Dentista desenvolve na FEM gel
injetável que recupera tecido ósseo
Produto à base de polímero
sintético
regenera cavidades lesionadas
CARMO
GALLO NETTO
Existem
situações médicas ou odontológicas que exigem recomposição
de partes de estruturas ósseas. É o que acontece, por exemplo,
quando cavidades de ossos da face provocadas por acidentes
ou decorrentes de cirurgias necessitam ser preenchidas,
ou quando parte do tecido ósseo que dá sustentação aos dentes
precisa ser recuperada para possibilitar a utilização de
implantes. Hoje, essas cavidades ou depressões são preenchidas
com osso liofilizado ou com fragmentos de ossos retirados
do próprio corpo do paciente.
Em pesquisa desenvolvida
no Departamento de Engenharia de Materiais da Faculdade
de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp, a dentista Christiane
Laranjo Salgado desenvolveu gel injetável para preenchimento
dessas cavidades ósseas. O produto, protegido por patente
nacional, permite regenerar estrutural e funcionalmente
os tecidos ósseos lesionados ou perdidos. O trabalho se
ateve ao desenvolvimento de uma matriz – que utiliza polímeros
sintéticos que mimetizam a matriz que existe no organismo
– para cultura de células destinadas à aplicação em engenharia
de tecidos ósseos. Da pesquisa, resultou a tese de doutorado
intitulada “Desenvolvimento de matrizes tridimensionais
poliméricas para aplicação em engenharia de tecido ósseo”.
A pesquisa foi orientada pela professora Cecília Amélia
de Carvalho Zavaglia.
A pesquisadora esclarece
que, na obtenção de matrizes constituídas de hidrogeis,
são em geral empregados polímeros naturais como alginato
ou gelatina. Ela utilizou um polímero sintético que vem
do petróleo e foi essa inovação que levou à solicitação
da patente. Trata-se de um polímero produzido em alta escala,
fácil de encontrar no mercado. Estudos preliminares revelam
que o produto não é inflamatório e permite o desenvolvimento
das células ósseas em seu interior, degradando-se durante
o processo.
Christiane procurou a FEM
atraída pela possibilidade de desenvolver novos materiais
para utilização nas áreas médicas e odontológicas diante
da constatação de que é muito difícil na odontologia encontrar
docentes que se dedicam a essa linha de pesquisa. O que
se faz, esclarece , é utilizar materiais que já foram estudados
por engenheiros, químicos ou biólogos e verificar-lhes a
viabilidade da aplicação odontológica. E explica: “Eu me
propus então a criar novos materiais, pois sei das necessidades
da comunidade médica e odontológica diante das limitações
de aplicabilidade dos materiais disponíveis. Por isso, dediquei-me
a estudar inicialmente membranas poliméricas utilizadas
para o envolvimento de enxerto ósseo para tratamento de
periodontite crônica. É o caso em que a estrutura óssea
que sustenta a arcada dentária precisa ser protegida para
evitar que a invasão da gengiva possa impedir a sua regeneração.
Para substituir o enxerto ósseo, surgiu a idéia de utilizar
material na forma injetável”. Em vista disso, a tese aborda
as duas vertentes: obtenção de membranas e gel poliméricos.
A pesquisadora concluiu
que o gel obtido favorece o crescimento celular na cultura
in vitro tanto quando em contato com células ósseas como
com células-tronco adultas e que o material, atestado in
vivo em ratos Wistar, não induziu processos inflamatórios
agudos ou crônicos e nem provocou necrose do tecido subcutâneo
em que foi aplicado. Ademais, o gel apresenta características
ótimas para a proliferação de células ósseas.
Matriz
Os tecidos do corpo humano são constituídos de células e
de uma matriz extracelular sintetizada pelas células que
lhes garante a coesão de forma a poderem realizar funções
que lhe são próprias como absorver ou excretar substâncias.
Christiane se propôs a desenvolver uma matriz que fosse
reconhecida pelas células ósseas de forma a proliferarem
nesse meio.
Para tanto, ela desenvolveu
uma matriz polimérica sintética colocando-a em contato com
células-tronco adultas em cavidade óssea em que faltava
o tecido ósseo de forma que elas pudessem se diferenciar
e formar o tecido. Observou que as células-tronco adultas
se modificaram na direção da formação de células ósseas.
Ela também preencheu a cavidade óssea com o polímero que
ficou em contato com as células naturais do organismo vivo
envoltório.
As células se desenvolveram
de fora para dentro da cavidade preenchida, levando à ossificação.
As próprias células secretaram enzimas que rompem a estrutura
do polímero que depois é absorvido e excretado como se fizesse
parte do organismo.
O gel é injetado quando
o interior do osso encontra-se fragmentado, mas existe ainda
uma capa óssea rígida. Nos casos em que não se consegue
colocar fragmentos de ossos, há necessidade de se preencher
o vazio com material fluido que depois endurece. O gel é
um fluido translúcido que, aplicado, adquire consistência
de borracha depois de uma hora e características sólidas
depois de um dia. Nos ratos, o material estava regenerado
e reabsorvido depois de três meses. O processo permite resolver
situações como a da perda de dentes em pacientes que não
tenham osso suficiente, o que leva à necessidade de que
o osso volte a crescer. Para tanto, o local deve ser preservado
da invasão do tecido gengival para possibilitar a regeneração
do osso e a implantação de pino que permita sustentar o
implante de dente.
O estudo demandou testes
mecânicos que permitiram determinar a resistência dos
materiais, pois o osso não pode se fragmentar ou deformar
pela própria ação da musculatura. Christiane diz que
“a maior dificuldade dos biomateriais é o seu reconhecimento
pelas células, de modo que possam aderir e proliferar sem
perder as características próprias, pois o objetivo é
que elas permaneçam como são, à exceção das células-tronco
que se pretende que dêem origem a células do tecido desejado,
no caso, ósseo. Neste caso os resultados in vitro
mostram que elas se transformaram em células precursoras
de tecido ósseo, embora o estudo não tenha permitido uma
conclusão definitiva.
Bioengenharia
A engenharia tecidual é um campo emergente na biomedicina
moderna, que promete um novo caminho de esperança para o
transplante biológico, criando substitutos viáveis para
órgãos e tecidos danificados. O objetivo primordial de várias
das estratégicas desta terapia que vem sendo desenvolvida,
explica Christiane, é regenerar estrutural e funcionalmente
os tecidos lesionados ou perdidos, utilizando células em
combinação com matrizes sintéticas. Pensando nisso, a pesquisadora
desenvolveu um biomaterial na forma de gel com o intuito
de possibilitar a sua introdução no organismo humano por
meio de uma seringa de injeção comum. Para acelerar o tempo
de degradação, ela utilizou uma policaprolactona (PCL) de
alta massa molecular combinada com um polímero natural de
baixa massa molecular, acido sebácico (AS), derivado do
óleo de rícino.
Os resultados mostraram
que tanto os arcabouços rígidos – as membranas – da blenda
de PCL e AS quanto a sua fórmula em gel possuem grande potencial
de aplicação em engenharia tecidual. Cada um destes biomateriais
pode ser aplicado para um determinado tipo de tratamento
médico ou odontológico. O PCL/AS em gel poderia ser utilizado
no preenchimento de ossos com osteoporose avançada e o arcabouço
poroso de PCL/AS poderia ser utilizado como membrana de
proteção cirúrgica para enxertos ósseos em tratamentos de
periodontite crônica.