Software avalia efeitos da radiação
eletromagnética emitida por celular
Testes feitos com simulador
e ferramenta
indicam que aparelhos não causam riscos
JEVERSON
BARBIERI
Pesquisadores
da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)
da Unicamp, em parceria com a Fundação CPqD, acabam de desenvolver
um software capaz de avaliar os efeitos, em seres humanos,
da radiação eletromagnética emitida por aparelhos celulares,
especialmente na cabeça. E os resultados obtidos até o momento
são positivos – segundo testes preliminares, os equipamentos
não causam riscos aos usuários. O acordo de cooperação entre
a Unicamp e o CPqD se deu no âmbito do projeto “Telecomunicações
e impactos na saúde e no meio ambiente”, financiado pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento das Telecomunicações (Funttel).
A principal característica
deste software, batizado de BR-SAR, é ser uma ferramenta
computacional com interface bastante amigável, de fácil
manuseio para o pessoal técnico que possua conhecimento
dos modelos matemáticos envolvidos. Durante dois anos, a
equipe de pesquisadores da Unicamp, liderada pelo professor
Hugo Enrique Hernandez Figueroa, desenvolveu em conjunto
com a equipe do CPqD, um pacote computacional e realizou
testes do simulador, cujo modelo representa o comportamento
da cabeça humana da forma mais fiel possível. “Trabalhamos
com o que está disponível em bibliotecas de hospitais e
centros de pesquisa da área médica”, afirmou Figueroa.
Após a montagem das geometrias
adequadas a cada modelo de aparelho, o programa executa
o cálculo da distribuição de campos eletromagnéticos em
todo o espaço. A partir daí, o software calcula a distribuição
de temperatura e, também, de um parâmetro denominado SAR
(Specific Absorption Rate), que significa taxa de absorção
específica dos tecidos. Esse é o parâmetro que representa
o efeito da radiação eletromagnética nos tecidos. Nesse
momento, ele verifica se o que é emitido pelo aparelho está
de acordo com a regulamentação brasileira.
Figueroa
explica que seu grupo desenvolveu ao longo dos últimos dez
anos técnicas sofisticadas de cálculo de radiação eletromagnética,
motivo pelo qual determinou a colaboração com o CPqD. “A
nossa experiência em trabalhar com esse tipo de modelagem
resultou no contrato de colaboração”, disse. Ele revelou
que o grupo atingiu um nível muito bom no desenvolvimento
do simulador. Esse produto deverá servir como exemplo para
outros aplicativos e facilitará a interação com outros grupos
e outros pesquisadores que não trabalham com a parte de
simulação. Na opinião do professor, muitos pesquisadores
precisam dessas ferramentas e se elas não possuem uma interface
amigável, isso torna a sua utilização um pouco mais complicada.
O desenvolvimento do BR-SAR
servirá de apoio às atividades que o CPqD vem desenvolvendo
na área de comunicações sem fio, em especial a de testes
da SAR dos aparelhos celulares. Certificar um equipamento
com larga escala de utilização é, conforme Figueroa, uma
contribuição importante em termos sociais. Trata-se de um
modelo que continuará sendo aprimorado porque certamente
novos efeitos surgirão e serão incorporados. Figueroa cita
o exemplo do fluxo sanguíneo. “Como modelar isso? Estamos
com uma ferramenta de enorme potencial e com fortes tendências
de crescimento”, ressaltou. A pesquisa gerou seis trabalhos
de iniciação científica – desenvolvidos em parceria com
a professora Marli de Freitas Gomes Hernandez, da Faculdade
de Tecnologia (FT) da Unicamp –, uma dissertação de mestrado,
uma tese de doutorado e registro da patente do software
que está em andamento. “As metas foram atingidas”, concluiu
Figueroa.
Diante da impossibilidade
da realização de testes em seres humanos, o centro de pesquisa
passou a buscar uma alternativa para o desenvolvimento de
técnicas de simulação baseadas em modelos matemáticos e
ferramentas computacionais. Foi nesse momento que o conhecimento
e a experiência adquirida pela equipe do professor Figueroa
passou a fazer parte desta modelagem matemática que trata
da interação entre as ondas eletromagnéticas e o tecido
humano. Para Antonio Marini de Almeida, do CPqD, é necessário
conhecer as propriedades, entender e modelar o processo
do ponto de vista eletromagnético.
Além de atuar na parte
computacional no desenvolvimento de software, o pesquisador
contou que outra ação realizada pelo CPqD no âmbito desse
projeto, foi validar o que havia sido desenvolvido em termos
de modelo matemático, que, assegura Marini, tem uma realidade
virtual que precisa ser trazida à realidade física de
um laboratório. O objetivo é tentar que as duas realidades
sejam coerentes, de forma que os resultados sejam confiáveis.
As medições da SAR são
realizadas por um instrumental que reproduz as características
humanas. Este instrumental é composto por um sistema robotizado
para medição do campo elétrico em um boneco que reproduz
a cabeça humana. O telefone é colocado numa determinada
posição, na forma como será a exposição durante o seu
uso normal, para verificar qual é a interação produzida
pelo equipamento do ponto de vista da exposição eletromagnética.
Os testes de validação no
laboratório tentam reproduzir o mundo virtual no mundo real,
através de medidas reais. Marini ressalta que é importante
observar que nesse processo não há certo ou errado. Não
é possível afirmar que os resultados da simulação ou os
resultados do laboratório estão corretos. “Os resultados
têm que convergir, porque as duas realidades, a virtual
e a real, têm que se encontrar”, afirmou.
Do ponto de vista do software
desenvolvido, a obtenção de medidas a cada milímetro ou
décimo de milímetro é feita sem intercorrências. Já no laboratório,
essas medidas só podem ser realizadas por robô. A precisão
também é muito grande, porém, o tempo para a realização
destas medidas é muito grande, o que impossibilita este
tipo de avaliação. É importante ressaltar que um ou dois
milímetros de distância dos sensores da sonda que mede a
emissão de ondas eletromagnéticas em relação ao simulado
provocam resultados completamente diversos. “Nós conseguimos
que os resultados convergissem, tanto na simulação como
na medida de laboratório”, contou Marini.
Na
opinião do pesquisador, uma aplicação do software desenvolvido
no projeto é o seu uso durante o desenvolvimento de novos
aparelhos, pois há a necessidade da realização de testes
para a medição da SAR. Um simulador reduz esse tempo porque,
ao invés de construir fisicamente o telefone celular, ele
pode ser avaliado pelo simulador. Quando o primeiro protótipo
do aparelho chegar para avaliação laboratorial, já haverá
dados pré-avaliados, o que torna essa aplicação bastante
interessante.
Segundo Marini, há outros
grupos no Brasil com desenvolvimentos de simulação da SAR,
mas este software foi desenvolvido para ter uma interface
de usuário muito amigável. Há uma facilidade muito grande
no desenvolvimento do trabalho, na obtenção de resultados
e na realização da simulação. O software trabalha em três
dimensões (3D) e com rotações. Para as partes envolvidas
isso é bastante importante porque, para a Unicamp, ele atua
como suporte na parte de estudos e desenvolvimento de pessoal,
enquanto que para o CPqD, é fundamental para analisar telefones
com tipos diferentes de antenas. “Essas são as aplicações
mais importantes que nós vimos nos resultados obtidos”,
garantiu.
Outro viés da pesquisa,
informado por Marini, diz respeito ao trabalho realizado
pela bióloga e geneticista responsável pelo Laboratório
de Citogenética e Cultivo Celular do Hospital da Mulher
– Caism/Unicamp, Juliana Heinrich, objetivando resultados
com relação à exposição da radiação em células humanas.
Ela concluiu em sua pesquisa que o nível de radiação dos
aparelhos celulares não causa danos aos cromossomos humanos.
Os níveis de radiação emitidos pelos aparelhos encontrados
no mercado brasileiro, de acordo com a bióloga, estão entre
1,5 e 1,6 watts/kg. As ocorrências de danos nos cromossomos
humanos foram verificadas apenas quando a exposição à radiação
foi superior em aproximadamente dez vezes ao limite permitido
pela Comissão Internacional para Proteção contra Radiações
(ICNIRP), de 2 watts/kg. Isso evidencia que os limites no
Brasil, referendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
estão adequados. “Tem gente que pensa diferente e respeitamos,
mas no nosso entendimento o que existe de legislação no
Brasil é suficiente para a segurança da população, do ponto
de vista dos terminais e das estações”, concluiu.
Na área de telecomunicações
hoje no Brasil, todo produto antes de entrar no mercado
passa por um processo de certificação, coordenado pela Agência
Nacional de Telecomunicações (Anatel). Cada modelo lançado
pelos fabricantes é submetido à bateria de testes, sendo
que um é a medida da SAR, cuja avaliação é feita no CPqD.
“Nenhum dos modelos vai para o mercado se não atingir as
especificações”, atestou o pesquisador Antonio Marini de
Almeida, do CPqD.