmente e certamente”, ou seja, quase a metade das mulheres foi inserida em uma dessas categorias quando indagadas.

Daniela afirma que esse contingente é elevado, principalmente se for levado em conta que tal prática no país é considerada crime, sendo passível de punições previstas na legislação. Entretanto, em sua opinião, a porcentagem pode ser ainda maior, uma vez que muitas pacientes preferem não assumir a prática. “É preciso pensar, para o futuro, outras formas de aplicar os questionários, com o objetivo de deixar as mulheres mais confiantes sobre o sigilo absoluto de sua identidade e das informações. Acredito que, com esse procedimento, iria aumentar o número de pacientes que assumiriam”, observa.

Daniela ficou surpresa ao constatar que, das mulheres que poderiam ter provocado o aborto, a maioria não teve complicações mais graves de saúde. O índice de complicações foi baixo, perto do que seria esperado. Segundo ela, esses dados não provam mas podem refletir a utilização em larga escala de um medicamento que chegou ao país em 1986 para o tratamento de problemas relacionados à úlcera gástrica, mas que possui uma função abortiva e reduz o risco de complicações.

“Sabe-se que este medicamento é vendido no mercado paralelo, pois não é liberado para a livre comercialização nas farmácias. Em determinados casos de aborto terapêutico, o seu uso é recomendado, mas só pode ser feito em hospitais. Diferentemente de outros métodos que podem, inclusive, levar à morte, a droga reduz os riscos, tem pouco efeito colateral e diminui os sinais da indução”, explica Daniela.

Por estes motivos, esclarece a ginecologista, o papel deste medicamento nos casos de interrupção da gravidez provocada tem se consolidado a cada dia e a propaganda boca-a-boca estimula ainda mais o seu uso. Na pesquisa, das 25 mulheres que assumiram a indução do aborto, nove declararam ter utilizado o remédio. Outro número, observa a autora, questionável, uma vez que essas pacientes tiveram poucos efeitos colaterais.

“Muitas mulheres, depois de induzirem o aborto, buscam os hospitais para se certificar de que o ato realmente ocorreu. Elas não passam mal ou apresentam sintomas mais graves e, por isso, se sentem desobrigadas a dar qualquer declaração. Uma discussão mais ampla sobre o assunto é necessária, pois as mulheres, quando determinadas a interromper a gravidez, ignoram as consequências ou riscos. Neste sentido, as políticas de assistência devem ser revistas com mais empenho”.

 

 
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