A
conversa com o professor Felix G. R. Reyes, do Departamento
de Ciência de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos
(FEA) da Unicamp, revela um pesquisador profundamente envolvido
com o que faz, dedicado aos seus alunos de iniciação científica,
mestrado, doutorado e pós-doutorado, capaz de abordagens
extremamente didáticas e lineares e mais preocupado em
destacar o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Toxicologia
de Alimentos e Fármacos (GTAF), que co-dirige com a professora
Susanne Rath, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp,
do que enfatizar individualidades.
O GTAF é um grupo de caráter
multidisciplinar que desenvolve pesquisas em dois laboratórios:
o Laboratório de Toxicologia de Alimentos, da FEA, e o Laboratório
de Eletroanalítica, do IQ, sob a coordenação dos professores
Reyes e Susanne, respectivamente. Neles, trabalham alunos
da iniciação científica ao pós-doutorado. Muitos dos seus
projetos têm sido desenvolvidos em cooperação com outros
pesquisadores tanto da Unicamp como de outras instituições
como Embrapa, USP e Unesp. Embora atue em várias interfaces
da química e da ciência de alimentos, o GTAF transita também
pelas áreas de farmácia e agronomia. Quatro linhas de pesquisa
interdisciplinares desenvolvidas pelo grupo merecem destaque:
a determinação de compostos tóxicos em alimentos; de compostos
de interesse farmacológico; de aditivos e fibras alimentares;
e de conservantes e compostos tóxicos em cosméticos.
De um modo geral, as atividades
de pesquisa do GTAF visam o desenvolvimento e validação
de novos métodos analíticos, com o objetivo de simplificar
etapas da marcha analítica e viabilizar sua aplicação
na determinação de informações relevantes na área de
toxicologia de alimentos, fármacos e cosméticos. Merece
particular destaque no trabalho do grupo, a linha de pesquisa
que investe no desenvolvimento de métodos analíticos para
determinação de resíduos de medicamentos veterinários
em alimentos de consumo mais generalizado, as chamadas commodities.
Esses estudos, além de contribuírem para a proteção
da saúde do consumidor, têm por objetivo ainda evitar
entraves no comércio exterior face às exigências das
comunidades e dos organismos de controle internacionais.
O reconhecimento do GTAF
pela comunidade científica nacional e internacional evidencia-se
através da participação de seus professores responsáveis
em reuniões técnico-científicas. O professor Reyes tem atuado
como assessor em assuntos relacionados à toxicologia de
alimentos em comitês científicos do Ministério da Saúde,
da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a
Alimentação (FAO) e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A professora Susanne participou ainda este ano da reunião
do Comitê de Peritos da FAO/OMS Sobre Aditivos Alimentares
(JECFA). Marecem particular destaque as publicações do Grupo
em prestigiados periódicos internacionais. Em agosto, o
informativo eletrônico Notícias, da Fapesp, refere-se ao
GTAF como de alta produtividade.
Resíduos
Uma das principais linhas de pesquisa do GTAF visa à determinação
de resíduos de medicamentos veterinários em alimentos destinados
ao consumo humano com o objetivo de atender várias vertentes.
O principal interesse concentra-se
no conhecimento da real incidência desses resíduos nos alimentos
consumidos, para avaliar riscos que suas presenças podem
trazer à saúde dos consumidores, pois, explica Felix, “conhecendo
a quantidade de resíduos de medicamentos veterinários a
que estamos expostos podemos compará-las com os limites
toxicológicos tolerados e avaliar os riscos. Este conhecimento
permite que medidas relativas à vigilância sanitária sejam
tomadas, quando necessário, auxiliando o governo a estabelecer
políticas de segurança pública alimentar”.
O pesquisador lembra ainda
que os medicamentos veterinários constituem um dos temas
que dominam a agenda tanto do Ministério da Saúde (MS) como
do Ministério da Agricultura (Mapa), tanto que cada um deles
mantém programas para monitoramento da presença de resíduos
de medicamentos veterinários em alimentos e o fazem através,
respectivamente, da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa)
e do Plano Nacional de Controle de Resíduos (PNCR). Ele
destaca ainda a criação do Ministério da Pesca que pretende
tornar o Brasil líder na produção de carne de peixe, principalmente
tilápia, a exemplo do que já acontece com as carnes de frango
e bovina em que o país é o maior exportador mundial.
Para que isso seja possível,
há necessidade de criações confinadas que poderão suscitar
a necessidade de uso de medicamentos veterinários, pois,
por exemplo, em cativeiro são criadas aproximadamente 180
tilápias por metro cúbico e nestas condições um animal doente
contamina rapidamente os demais. O uso indevido do medicamento
veterinário, por sua vez, gerará problemas de saúde pública.
Este quadro, afirma, evidencia a importância do controle
na produção de alimentos no Brasil.
Por outro lado, além da
saúde pública, o tema envolve também aspectos econômicos,
pois a presença de resíduos de medicamentos veterinários
em alimentos pode criar barreiras nas exportações. E isto
repercute seriamente em um país como o nosso em que os
alimentos constituem uma das principais commodities de
exportação. O docente chama a atenção para o fato de
que existe hoje uma preocupação mundial com o estabelecimento
de limites que precisam ser respeitados em relação à
presença de substâncias indesejáveis em alimentos, principalmente
os estabelecidos pelo Codex Alimentarius, que é o organismo
internacional que estabelece normas utilizadas na regulamentação
do comércio de alimentos. Ele considera que “para controlar
a esses limites, precisamos de metodologias analíticas
confiáveis que garantam que nossos alimentos estejam dentro
de parâmetros considerados seguros para a saúde pública
e que atendam às exigências de exportação para que não
tenhamos o comércio com o exterior barrado”.
O MS e o Mapa estabeleceram
prioridades em relação aos alimentos a serem estudados.
Vem em primeiro lugar o leite, pelo amplo espectro de consumo
que abrange em que se destacam crianças e idosos, e depois
as carnes de frango, bovina, suína e de peixes, mel e ovos.
O desenvolvimento da piscicultura tem levado o Grupo a se
preocupar em determinar a presença de resíduos veterinários
na carne de peixe, mesmo porque não existem praticamente
estudos a respeito no Brasil. Aliás, para os peixes criados
em confinamento, existe apenas um medicamento específico,
empregando-se os destinados a outros animais, o que impõe
um estudo da adequação.
A propósito, o professor
Reyes se pergunta que produtos virão a ser utilizados quando
o Brasil se tornar um dos maiores produtores de peixe do
mundo. Em relação aos peixes, considera que estamos seguindo
o caminho do frango quando diz: “Precisamos desenvolver
as modificações genéticas para produzir espécies que cresçam
mais rapidamente, assim como é necessário estudar a melhor
dieta para as espécies selecionadas para que o peixe se
desenvolva no menor tempo possível. Paralelamente, também
é preciso estudar os recursos que devem ser utilizados para
que os animais não adoeçam e se, uma vez doentes, sejam
tratados terapeuticamente”.
O mel tem sido outra preocupação
do grupo já que a medicação é aplicada na colméia para combater
certos tipos de microorganismos. O professor conta que a
China teve barrada sua exportação de mel para a Europa por
causa da contaminação com cloranfenicol, um medicamento
proibido, o que acabou afetando inclusive a exportação de
mel do Brasil, pois não havia estudos relativos à detecção
dessa substância no mel aqui produzido. Um dos componentes
do Grupo se encarregou de desenvolver e validar método analítico
que poderá vir a ser utilizado pela vigilância sanitária.
O pós-doutorando Jonas A.
R. Paschoal esclarece que o Grupo se detém principalmente
nos antibióticos. Existem vários grupos de antibióticos
de interesse no caso e entre eles estão as tetraciclinas,
que já foram avaliadas no leite, no mel, em peixes. Pesquisaram
também as presenças das quinolonas em frangos e peixes.
Estão estudando tetraciclinas, quinolonas, macrolídeos,
aminoglicocosídeos em diferentes tipos de alimentos. Paschoal
enfatiza que cada uma dessas substâncias apresenta-se em
contextos diferentes, conforme diferentes matrizes alimentares,
o que leva à necessidade de individualização dos procedimentos
analíticos.
Além disso, são realizados
estudos de depleção, ou seja, do tempo necessário à progressiva
eliminação do medicamento até os limites toxicologicamente
toleráveis. A curva de depleção permite determinar o período
que deve ser aguardado entre a aplicação do produto veterinário
até atingir um limite residual seguro, somente depois do
que pode ser feito o abate do animal ou o aproveitamento
do leite, ovos e/ou mel. As normas sanitárias estabelecem
esse período com rigor.
Os pesquisadores consideram
que cumprem o papel de desenvolver e disponibilizar as metodologias
analíticas que permitem determinar resíduos de medicamentos
veterinários e que cabe aos órgãos públicos estabelecer
os programas de vigilância sanitária. O objetivo é sempre
a atomização e validação dos métodos, barateá-los e gerar
menor volume possível de resíduos com impacto ambiental.
Contudo entendem que há limites para diminuição dos custos.
Os métodos de análise adotados têm que atingir uma detectabilidade
muito elevada, pois envolvem determinações de quantidades
muito pequenas, que exigem técnicas analíticas de instrumentação
cada vez mais elaboradas e aparelhos de alto custo de aquisição
e manutenção. Mesmo porque, alerta Paschoal, “o primeiro
quesito de um método analítico é a sua confiabilidade”.
Multidisciplinaridade
Além da colaboração dos profissionais e instituições já
mencionadas, o professor Felix Reyes destaca a participação
de biólogos, que verificam como os medicamentos veterinários
se comportam no organismo. E explica: “Se estamos querendo
estudar os efeitos tóxicos que essas substâncias possam
apresentar, precisamos de biólogos”. Ele lembra que foram
feitas pesquisas sobre o efeito de peritróides no sistema
cardiovascular em trabalho realizado com o professor Miguel
Areas, do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biologia
(IB) e com a pesquisadora Marili V. M Rodrigues, do Centro
Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas
(CPQBA), ambos da Unicamp. Conta que detectado efeito não
desejado dos peritróides estudados no sistema cardiovascular
foram levados a se perguntar se seria possível minimizar
o efeito através de dieta apropriada. Daí, em conjunto com
Areas e Marili, verificaram que fibras alimentares minimizam
a ação tóxica dessas substâncias, absorvendo-as e impedindo-as
de entrar em contato com o organismo ao longo do sistema
gastrointestinal e ainda que, ao diminuírem o tempo do transito
intestinal, aceleravam sua eliminação através das fezes.
Os químicos por sua vez
fazem o desenvolvimento das técnicas analíticas, inclusive
de novos procedimentos de extração e limpeza dos extratos.
A professora Susanne está estudando polímeros de impressão
molecular, assim chamados porque retêm as substâncias de
interesse, separando-as de outros componentes do alimento.
A extração posterior delas do polímero facilita muitíssimo
o processamento da análise, porque inclusive elimina a necessidade
de limpeza do extrato. Os químicos prestam também grandes
auxílios na validação da metodologia, que precisa ser confiável
em termos de exatidão e precisão.
Eles lembram que contam
com a participação de outros profissionais como o professor
José E. P. Cyrino, da Esalq, especialista em piscicultura
que presta colaboração nos estudos realizados com peixes.
Recebem também auxilio da Embrapa em relação a peixes e
suínos criados em sistemas consorciados em Santa Catarina.
Trata-se de particular e amplo estudo realizado pela Embrapa
em que os dejetos dos suínos são utilizados para a criação
de peixes, com o qual vêm colaborando.
Eles necessitam ainda de
matemáticos que auxiliem na avaliação estatística dos dados
de forma a garantir a fidedignidade do método. O professor
Reyes destaca a importância da participação de todos estes
profissionais em um trabalho que se revela profundamente
multidisciplinar. “Hoje em dia, ninguém trabalha sozinho”.