Grupo quer obter combustível a partir da
gaseificação da palha de cana-de-açúcar
Trabalho desenvolvido por pesquisadores
do IFGW despertou interesse do WWC
LUIZ
SUGIMOTO
Começa
a ser desenvolvido na Unicamp um projeto para obtenção de
combustível por meio da gaseificação da palha de cana-de-açúcar
– uma técnica antiga com a novidade da biomassa como matéria-prima.
A pesquisa em nível de pós-doutorado soma-se a inúmeras
outras do Grupo Combustíveis Alternativos (GCA), coordenado
pelo professor Carlos Luengo, do Instituto de Física Gleb
Wataghin (IFGW). A produção científica do grupo – focada
em biocombustíveis, bioetanol e geração de eletricidade
a partir da cana – despertou o interesse de um dos mais
importantes centros de assessoramento acadêmico do governo
dos Estados Unidos, o Woodrow Wilson International Center
for Scholars (WWC).
O pesquisador cubano Walfrido
Alonso Pippo, pós-doutorando sênior que colabora com Carlos
Luengo desde 2005, foi um dos 21 convidados para uma reunião
fechada na sede do WWC em Washington, nos dias 23 e 24 de
julho. Da conferência “Bio-óleos e desenvolvimento econômico”
participaram especialistas do próprio WWC e das universidades
de Harvard (através da Escola John F. Kennedy), Minessota,
Purdue, Illinois e Cornell, e dois outros representantes
latino-americanos, da Universidade de Brasília (UnB) e da
Universidade Nacional da Colômbia.
Walfrido Pippo explica que
o WWC é um fórum de políticas públicas que assessora o governo
dos EUA em todas as áreas, da energia e armamento nuclear
às políticas para o Irã e a Coréia do Norte. Também pesquisa
e busca soluções para os grandes temas de interesse mundial,
sempre de maneira não-partidária. “Estava presente em nossa
reunião a diretora do Programa de Biocombustíveis do Departamento
de Agricultura, Maura O’Neill. É realmente séria a preocupação
do governo com a questão energética, o que não acontecia
antes de Obama”.
Pippo, que conduzirá os
trabalhos para a gaseificação da palha de cana (veja
detalhes nesta página), atribui o convite do WWC ao
caráter abrangente dos estudos do Grupo Combustíveis Alternativos,
que não se limitam ao desenvolvimento de tecnologia em
si. “Temos uma posição diferente de muitos pesquisadores,
pois nosso trabalho é puramente acadêmico, enquanto outros
têm interesses econômicos. Querem nos convencer, por exemplo,
sobre todas as vantagens do etanol, quando nem tudo que
envolve sua produção é bom – há várias restrições
a serem estudadas e calculadas”.
O fórum fechado também teve
convidados de fora da comunidade científica, como Carlos
Henrique Abreu, embaixador do Brasil em Washington, e Joel
Velasco, da Unica – Brazilian Sugarcane Industry Association.
Como sugere o título da conferência, o objetivo foi colher
opiniões e informações sobre o desenvolvimento de biocombustíveis
em nível mundial, principalmente no que se refere a tecnologias
de produção e avanços na comercialização.
Nesse sentido, é evidente
que se discutiu a possibilidade de importação de etanol
brasileiro pelos EUA em grande quantidade. A percepção de
Walfrido Pippo, entretanto, é de que várias incógnitas precisam
ser resolvidas para que isso comece a acontecer. “Tendo
vivenciado a condição de reféns do Oriente Médio em relação
ao petróleo, os americanos estão bastante preocupados com
as restrições à produção do etanol. Se antes as restrições
eram técnicas e econômicas, agora o mundo impõe outras,
como ambientais, éticas, sociais e políticas. Os Estados
Unidos querem estabelecer esses limites antes de definir
suas decisões futuras”.
O pós-doutorando observa,
antes de tudo, que o etanol ainda não é uma commodity,
como o petróleo e o açúcar. “A história do desenvolvimento
dos combustíveis líquidos registra que a gasolina se tornou
um standard de combustível (da Standard Oil) para
toda a indústria automobilística. Quanto ao etanol, não
temos a sua cotação por barril, da mesma forma que não
vemos usineiros produzindo mais combustível do que açúcar,
devido ao bom preço desta commodity. A regulação
do mercado internacional é um problema fundamental”.
Quanto às restrições éticas
e sociais, é fato que nenhum país comprará etanol produzido
com trabalho escravo, havendo ainda a polêmica sobre a ocupação
pela cana de áreas destinadas ao plantio de alimentos. Pippo
enxerga uma questão ética inclusive no esforço para o aproveitamento
do bagaço. “Os Estados Unidos, como nós, estão investindo
pesado na pesquisa de enzimas para produção de álcool lignocelulósico.
Isso poderá levar ao aprimoramento de uma variedade de cana
rica em fibra, que vai render muita energia, mas nenhum
açúcar: é outro limite a ser estabelecido”.
Outra preocupação é ambiental,
principalmente com a devastação das áreas planas da Amazônia,
que oferecem grande atrativo técnico, além do baixo preço
das terras. “As máquinas existentes para a colheita mecanizada
da cana não funcionam em solos com declive superior a doze
ou quinze graus. Um terreno plano é o ideal. A implantação
de uma boa infra-estrutura ferroviária permitiria, por exemplo,
adotar armazéns móveis que iriam recolhendo a cana cortada
e seca, como os existentes em Cuba”.
Questionado a respeito das
pesquisas sobre o tema em seu país, Walfrido Pippo, que
possui formação na Rússia, lembra que devido ao apoio soviético
até os anos 1970, o suprimento de combustível não era um
problema para Cuba. “Enquanto isso, o Brasil fazia a coisa
certa. Muitos defendiam a produção de etanol e ainda temos
o Instituto de Derivados da Cana, que é reconhecido internacionalmente
e gerou muitas patentes”.
O pesquisador cubano ressalta,
porém, que o Brasil reúne as melhores condições para
transformar o etanol da cana em commodity. “A cana
possui três características fundamentais: o sumo para
o combustível; o bagaço, que já substitui o óleo nas
caldeiras; e a palha, que representa um terço de energia
ainda virgem da planta. Nosso grupo tem contribuído para
mostrar os aspectos positivos e negativos da produção
do etanol, o que exige tempo e investimento. E há mais
uma restrição, que é a política: enquanto acadêmicos,
nós pensamos, mas as decisões não são nossas”.