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Dentista desenvolve na FEM gel
injetável que recupera tecido ósseo

Produto à base de polímero sintético
regenera cavidades
lesionadas

CARMO GALLO NETTO

A dentista Christiane Laranjo Salgado, autora da tese: “A maior dificuldade dos biomateriais é o seu reconhecimento pelas células” (Foto: Antoninho Perri)Existem situações médicas ou odontológicas que exigem recomposição de partes de estruturas ósseas. É o que acontece, por exemplo, quando cavidades de ossos da face provocadas por acidentes ou decorrentes de cirurgias necessitam ser preenchidas, ou quando parte do tecido ósseo que dá sustentação aos dentes precisa ser recuperada para possibilitar a utilização de implantes. Hoje, essas cavidades ou depressões são preenchidas com osso liofilizado ou com fragmentos de ossos retirados do próprio corpo do paciente.

Em pesquisa desenvolvida no Departamento de Engenharia de Materiais da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, a dentista Christiane Laranjo Salgado desenvolveu gel injetável para preenchimento dessas cavidades ósseas. O produto, protegido por patente nacional, permite regenerar estrutural e funcionalmente os tecidos ósseos lesionados ou perdidos. O trabalho se ateve ao desenvolvimento de uma matriz – que utiliza polímeros sintéticos que mimetizam a matriz que existe no organismo – para cultura de células destinadas à aplicação em engenharia de tecidos ósseos. Da pesquisa, resultou a tese de doutorado intitulada “Desenvolvimento de matrizes tridimensionais poliméricas para aplicação em engenharia de tecido ósseo”. A pesquisa foi orientada pela professora Cecília Amélia de Carvalho Zavaglia.

A pesquisadora esclarece que, na obtenção de matrizes constituídas de hidrogeis, são em geral empregados polímeros naturais como alginato ou gelatina. Ela utilizou um polímero sintético que vem do petróleo e foi essa inovação que levou à solicitação da patente. Trata-se de um polímero produzido em alta escala, fácil de encontrar no mercado. Estudos preliminares revelam que o produto não é inflamatório e permite o desenvolvimento das células ósseas em seu interior, degradando-se durante o processo.

Christiane procurou a FEM atraída pela possibilidade de desenvolver novos materiais para utilização nas áreas médicas e odontológicas diante da constatação de que é muito difícil na odontologia encontrar docentes que se dedicam a essa linha de pesquisa. O que se faz, esclarece , é utilizar materiais que já foram estudados por engenheiros, químicos ou biólogos e verificar-lhes a viabilidade da aplicação odontológica. E explica: “Eu me propus então a criar novos materiais, pois sei das necessidades da comunidade médica e odontológica diante das limitações de aplicabilidade dos materiais disponíveis. Por isso, dediquei-me a estudar inicialmente membranas poliméricas utilizadas para o envolvimento de enxerto ósseo para tratamento de periodontite crônica. É o caso em que a estrutura óssea que sustenta a arcada dentária precisa ser protegida para evitar que a invasão da gengiva possa impedir a sua regeneração. Para substituir o enxerto ósseo, surgiu a idéia de utilizar material na forma injetável”. Em vista disso, a tese aborda as duas vertentes: obtenção de membranas e gel poliméricos.

A pesquisadora concluiu que o gel obtido favorece o crescimento celular na cultura in vitro tanto quando em contato com células ósseas como com células-tronco adultas e que o material, atestado in vivo em ratos Wistar, não induziu processos inflamatórios agudos ou crônicos e nem provocou necrose do tecido subcutâneo em que foi aplicado. Ademais, o gel apresenta características ótimas para a proliferação de células ósseas.

Matriz
Os tecidos do corpo humano são constituídos de células e de uma matriz extracelular sintetizada pelas células que lhes garante a coesão de forma a poderem realizar funções que lhe são próprias como absorver ou excretar substâncias. Christiane se propôs a desenvolver uma matriz que fosse reconhecida pelas células ósseas de forma a proliferarem nesse meio.

Para tanto, ela desenvolveu uma matriz polimérica sintética colocando-a em contato com células-tronco adultas em cavidade óssea em que faltava o tecido ósseo de forma que elas pudessem se diferenciar e formar o tecido. Observou que as células-tronco adultas se modificaram na direção da formação de células ósseas. Ela também preencheu a cavidade óssea com o polímero que ficou em contato com as células naturais do organismo vivo envoltório.

As células se desenvolveram de fora para dentro da cavidade preenchida, levando à ossificação. As próprias células secretaram enzimas que rompem a estrutura do polímero que depois é absorvido e excretado como se fizesse parte do organismo.

O gel é injetado quando o interior do osso encontra-se fragmentado, mas existe ainda uma capa óssea rígida. Nos casos em que não se consegue colocar fragmentos de ossos, há necessidade de se preencher o vazio com material fluido que depois endurece. O gel é um fluido translúcido que, aplicado, adquire consistência de borracha depois de uma hora e características sólidas depois de um dia. Nos ratos, o material estava regenerado e reabsorvido depois de três meses. O processo permite resolver situações como a da perda de dentes em pacientes que não tenham osso suficiente, o que leva à necessidade de que o osso volte a crescer. Para tanto, o local deve ser preservado da invasão do tecido gengival para possibilitar a regeneração do osso e a implantação de pino que permita sustentar o implante de dente.

O estudo demandou testes mecânicos que permitiram determinar a resistência dos materiais, pois o osso não pode se fragmentar ou deformar pela própria ação da musculatura. Christiane diz que “a maior dificuldade dos biomateriais é o seu reconhecimento pelas células, de modo que possam aderir e proliferar sem perder as características próprias, pois o objetivo é que elas permaneçam como são, à exceção das células-tronco que se pretende que dêem origem a células do tecido desejado, no caso, ósseo. Neste caso os resultados in vitro mostram que elas se transformaram em células precursoras de tecido ósseo, embora o estudo não tenha permitido uma conclusão definitiva.

Bioengenharia
A engenharia tecidual é um campo emergente na biomedicina moderna, que promete um novo caminho de esperança para o transplante biológico, criando substitutos viáveis para órgãos e tecidos danificados. O objetivo primordial de várias das estratégicas desta terapia que vem sendo desenvolvida, explica Christiane, é regenerar estrutural e funcionalmente os tecidos lesionados ou perdidos, utilizando células em combinação com matrizes sintéticas. Pensando nisso, a pesquisadora desenvolveu um biomaterial na forma de gel com o intuito de possibilitar a sua introdução no organismo humano por meio de uma seringa de injeção comum. Para acelerar o tempo de degradação, ela utilizou uma policaprolactona (PCL) de alta massa molecular combinada com um polímero natural de baixa massa molecular, acido sebácico (AS), derivado do óleo de rícino.

Os resultados mostraram que tanto os arcabouços rígidos – as membranas – da blenda de PCL e AS quanto a sua fórmula em gel possuem grande potencial de aplicação em engenharia tecidual. Cada um destes biomateriais pode ser aplicado para um determinado tipo de tratamento médico ou odontológico. O PCL/AS em gel poderia ser utilizado no preenchimento de ossos com osteoporose avançada e o arcabouço poroso de PCL/AS poderia ser utilizado como membrana de proteção cirúrgica para enxertos ósseos em tratamentos de periodontite crônica.


 
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